A
conjunção da crise política e da crise econômica ao longo dos últimos tempos tem
contribuído para provocar uma preocupante paralisia nas atividades do conjunto
do setor público brasileiro. Em particular, ganha destaque o caso de nossa
maior empresa estatal, a Petrobrás.
As
denúncias e as investigações associadas à Operação Lava Jato somaram-se ao
aprofundamento das dificuldades globais enfrentadas pelo setor petrolífero. A
maior preocupação dos que operam no setor vem do movimento empreendido pelos
países produtores, liderados pela Arábia Saudita, forçando a redução do preço
dessa importante “commodity” nos mercados mundiais. Isso significou uma perda
significativas de suas receitas.
No
caso específico do Brasil, além disso, pesam negativamente as medidas
envolvendo as empresas da construção civil e demais fornecedoras e/ou parceiras
da Petrobrás. Esse quadro geral de certo imobilismo na tomada de decisões
estratégicas compromete a gestão do presente e prejudica muito também as opções
de investimento futuro. Com isso, estamos reduzindo nos dias de hoje a dimensão
da empresa de amanhã.
A
profunda politização do debate em torno da empresa acabou por ser refletida em
uma campanha orquestrada pelo financismo e pelos grandes meios de comunicação,
com o objetivo de desgastar os governos Dilma e Lula. Além disso, esse
movimento tem por objetivo explícito a redução da credibilidade da empresa e a
intenção de promover a desvalorização do próprio patrimônio da Petrobrás.
Contra o
catastrofismo: recorde de produção
No
entanto, a força da realidade acaba jogando contra as tentativas
liquidacionistas. As informações oferecidas pelas áreas operacionais da empresa
insistem em desmentir as versões dos arautos do catastrofismo, sempre de
plantão. O fato é que, não obstante a crise financeira indiscutível e as
dificuldades enfrentadas, a Petrobrás continua batendo todos os recordes da
produção pela exploração de suas reservas.
O
relatório de junho traz as estatísticas a respeito da produção de óleo e gás,
anunciando que a empresa alcançou um novo valor máximo em sua atividade
exploratória. No período de um mês, verificou-se uma produção média de 2,9
milhões de barris de óleo equivalente por dia (petróleo e gás natural). Com
isso, foi ligeiramente superada a cifra anterior de agosto de 2015, quando a
marca havia sido de 2,88 milhões. Outro aspecto relevante é que mais de 30%
dessa quantidade vêm das fontes do Pré Sal.
Assim,
as perspectivas futuras de nossas reservas são bastante promissoras, uma vez
que a cada novo período entram em operação novas instalações implantadas nessa
estratégica região das águas profundas de nossa costa. Ainda que a redução
atual dos preços do barril não estimule muito novos investimentos nesse tipo de
jazida, é inegável que a demanda futura mundial por essa fonte energética ainda
assegura uma receita imprescindível para o futuro de nosso País.
OPEP
reconhece a produção do Brasil
No
entanto, toda cautela é necessária para operar em mercado tão marcado pela
especulação e pela volatilidade. Em 2003, por exemplo, o barril estava na casa
de US$ 30. Iniciou uma escalada de elevação, que foi muito acelerada pela
demanda chinesa e associada ao crescimento da economia em escala global. Chegou
a superar a marca dos 130 dólares às véspera da crise de 2008. Para os que
acompanhavam de perto o setor, tratava-se de uma bolha especulativa nítida e
clara. Tal tendência altista não seria sustentável no tempo. Com a redução do
ritmo da economia mundial, os preços baixaram e agora se situam no patamar de
US$ 45.
De
qualquer forma, essa tendência de médio prazo do aumento da importância
brasileira é reconhecida até mesmo pela Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP). A entidade reconhece em seu último Relatório mensal que o
Brasil será o país que promoverá o maior crescimento da produção em 2017,
considerando-se o universo de países que não pertencem ao cartel. E o próprio
documento credita às jazidas do Pré Sal esse importante acréscimo da oferta
prevista do produto.
Ora,
frente a um quadro como esse, beira à irresponsabilidade o discurso a favor da
privatização da empresa ou de alguns de seus setores. É muito comum ouvirmos as
referências - proferidas pelos mesmos “especialistas” que defendem a ortodoxia
e o austericídio - a uma suposta inviabilidade inconteste da estatal. “A
Petrobrás está quebrada!”, afirmam movidos por um sentimento aguerrido e
difuso, que oscila entre o prazer e o desejo.
Petrobrás
tem problemas, mas não está “quebrada”
É
inegável que a empresa acumulou um volume de dívidas bastante elevado ao longo
dos últimos anos, em razão dos investimentos realizados. No entanto, seu valor
patrimonial supera em muito esse tipo de compromisso com credores e ela tem
plena capacidade de cumprir com tais obrigações. Basta um pouco de tempo e a
vontade de iniciar um processo de replanejamento de suas atividades de forma
integrada. Aliás, esse quadro atual de dificuldades econômico-financeiras é uma
característica comum que afeta todas as gigantes do mundo petrolífero, em razão
dessa mudança de patamar dos preços do óleo.
Algumas
poucas são as certezas que se pode ter nessa conjuntura de insegurança e
dúvidas quanto à capacidade de recuperação da economia mundial e de busca de
fontes alternativas de energia. Mas uma delas é que a privatização de empresas
públicas revela-se como enorme equívoco em termos de opção de políticas
públicas. Tanto mais quando se trata de uma empresa de sucesso como a
Petrobrás, que garante sozinha uma parcela importante de nosso PIB, que
apresenta um expressivo efeito multiplicador para outras áreas e que influencia
de forma decisiva nossa capacidade de inovação tecnológica.
A
Petrobrás é reconhecida pela população como um patrimônio nacional, em razão
das conquistas que ela apresentou ao longo de seus mais de sessenta anos de
história. Talvez essa seja uma das razões que tem impedido que ela venha a ser
objeto de aventuras liberalóides mais radicais. Afinal, todos sabemos muito bem
os múltiplos interesses que se apresentam para uma longa lista de conglomerados
desejosos de participar de qualquer processo privatizante.
Se
comprar a Petrobrás já significa um grande negócio em qualquer circunstância,
essa avaliação fica ainda mais tentadora para o capital em uma conjuntura de
crise e recessão, tal como vivemos agora. Isso porque os preços dos ativos
patrimoniais tendem a ser jogados lá para baixo e a privatização sai ainda mais
em conta do que as conhecidas negociatas do passado nem tão longínquo assim.
Basta que nos lembremos da Vale do Rio Doce, das empresas de telefonia, das
empresas de eletricidade, do parque das siderúrgicas e muito mais.
Golpe da
privatização: fatiamento e cocontrole
O
novo presidente da empresa indicado por Michel Temer tomou posse há poucas
semanas atrás. Depois de ter ocupado cargos de primeiro escalão durante o
governo de FHC, Pedro Parente foi prestar seus serviços junto a grandes grupos
do capital privado. Agora está à frente de uma empresa muito visada pela sanha
privatista do grupo que espera a confirmação do afastamento de Dilma para ver o
anúncio daquilo que o presidente interino já chamou de “medidas impopulares”.
Mas
por enquanto Parente revela certa “prudência”, vai comendo pelas beiradas. Em
recente entrevista, afirmou ser contrário à “privatização total” da Petrobrás,
pois esse tema seria ainda um “dogma” na sociedade brasileira. Assim, ele
sugere uma estratégia mais cautelosa e que ofereceria menos resistência a esse
tipo de iniciativa. Ele promete fatiar a empresa e vender para o capital
privado alguns de seus ramos de negócios. Seria o caso, por exemplo, da área de
distribuição. Além disso, ele começa a articular de forma hábil e inteligente
outras formas para a privatização. Dentre elas surge o pomposo nome de
“cocontrole”, onde a empresa seria de fato vendida ao setor privado e restaria
uma ilusão de alguma forma pública de controle sobre os destinos da mesma. Pura
balela!
Finalmente,
vale ressaltar a conhecida estratégia de sucateamento deliberado da empresa
existente, por meio de contenção de seus investimentos e das iniciativas que
fizeram com que ela tivesse se transformado em uma empresa de referência no
setor. Esse processo se combina com a tentativa de abertura da exploração do
Pré Sal para o capital internacional e a proibição implícita de a Petrobrás
aumentar sua presença nesses novos empreendimentos. Deixada à margem das novas
operações, ela certamente perderia o fôlego para enfrentar a presença da
concorrência dos poderosos conglomerados privados. Todos os novos espaços e
blocos seriam generosamente oferecidos às multinacionais, o que representa uma
opção explícita pelo processo de privatização.
* Paulo
Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/07/petrobras-o-golpe-da-privatizacao.html
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