A
pressa com que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação
dos Juízes Federais (AJUFE) emitiram notas criticando a ação do ex-presidente
Lula de acionar o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU), para lhe garantir julgamento justo e imparcial, talvez possa justificar
em parte a fragilidade e os equívocos nelas contidos.
O
Brasil é, desde 1992, signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos da ONU e, desde 2009, também de seu Protocolo Facultativo, que
expressamente prevê a possibilidade de particulares encaminharem comunicação
escrita ao referido Comitê, quando se sentirem ameaçados pela violação dos
direitos protegidos pelo citado Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU.
O
ex-presidente Lula não fez nada de diferente do que poderia fazer qualquer
cidadão, inclusive um ex-presidente ungido duas vezes ao poder pelo voto dos
brasileiros e que deixou seu segundo mandato com 80% de aprovação popular.
Ao
acusar Lula de procurar o Comitê de Direitos Humanos da ONU “para constranger o
andamento de investigações em curso”, a AMB a um só tempo revela sua ignorância
quanto ao alcance do Direito Internacional no Direito brasileiro e, portanto,
ao Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, como expressa sua má
vontade em relação à ONU.
Conforme
decisão do Supremo Tribunal Federal, os Tratados de Direitos Humanos de que o
Brasil é signatário, têm caráter de norma supralegal, sendo de observância
obrigatória para todos, especialmente para o Poder Judiciário.
Em
sua nota a AMB parece confundir força e independência com irresponsabilidade. A
força do Judiciário decorre da legitimidade que advém de sua atuação dentro dos
estritos parâmetros normativos e de sua defesa intransigente da Constituição.
Nesse
sentido, a independência judicial é condição necessária, mas não suficiente,
para a vigência do Estado de Direito, especialmente para aquele que se afirma
democrático. Assim, espera-se que o Judiciário brasileiro mantenha-se contra
majoritário, evitando “jogar para a torcida” ao invés de preservar
imparcialmente as regras do jogo.
A
Constituição da República preconiza a separação, o respeito e a harmonia entre
os Poderes, mas também assegura que não existam poderes irresponsáveis, de
maneira que todo exercício do poder obedeça a parâmetros jurídicos, passíveis
de controle.
No
Brasil de hoje há o papel politico do Judiciário, evidenciado pela parcialidade
de alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e pela seletividade e pelos
métodos extravagantes do juiz Sérgio Moro, levanta questionamentos sobre o que
se pode esperar do Judiciário brasileiro, tornando atual a já clássica pergunta
sobre “quem controla os julgadores...”.
A
AMB, difícil saber se intencionalmente ou não, aproveita a crítica ao
ex-presidente Lula para posicionar-se contra o Projeto de Lei do Senado 280, de
2016, que trata do abuso de poder cometido por autoridades. Certamente a AMB
não desconhece que essa iniciativa não é patrocinada pelo partido do
ex-presidente Lula, nem por ele e nem pela Presidenta Dilma, em cujos governos
foram aprovados inúmeros e variados mecanismos de combate à corrupção.
A
AMB expressamente declara que sua vigência “jamais tornaria possível uma
investigação como a Lava Jato”. O que a AMB não diz é que referido projeto de
lei apenas tipifica como abuso de poder ações que já são reprovadas pela
Constituição, pelo Código de Processo Penal e pelo Pacto de Direitos Civis e
Políticos. A novidade do projeto de lei, em tramitação no Senado, consiste no
reconhecimento de que os controles sobre determinados órgãos e autoridades
podem não ser eficazes ou não resultarem em punições efetivas. Nunca é demais
rememorar que, no Brasil, juízes que cometem crimes não são demitidos, mas
aposentados compulsoriamente, preservando vencimentos proporcionais ao seu
tempo de serviço.
É
constrangedor perceber que a AMB possa ter receio que juízes sejam punidos por
se valerem de métodos e de procedimentos ilegais, proibidos tanto pelo direito
brasileiro, quanto pelas normas internacionais.
É
um desrespeito à cultura jurídica nacional que AMB e AJUFE pretendam
estabelecer um “vale tudo” jurídico, admitindo que o sucesso de processos
judiciais possa decorrer da violação ao direito e à Constituição. Ninguém está
acima da lei, nem magistrados, nem cidadãos.
As
notas da AMB e da AJUFE, ao sugerirem a infalibilidade de Sérgio Moro, apenas
consolidam a ideia segundo a qual a alguns é permitida a adoção de práticas
arbitrárias e indicam que os fins justificam os meios.
Como
nenhum juiz é infalível e o direito brasileiro adota para si as normas da ONU,
é de se esperar que as associações de juízes não assumam discursos de ódio
contra a Organização das Nações Unidas, nem pretendam o “nós contra eles”,
somente para garantir que os atos judiciais praticados por seus associados se
sobreponham aos Direitos Humanos.
A
reclamação do ex-presidente Lula é legal e singela. Ele exerceu seu direito de
petição, isto é, solicitou que o Comitê de Direitos Humanos da ONU, não
submetido às disputas partidárias e não sujeito à pressão da mídia brasileira,
verifique se ele é vítima de perseguição, se seus direitos estão sendo violados
e se Sérgio Moro se porta como juiz ou como acusador. Ele requer um julgamento
isento e se submeterá a este novo julgamento: o resultado será o decidido pela
ONU.
Em
síntese: Lula quer ser julgado, mas por juiz imparcial; Lula respeita a
justiça, mas não quer ser justiçado.
Claudia
Maria Barbosa (doutora em Direito, advogada, professora titular de direito
constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
Luiz
Moreira (doutor em Direito, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, ex Conselheiro Nacional do Ministério Público)
http://www.ocafezinho.com/2016/07/31/o-comite-de-direitos-humanos-da-onu-e-o-corporativismo-dos-juizes-brasileiros/
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