O
Estado não pode protestar seus devedores, pois tem outros meios de cobrá-los,
como a execução fiscal. O entendimento foi aplicado liminarmente pelo
desembargador Oscild de Lima Júnior, da 11ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça de São Paulo, para suspender protestos feitos pelo governo
de São Paulo contra uma fabricante de material de escritório.
O
protesto foi percebido quando os gestores da companhia tentaram um empréstimo
para equilibrar as contas. Ao analisarem as justificativas dos bancos para
negar os financiamentos, os administradores perceberam que, além das dívidas
efetivamente atrasadas, foram incluídos débitos já regularizados por
parcelamento especial, oferecido pelo próprio poder público.
“Na
ânsia de satisfazer a sua volúpia arrecadatória, o impetrado, além de manter
protestadas as CDAs parceladas, inadvertidamente se vale do Protesto de CDA dos
demais títulos em aberto como medida indireta de cobrança coercitiva de
tributos, com base na Lei 9.492/1997, com alteração dada pela Lei 12.767/12, a
qual se mostra eivada de inconstitucionalidade, por configurar incontroversa
hipótese de medida com clara afeição de sanção política”, destacaram os
representantes da autora da ação.
No
pedido de antecipação de tutela, os representantes da empresa, Eduardo Correa
Da Silva, Gilberto Rodrigues Porto e Giulliano Marinoto, do Correa Porto
Advogados, enfatizaram que os débitos tributários protestados são resultado das
dificuldades financeiras enfrentadas por sua cliente devido à crise econômica
que afeta o Brasil.
Em
2015, a companhia registrou dívida de R$ 224 mil junto à Fazenda paulista.
Antes disso, entre 2012 e 2014, as dívidas com ICMS foram regularizadas por
meio de programa especial de parcelamento. Citando esses dados, mais o fato de
que são gastos R$ 130 mil apenas com folha de pagamento, os advogados
explicaram que a situação econômica teve reflexo no fluxo de caixa da
companhia, além do protesto pelo poder público.
“Pretende
o Fisco com o protesto cobrar, coercitivamente, o pagamento do imposto, o que
tem contribuído de forma contundente para a inviabilidade da atividade
produtiva de muitas empresas, na contramão do que prevê a Constituição Federal
e a própria Lei que trata da Recuperação Judicial, que consagra o princípio da
preservação da empresa”, afirmam os representantes da autora da ação.
Para
embasar seu argumento, os profissionais apresentaram precedente do próprio
TJ-SP que impede o protesto por débitos tributários. Na Apelação Cível
1003487-26.2015.8.26.0554, o relator do caso, desembargador Rebouças de
Carvalho, destacou que a medida é inviável, também, porque o estado tem outros
meios de reaver o dinheiro não pago.
“Não
se deve olvidar de que os débitos inscritos na Dívida Ativa possuem presunção
de certeza e liquidez (artigo 3º, da Lei 6.830/80) e, como tal, podem ser
cobrados imediatamente por intermédio de ação executiva, instrumento eficaz
posto à disposição do ente público, decorrendo daí a completa desnecessidade do
protesto, que no caso concreto exagerado e desproporcional”, destacou o desembargador
à época.
Questão da
Selic
Outro
ponto questionado pelos representantes da empresa foi a incidência de juros
acima da Taxa Selic sobre a dívida. Segundo os advogados, esse reajuste torna a
cobrança inexigível, além de incerta e sem liquidez. “Uma vez fixada — pela
União — taxa de juros Selic, o Estado não está autorizado a praticar juros em
patamar superior aquele adotado pelo governo federal, como o fez por meio da
Lei 13.918/09”, argumentaram os advogados da autora.
“Adoção
indiscriminada de protesto de débitos fiscais, mesmo na hipótese em que se
encontra a disposição do Fisco paulista medidas legalmente assecuratórias da
cobrança do crédito tributário, como, por exemplo, o ingresso de execução
fiscal, torna o protesto de tributos em órgão privado de proteção ao crédito
não só um ato desproporcional, abusivo e arbitrário, a ponto, inclusive, de
ocasionar ofensa ao princípio do sigilo fiscal”, afirmaram.
Sobre
a matéria, os advogados citaram o artigo 198 do Código Tributário Nacional, que
trata do sigilo dos dados fiscais; os incisos X e XII do o artigo 5º da
Constituição Federal, que define a inviolabilidade da intimidade e de
correspondências; e as súmulas 70, 547 e 323 do Supremo.
A
Súmula 70 define que “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio
coercitivo para cobrança de tributo”. Já o dispositivo 547 detalha que o poder
público está proibido de impedir que o devedor de tributos exerça suas
atividades profissionais. E o enunciado 323 proíbe “a apreensão de mercadorias
como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
Questão da
inconstitucionalidade
A
Lei 12.767/2012, usada como base para protestar os devedores de impostos, é
alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.135) apresentada pela
Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Supremo Tribunal Federal. Para a
entidade, a norma não respeita o devido processo legislativo e o princípio da
separação dos poderes, pois afronta os artigos 2º, 59 e 62 da Constituição.
A
CNI também argumenta que a Lei 12.767/12 possuí vício material, pois fere o
artigo 5º, incisos XIII e XXXV; o artigo 170, inciso III e parágrafo único; e
artigo 174, todos da Constituição. Diz ainda que há violação do princípio da
proporcionalidade.
Teoria da
Preservação da Empresa
Outro
ponto suscitado pelos advogados foi a Teoria da Preservação da Empresa, já
citada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, no
Recurso Especial 1.187.404. No caso, o julgador destacou que o funcionamento da
empresa favorece duplamente o Estado, pois gera arrecadação direta e indireta,
por meio dos impostos pagos pelo trabalhador ao consumir.
Ministro
Salomão destacou que a manutenção da empresa garante arrecadação tributária.
Superior
Tribunal de Justiça
“(…)
A manutenção da empresa economicamente viável que se realiza a arrecadação,
seja com repasse tributário direto da pessoa jurídica à Fazenda Pública, seja
indiretamente, como, por exemplo, por intermédio dos tributos pagos pelos
trabalhadores e das demais fontes de riquezas que orbitam uma empresa em
atividade”, disse à época.
Os
advogados da companhia destacaram que esse entendimento deve ser considerado,
pois as pessoas jurídicas têm sua importância e interesse social.
“Principalmente porque atinge de forma direta, benéfica e razoável a esfera
jurídica dos três sujeitos: o empregado, geralmente provedor da entidade
familiar, o empreendedor e o Estado, clarificando a procedência da sustação dos
protestos das indigitadas CDAs, sob pena de paralisação ou, até mesmo, o
encerramento das atividades empresarias da impetrante.”
Os
representantes da companhia destacaram ainda que a teoria é protegida pela Lei
11.101/056 (Lei da Recuperação Judicial), que “positiva no ordenamento jurídico
pátrio como sendo instrumento jurídico apto a promover a superação da empresa
em dificuldade financeira, em vista dos desígnios dos fundamentos da república
insculpidos no artigo 1º, inciso IV, combinado com o artigo 170, da CF/88”.
Por
Brenno Grillo
http://www.conjur.com.br/2016-jul-12/outros-meios-cobranca-estado-nao-protestar-divida
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