Não
podemos e não devemos aceitar passivamente o golpe parlamentar de Michel Temer,
nem nos iludir com a ideia de que a culpada pela crise econômica era Dilma e
sua saída de cena, e entrada de Temer vai trazer o crescimento de volta, que é
a narrativa que está sendo vendida à classe média pelo governo interino e
repetida pela imprensa tradicional.
Ao
contrário, se os senadores permitirem a continuação de Temer teremos mais dois
anos de baixo crescimento, além de maior instabilidade política. E ele vai
deixar uma herança maldita para quem se eleger em 2018.
O
alerta não é de um petista, mas de um ex-tucano e um dos economistas mais
graduados do país, autor de mais de 90 livros de Economia, publicados no Brasil
e no exterior.
Na
longa entrevista que concedeu anteontem ao 247, e que não publiquei na íntegra
por ser extensa demais, Bresser Pereira contou que o Brasil não cresce desde
1980, ainda na ditadura militar e explicou os motivos: taxa de juros muito alta
e dólar muito baixo, ou, no jargão econômico "câmbio apreciado".
Vou
reproduzir abaixo o trecho que não foi publicado na revista 247, no qual o
ex-ministro da Fazenda do primeiro governo democrático após a ditadura relata
os erros que vem sendo cometidos pelos governantes desde muito antes de o PT
chegar ao poder e que reduziram o crescimento brasileiro, que girava em torno
de 4% ao ano para 1% ao ano.
E
revela que Dilma foi derrubada no bojo de um processo político-econômico que
começou em junho de 2013, com os protestos da classe média rentista, aquela que
vive de renda e não do trabalho, inconformada desde que ela, em 2011, baixou os
juros reais, que eram de 6% para 2% ao ano até desembocar na vingança de Aécio
Neves, na chantagem de Eduardo Cunha e no oportunismo do PMDB e de Michel
Temer:
"O
nacionalismo com desenvolvimentismo econômico até 1980 era apoiado pelos países
ricos. Como? Através do desenvolvimentismo do Banco Mundial. O Banco Mundial
vai ser um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico dos países do
Terceiro Mundo a partir de uma estratégia de intervenção moderada do estado na
economia e, portanto, a mudança radical vai acontecer em 1980. Com a eleição do
Ronald Reagan o Banco Mundial muda completamente e se torna o instrumento
fundamental das reformas neoliberais. Então a ideia de nação se enfraquece mais
porque agora o desenvolvimentismo que tinha apoio razoável do Norte, vai
desaparecer. O desenvolvimentismo volta a ser o adversário. Tudo isso fez com
que o Brasil... quer dizer, o grande problema brasileiro não é apenas, do ponto
de vista ideológico, que nós temos uma dominação com peso forte demais para o
liberalismo... é também que esse liberalismo é um liberalismo essencialmente
dependente. Ele não tem ideia de nação nenhuma. Isto é muito grave. Estou
convencido de que o Brasil está semiestagnado desde 1980...cresce a uma taxa de
1.2 por cento ao ano em média, quando crescia, no período da grande revolução
nacional capitalista brasileira, de 1930 a 1980 a uma taxa de 4.1.
Quatro
vezes...
Quatro
vezes. É muito diferença. E eu estou convencido de que isso decorre,
essencialmente, de dois elementos ideológico-culturais brasileiros. Um é a
perda da ideia de nação. E, portanto, a incapacidade de apontar uma política
voltada ao interesse nacional. E a outra é uma alta preferência pelo consumo
imediato. Ou seja, o espaço para o populismo, não só o populismo de esquerda, mas
de direita-liberal, que a meu a ver são intrinsicamente populistas não no plano
fiscal, mas no plano cambial. Quer dizer, se você olha o que aconteceu com a
economia brasileira a partir de 1980, os dez primeiros anos ou, se quiser, os
14, até 1994 têm uma explicação para a estagnação. É a política de crescimento
com a poupança externa recomendada lá por fora, o que quer dizer déficits em
conta corrente elevados, financiados por empréstimos ou por investimentos
diretos.
É
a política de ficar devendo?
Ficar
devendo. E a ideia de que se financiamento é feito por investimento direto,
tudo bem. Não há problema, quanto mais déficit em conta corrente, melhor. Ou,
pelo menos, para não exagerar tanto, um déficit em conta corrente de mais ou
menos 3% do PIB tá ótimo.
O
que aumenta a dependência...
Mas
não é que só aumenta a dependência... a dependência é uma coisa vaga... isto
impede o desenvolvimento brasileiro, impede o investimento no Brasil. Quando
você verifica essa semiestagnação no período até 1994 as causas são claras. A
crise financeira e a alta inflação que decorreu da crise financeira. Ah, a
crise financeira foi resolvida pelo Plano Brady. Que, por acaso, a estratégia
do Plano Brady quem sugeriu fui eu. Quem propôs fui eu. Quando eu era ministro
da Fazenda eu propus o Plano Brady, em 1987, mas o Baker, que era o secretário
do Tesouro americano recusou, de uma maneira extremamente imperial, eu tenho um
"paper" que conta essa história...Mas os bancos, depois, ficaram
muito interessados, porque era a securitização da dívida, com desconto e
dezoito meses depois, quando o Baker saiu e entrou o Nicolas Brady eles pegaram
meu plano e aplicaram quase literalmente. Mas isso é uma digressão. Agora, a
partir de 1994 não tínhamos mais o problema grave da dívida externa e não
tínhamos o problema grave da inflação. Agora, o Brasil tinha que crescer. E
crescer muito. Voltar a crescer como nos velhos tempos. E nada. Os oito anos do
Fernando Henrique não trouxeram absolutamente a retomada do crescimento
econômico. Trouxeram uma grande crise financeira em 98 e 99, consequência de
querer crescer com poupança externa e depois em 2002 outra crise que também
teve o elemento "medo do Lula" além da fragilidade financeira do
próprio país. E depois tivemos o governo Lula e o governo Dilma e novamente não
houve retomada do desenvolvimento econômico. Era uma coisa meio
desenvolvimentista, não muito porque a parte macroeconômica continuava ortodoxa
ou pelo menos foi ortodoxa até 2010, até o fim do governo Lula. No governo
Dilma a coisa começa a complicar. Mas o fato concreto é que a esquerda –
Lula-Dilma – também não conseguiu retomar o crescimento do país. Houve um
aumento do crescimento, sim, mas foi graças, exclusivamente, ao boom de
comodities muito grande. Quando acabou o boom voltou-se a crescer muito pouco.
E por que? O que é que fracassou? Por que é que esse baixo crescimento, essa
quase estagnação da economia brasileira está acontecendo, a meu ver, desde
1990? Porque as causas são aquelas duas: a perda da ideia de nação e a alta preferência
pelo consumo imediato. É o que eu já defendo no meu livro "Macroeconomia
da estagnação da Economia", de 2007: a causa fundamental é uma armadilha
de altos juros e taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Isso impede os
investimentos privados. Por outro lado, é o estado que deixa de ter poupança
pública e passa a ter despoupança pública. Poupança pública é a receita do
estado menos as despesas correntes do estado. O estado deve ter uma certa
poupança pública para financiar os seus investimentos. Essa poupança mais um
déficit em conta pequeno, o que é normal, que mantém a dívida pública sob
controle e o Brasil que tinha uma poupança pública nos anos 70 de cerca de 3%
do PIB desde os anos 80 e continuou depois, nos anos 90 e 2000 a sua
despoupança é de mais ou menos 2% do PIB. Ou seja, o estado perdeu a capacidade
de investir e o setor privado deixou de investir porque uma taxa de câmbio
altamente apreciada no longo prazo, mais um juro muito alto, a taxa de juros
mais alto que todos os outros países do mundo, inviabilizam o investimento
privado. Para isso se desenvolveu uma teoria muito bonita, uma macroeconomia
desenvolvimentista, a respeito dos rentistas, que eu já publiquei em três
livros, o terceiro está saindo agora no Brasil, já saiu na Inglaterra e
chama-se "Macroeconomia desenvolvimentista", escrito por mim, Nelson
Marconi e José Luiz Oureiro.
Por
que os juros não caem?
Os
juros não caem, segundo a ortodoxia porque o mercado financeiro, porque os
rentistas, portanto, não têm confiança no estado brasileiro e eles não têm
confiança no estado brasileiro porque o déficit público é muito alto. Acontece
que entre 1999, primeiro ano do segundo ano do governo Fernando Henrique até
2013, final do segundo mandato do governo Dilma, ou seja, durante 14 anos, o
Brasil cumpriu todas as metas fiscais plenamente. Não tinha nenhuma
irresponsabilidade fiscal. Estava tudo bem. No entanto os juros continuaram lá
em cima. Então, o que explica isso? No meu entender é uma questão de poder
político. Há dois tipos de capitalistas: os capitalistas rentistas e os
capitalistas empresários. Os capitalistas rentistas estão ficando cada vez mais
importantes no capitalismo em geral. Inclusive aqui no Brasil. Capitalista
rentista é aquele que não trabalha. É aquele que ganha juros, dividendos e
aluguéis. Eles são sempre liberais, são sempre contra a inflação e a favor de
juros reais altos, eles são contra a inflação porque reduz os juros reais. Eles
são sempre liberais conservadores. E no Brasil, diferentemente do que acontece
nos países ricos ou em outros países em desenvolvimento eles se julgam
proprietários, eles julgam ter uma "senhoriagem" de 6% do PIB, em
termos de juros. Todo ano eles querem receber - e nossos rentistas não são só
os muito ricos, não, tem uma enorme classe média que é rentista também, parte
dos seus rendimentos vem desses rendimentos financeiros e não do seu próprio
trabalho direto ou salário ou atividade empresarial. Eles tornaram-se muito
poderosos no Brasil. Isso começou, a meu ver, em 1964, quando os militares
criaram a caderneta de poupança. Criaram o sistema nacional de habitação e a
caderneta de poupança. E quando eles fizeram isso, eles definiram, em lei que o
rendimento da caderneta de poupança deveria ser de 6% ao ano em termos reais. O
que é um absurdo, é uma taxa de juros altíssima.
Isso
é que puxou tudo?
Eu
acho que foi isso que puxou tudo. Quando a Dilma baixou os juros, em 2011, aí
chegou um momento em que ela não podia baixar mais por causa dessa lei – essa
lei já tinha sofrido modificações, mas continuava em vigor - e ela teve um ato
de coragem e extinguiu a lei. Os juros foram para 2% em termos reais e foi aí
que começou a crise política dela.
A
guerra contra ela?
Sim,
porque foi naquele momento que... além disso, ela ainda resolveu atacar os
bancos, dizendo que além da taxa básica de juros do Banco Central ser muito
alta e ela estava baixando, os spreads dos bancos eram muito altos.
A
repercussão daquilo resultou no que estamos assistindo hoje?
Não
é só aquilo, aquilo foi a causa inicial da crise política dela, isso não há
dúvida. Vieram as manifestações de junho de 2013, a popularidade dela caiu pela
metade, devido a essas manifestações que a meu ver já tinham relação com esse
problema porque boa parte da classe média que foi pra rua foi essa classe média
rentista.
Não
foram manifestações tão espontâneas, então?
Espontâneas
até acho que foram, mais ou menos, o que não foram é que não foram do povão. O
povão não foi pra rua, foi uma classe média. Que se sente com direito a essas
rendas e que estava ficando cansada de um governo de esquerda. Porque o fato
concreto é que essa crise política, quer dizer... o PT cometeu enormes erros,
mas ele se conservou fiel ao seu compromisso com os trabalhadores e os pobres.
Não rompeu isso. Ele tentou se associar à burguesia, fazer um pacto
desenvolvimentista, eu escrevi sobre isso, eu torci para que isso desse certo
porque eu acho que a saída para o Brasil é voltar a ter um pacto...
A
união do PT com o PSDB?
Isso
eu, mais o Oded Grajew, isso em 1990,.. 91... nós fizemos um pequeno movimento
para juntar os dois partidos, ele no PT e eu no PSDB. Mas nenhum dos dois lados
quis ouvir e a coisa morreu. O fato é que o problema fundamental do Brasil é
ter esse juro alto e esse câmbio apreciado. E acontece que ninguém quer saber
disso. Nem a direita, nem a esquerda. Juros ainda, tudo bem, a esquerda briga
contra. A direita, não, a direita está sempre quieta, os liberais de direita
ficam quietinhos em relação aos juros. Os juros fazem parte da ordem das
coisas. Agora, a esquerda briga um pouco sobre esse assunto. Mas sobre câmbio,
nem direita, nem esquerda. E este é um problema fundamental do Brasil. (Tosse).
Perdão. Tô com um fim de gripe. Tava demorando pra acabar. Basta ler os
jornais. Você raramente ouve falar que o Brasil tem um problema cambial. O
Brasil tem um problema fiscal, segundo eles. E é sempre assim: fiscal, fiscal,
fiscal. Agora tem, por acaso: desde 2013 a Dilma perdeu a cabeça na parte
fiscal e o aumento de despesas, principalmente o corte, as desonerações
fiscais, a diminuição de receita e mais a crise econômica, que aí tem outras
origens resultou numa redução violenta de receita e uma crise fiscal. Mas isso
foi agora, enquanto que o problema do câmbio vem desde 1990. O último problema
do câmbio aconteceu no governo Lula. Primeiro houve uma crise em 1998 quando
Fernando Henrique deixou apreciar o câmbio brutalmente e isso porque ele queria
crescer com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente... quando
você tem déficit em conta corrente você tem câmbio apreciado por definição. Mas
a teoria econômica esquece isso, os economistas esquecem isso. Então, o déficit
em conta corrente do Brasil era zero em 1994 e seis anos depois, em 1999 era
quase 5% do PIB e o Fernando Henrique achava que isso ia dar crescimento. Não
deu nada. Aumentou o consumo. O déficit em conta corrente financiou o consumo,
na verdade, por que? Porque o déficit em conta corrente apreciou o câmbio e ao
apreciar o câmbio desestimulou o investimento. O investimento privado parou.
Então, o investimento, segundo essa teoria desenvolvimentista depende da taxa
de câmbio. Ora, nenhuma teoria diz isso. A teoria ortodoxa neoclássica não diz
isso, a teoria keynesiana não diz isso, o desenvolvimentismo clássico de
Prebitsh e Celso Furtado não diz isso, etc. Quem diz isso é a teoria novo
desenvolvimentista. Ou a macroeconomia novo desenvolvimentista. E por que? Porque
essa teoria diz que existe nos países em desenvolvimento uma tendência à
sobreapreciação da taxa de câmbio que é cíclica e crônica. Crônica quer dizer
no longo prazo e cíclica quer dizer que deixando a taxa de câmbio livre ela se
aprecia... quando se tem uma crise ela se deprecia violentamente e vai lá pra
cima; e depois ela vai se apreciando, se apreciando, se apreciando, por uma
série de causas, aí você entra em déficit em conta corrente, você passas alguns
anos – da última vez foram sete anos – com uma taxa de câmbio altamente
apreciada e aí vem outra crise. A última vez que houve uma crise financeira foi
em 2002. O Fernando Henrique deixou então para o Lula não uma herança maldita,
como Lula diz; deixou uma herança bendita, porque deixou uma taxa de câmbio
que, a preços de hoje, era de R$3,95, mas a preço de hoje quer dizer R$6 por
dólar, pondo a inflação brasileira e tirando a americana. Maravilha! Porque com
isso ele podia apreciar o câmbio e o câmbio apreciado aumenta salários e
diminui a inflação, sem custos. Só que ele só podia fazer isso até chegar a
R$3,80 mais ou menos. Que é a taxa de câmbio que torna as empresas brasileiras
que usam boa tecnologia competitivas internacionalmente. Ele não parou aí, de
jeito nenhum. Ele entregou para dona Dilma a R$2,20 reais por dólar, R$1,65 em
termos nominais. Ou seja... ninguém fala sobre isso, só eu! Mas o fato
concreto... porque eles não têm a teoria... o fato concreto é que isso
inviabilizou economicamente o governo da Dilma! Herança maldita o Lula deixou
pra Dilma! Por que? Porque pra ela fazer com que os empresários voltassem a
investir era preciso fazer uma depreciação de 50%. E ela não tinha o menor
poder pra isso. Não tinha apoio para isso nem na esquerda nem na direita. Isso
traria uma inflação que ela não podia aceitar, traria uma redução de
rendimentos, não só de salários, mas de todos os outros rendimentos, juros,
aluguéis e dividendos muito forte...
Ela
ia cair antes?
Ela
ia cair antes. E por que é que ninguém quer saber da taxa de juros? Porque eles
não têm uma boa teoria, eu posso dar uma resposta elegante, que seria essa,
mas, no plano mais concreto, no plano mais de interesses, é porque para os
trabalhadores no curto prazo não interessa porque reduz seus salários, em
termos reais, quando você faz a depreciação, como aconteceu agora; não
interessa para os rentistas porque reduz seus juros e aluguéis e não interessa
ao Norte, ao império, por dois motivos: porque com uma taxa de câmbio apreciada
eles podem exportar mais para o Brasil e, o que é muito mais importante, graças
a esse déficit em conta corrente eles legitimam as suas multinacionais.
Dizendo: e aqui vêm as multinacionais que salvam o Brasil e contribuem para o
investimento; poupança externa quer dizer investimento. Poupança externa normalmente
quer dizer maior consumo. Déficit em conta corrente quer dizer maior consumo.
Só em certos casos o déficit em conta corrente se transforma em investimento.
Mas, normalmente, o déficit implica numa apreciação cambial necessariamente e
essa apreciação cambial, no longo prazo, estimula o investimento. Os
economistas convencionais, ortodoxos, keynesianos ou o que for dizem que a taxa
de câmbio é volátil. Não concordo, mas isso não quer dizer nada. Se for volátil
quer dizer o seguinte: ela é volátil em torno do equilíbrio, então, se o
equilíbrio é R$3,80 a taxa de câmbio vai de um mês para outro, de seis meses em
seis meses ela de R$3,80 vai para R$4,50, depois vai para R$2,50 e fica
assim... seria uma volatilidade grande. É uma volatilidade sem sentido que vai
e volta. Devido às especulações de mercado e coisas desse tipo. Quando você
pensa nesses termos você não coloca a taxa de câmbio na sua função
investimento. O desenvolvimento econômico depende do investimento
fundamentalmente. A taxa de investimento. E a taxa de investimento, segundo a
teoria econômica depende da taxa de lucro esperada e da taxa de juros. Se a
taxa de lucro for maior que a taxa de juros você investe; se não, não. Aí veio
o Keynes e disse: tudo bem, meus amigos, mas a taxa esperada de lucro depende
da demanda efetiva. Logo, é preciso uma política macroeconômica para garantir
uma demanda efetiva. Foi uma revolução na teoria econômica. O novo
desenvolvimentismo diz: tudo bem, senhor Keynes, mas não adianta nada ter
demanda efetiva se você não tiver acesso a ela. E o acesso a ela depende da
taxa de câmbio. Não se ela for simplesmente volátil, mas se ela tiver esse
comportamento de longo prazo. No Brasil, por exemplo, o último ciclo durou sete
anos. A taxa de câmbio se torna apreciada já em 2007 e só vai se depreciar no
segundo semestre de 2014. Durante todo esse período a taxa de câmbio, a preços
de hoje, girou em torno de R$2,40 e perto de R$2,50, mais ou menos. Quando a
taxa de câmbio competitiva era R$3,80. Aí, quando o empresário vai fazer a
conta ele leva em consideração o R$2,40, o R$2,50. E não faz o investimento
porque vê que não dá. Se fosse meramente volátil, faria a conta em torno de
R$3,80 e aí ele faria o investimento e aí a taxa de câmbio não estaria na
função de investimento. Mas do jeito que é dado esse processo cíclico e crônico
a taxa de câmbio entra e torna-se fundamental.
Qual
é a relação disso com esse impeachment?
Só
pra completar: eu tive um problema sério também com os meus amigos de esquerda
porque eles não queriam saber de pôr ordem na casa. Na parte cambial. Porque
isso é populismo. Isso é populismo cambial. O populismo econômico é um conceito
que surgiu nos anos 80, eu diria que no quadro um pouco do Consenso de
Washington e foi dizer: olha, os países que gastam mais que arrecadam
fiscalmente e entram em déficit público estão agindo de forma populista. De
fato, houve muito populismo, muita irresponsabilidade fiscal naquele período. E
isso era o populismo. O populismo econômico é bem diferente do político.
Econômico é gastar mais do que arrecada irresponsavelmente. Mas originalmente
era o estado gastando mais do que arrecada irresponsavelmente entrando em grandes
déficits públicos, aumentando sua dívida pública e depois quebrando. Aí venho
eu e digo assim: tudo bem, mas por que não também populismo cambial? Populismo
cambial não é o estado investir mais, gastar mais do que arrecada, mas o
estado-nação, o país como um todo, gastar mais do que arrecada. Ou seja, em
termos de importações, importar muito mais do que exporta. E ter um déficit
agora não público, mas um déficit em conta corrente. Quando você tem um déficit
em conta corrente o câmbio se aprecia, todos os rendimentos aumentam, todo
mundo vai pra Miami, é uma festa! Igualzinho à festa que você faz quando o
estado, e não o estado-nação faz o déficit público. Aí a questão que se coloca
é: a quem interessa uma taxa de câmbio apreciada? A quem interessa o populismo
cambial? Populismo fiscal todo mundo concorda que é uma coisa muito ruim;
populismo cambial, não. Mas a quem interessa? A esquerda me dizia que eles
lutavam contra porque não queriam baixar os salários. Mero populismo da parte
deles. Mas a quem interessa realmente é à direita. Isso interessa muito mais
aos rentistas e aos financistas que aos trabalhadores. Os trabalhadores, se
pensarem um minutinho, eles sabem que uma taxa de câmbio correta lhes garante o
investimento e investimento é emprego e vão ter muito mais crescimento e
entendem isso com relativa facilidade. Agora, rentista nunca compreenderá que
interessa a ele a taxa de câmbio competitiva porque ele tem interesse na
apreciada. Tranquilamente. E especialmente lá fora, então, muito mais. Total interesse
na taxa de câmbio apreciada. Então, se você não tem ideia de nação você não
percebe esses fatos... se além disso você tem alta preferência pelo consumo
imediato você não percebe esses fatos... nós ficamos com essa taxa de câmbio
escandalosa, ficamos com essa taxa de juros muito alta e o Brasil não cresce. O
Brasil vai ficando para trás".
Bresser
Pereira entende que esse quadro de juros altos e câmbio apreciado vai continuar
com Temer, o que indica que o crescimento continuará a ser baixo. Além disso, o
impeachment, que ele concorda em chamar de golpe, ao provocar um arranhão na
democracia vai aumentar a instabilidade política.
Seria
importante que os senadores que vão decidir o destino do Brasil leiam e
reflitam acerca dessas ponderações antes de confirmarem o golpe que não só vai
manchar as suas biografias, mas provocar mais um retrocesso econômico e
político que vai afetar negativamente a vida de todos os brasileiros, inclusive
os da classe média, a mais empolgada em tirar Dilma do poder.
Em
20 anos de ditadura militar o Brasil retrocedeu 30 anos. Não é possível prever
qual será om retrocesso em dois anos de Temer, se os senadores cometerem esse
crime de lesa-pátria, mas tudo indica que, mais uma vez, tal como aconteceu em
1964, quando a classe média apoiou o golpe militar, seu tiro vai sair pela
culatra.
http://www.brasil247.com/pt/blog/alex_solnik/245486/Golpe-de-Temer-vai-provocar-mais-um-retrocesso.htm
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