Estão
em curso duas grandes batalhas, ambas muito desafiadoras e difíceis para a
jornada democrática e progressista no Brasil.
Uma
é aquela relativa ao julgamento de Dilma Rousseff no Senado, em duas semanas.
Por mais que se considere invencível, a denúncia de uma ruptura institucional
golpista é importante como marco de resistência das forças democráticas para o
que vem a seguir, pelo que se deve manter a mobilização até o último round.
A
outra batalha já foi iniciada e se prolongará. É a que opõe dois projetos
antípodas, duas agendas políticas, sociais, econômicas e de inserção
internacional do Brasil. O golpe abre curso para uma restauração conservadora
aguda nessa agenda e o país está polarizado.
De
um lado, esgotou-se um ciclo na vida do país, especificamente o pacto da Carta
aos Brasileiros que levou Lula à presidência em 2003. O campo político
vitorioso em quatro eleições presidenciais consecutivas cumpriu com êxito uma
vigorosa etapa de transformações, às quais não se alcançou dar outra qualidade,
com reformas estruturais.
O
advento da crise capitalista mundial, em sua presente etapa atingindo em cheio
os países em desenvolvimento, estancaram as condições de o país fazer a inteira
defesa de seu interesse nacional e perseverar nas conquistas sociais. O Brasil
conhece uma das maiores regressões econômicas e sociais da sua história:
decréscimo do PIB em cerca de 9-10% em dois anos de crise, grave impacto no
desemprego, na renda média do trabalho e na vida do povo.
Aos
êxitos se somaram também muitos erros de condução. Combinados aos efeitos
sociais da crise econômica, estreitou-se notavelmente a base de sustentação
política e social ao governo Dilma, o que permitiu constituir-se que fosse
submetido a um cerco político. Nessas condições, possibilitou-se o golpe sem
que a maioria da sociedade se insurgisse. Sem compreender essa dinâmica e esses
erros, a esquerda brasileira tardará a se reconfigurar e retomar protagonismo
no rumo do projeto nacional, democrático e popular.
De
outro lado, as elites se puseram em ofensiva para reinstaurar um ciclo
francamente conservador. O consórcio político-empresarial-midiático e jurídico
construiu persistentemente essa estratégia nos anos do governo Dilma,
manipulando alterações de sentido conservador ocorridas na sociedade
brasileira. As forças políticas centristas se inclinaram decidida e vastamente
nessa direção, pondo-se sob o manto de uma agenda antinacional e antipopular,
em bases democráticas fraudadas. Atuam hoje com o fervor dos convertidos com a
agenda ultraliberal.
Não
se entenderá tal ofensiva sem relacioná-la à restauração conservadora galopante
no mundo. À carência de saídas progressistas para a já citada crise capitalista
mundial, corresponde uma contraofensiva imperialista, em especial no
subcontinente sul-americano encabeçada pelos EUA, de notável resultados, não
apenas no Brasil.
Enfim,
retornou o projeto ultraliberal acelerado, que implica em pôr fim ao pacto da
Constituição de 1988 por meio da dilapidação do Estado brasileiro nas funções
definidas constitucionalmente, com um choque fiscal estrutural que provocará
restrições orçamentárias permanentes face a demandas crescentes de serviços
públicos, desnacionalizações, desestatizações e desregulamentação nos direitos
do trabalho (os três trágicos “Ds” do neoliberalismo, ao qual inevitavelmente
se soma o quarto: desemprego). Nada disso foi legitimado pelas urnas, donde se
pode esperar mais e crescentes ofensivas antidemocráticas.
O
governo interino atua como síndico do condomínio das poderosas forças
empresariais, midiáticas e políticas que assaltaram o poder. Sua força maior
está no estamento político conservador, repudiado pela sociedade e alvo notório
da Lava Jato, da qual tenta se desvencilhar com arranjos de cúpula. O governo
goza de uma lua de mel irresponsável que o blinda na área da economia, mesmo
que tenha adotado medidas que só agravam o déficit fiscal e dificultam a própria
retomada da economia – “paga-se a conta” do impeachment.
Com
Temer ou sem ele na presidência, sem reverter o golpe, será período de
conchavos pelo alto e às costas da sociedade, escalada autoritária,
criminalização das oposições e dos movimentos sociais, cassação de registros de
funcionamento partidário, promoção da intolerância e atentados aos direitos
civis e poderosas regressões no mundo do trabalho e da aposentadoria. Mas o
governo está marcado por poderosas contradições e disputas, que não projetam o
fim da crise política e nem apresentam perspectivas para o país.
Dessa
forma, há uma encruzilhada, uma fase transitória sem hegemonia estável e,
portanto, sem estabilidade política. O caminho de novas eleições presidenciais
antecipadas é o único que pode modificar as condições presentes, mobilizando
outras forças sociais que alterem a correlação atual. É a perspectiva que pode
mobilizar a maioria da população, para que ela tome nas mãos, mediante o voto,
as saídas para a crise política. Sem isso, a nova oposição estaria abstraindo o
presente e se iludindo com o futuro. Mas têm havido várias dificuldades para
unir em torno dessa bandeira, até agora, toda a resistência ao golpe.
É
nesse contexto que atuarão as forças democráticas, progressistas e da esquerda
política e social, numa situação política amplamente desfavorável, mas com um
ativo de mobilização dos movimentos sociais e progressistas de razoável força e
unidade.
A
oposição à agenda do governo golpista é o centro tático que permanecerá.
Envolve a luta política e social permanente, união de forças amplas, com núcleo
na esquerda política e social, que pode levar o povo a se conflagrar contra tal
agenda. De todo modo, envolverá também movimentos políticos para somar forças,
dividir os adversários, explorar suas contradições, preservar condições
democráticas e institucionalizadas para a vida política e, mais que tudo, dar
perspectivas realistas à sociedade de outro caminho para a superação da crise.
Mais
que isso, envolverá reformulações táticas mais de fundo, para outra fase de
acumulação de forças, para o balanço crítico e autocrítico da experiência
percorrida e para outra geração de medidas programáticas para retomar os
caminhos da afirmação nacional, desenvolvimento soberano, democracia e promoção
de direitos sociais do povo. De vários modos, maior grau de unidade das forças
de esquerda e progressistas estarão no centro dessa pauta.
De
vários modos, também, as eleições vindouras já serão palco dessa tática,
porquanto não está isenta de disputa política das narrativas sobre o golpe,
também porque já é a busca de acumulação de forças da esquerda e projeção de
caminhos para a sua maior unidade. Para dizer o básico: não obstante serem
eleições municipais, a vitória dessas forças em São Paulo e Rio de Janeiro, com
Fernando Haddad e Jandira Feghali respectivamente, mudará profundamente o signo
das perspectivas vindouras.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/08/agenda-golpista-e-encruzilhada-do-pais.html
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