O
Macarthismo brasileiro e a espiral do silêncio
por
Felipe Pena, no jornal Extra
“Felipe,
você tem que parar com esse Diário do Golpe no facebook” – aconselha um amigo,
muito preocupado com minha carreira. “Vão te boicotar em todas as mídias” –
acrescenta, para, em seguida, citar roteiristas, escritores e professores que
estão numa suposta lista de excluídos que ousaram chamar o processo de
impeachment pelo seu verdadeiro nome: golpe.
Não
estou preocupado com isso, respondo. Falo sobre a inexistência do crime de
responsabilidade de Dilma, atestada pelo Ministério Público Federal e pela
perícia do senado. Falo sobre as gravações de senadores dizendo que precisavam
tirar a presidente para barrar a operação lava-jato.
Falo
sobre o inciso 39 do parágrafo 5º da Constituição para embasar juridicamente
meu argumento. Mas não adianta. Meu amigo é sincero, só está preocupado comigo,
não quer saber de política.
Ele
próprio apagou postagens em redes sociais para não ser excluído da empresa onde
é roteirista. “Eu já desisti” – conclui, aliviado.
Com
exceção da parte tecnológica, parece uma conversa travada na década de 1950.
Sinto-me vigiado pelo senador MacCarthy em plena guerra fria. Pior ainda,
percebo nas palavras de meu amigo a exemplificação da espiral do silêncio,
conceito criado pela pesquisadora Noelle-Neuman para explicar como as
interações sociais tendem a priorizar opiniões dominantes, ou melhor, opiniões
que parecem dominantes, consolidando-as e ajudando a calar as diferenças.
Para
Neuman, as pessoas tendem a esconder opiniões contrárias à ideologia
majoritária, o que dificulta a mudança de hábitos e ajuda a manter o status quo.
A opção pelo silêncio é causada pelo medo da solidão social, que se propaga em
espiral e, algumas vezes, pode até esconder desejos de mudança presentes na
maioria silenciosa. Só que esses desejos acabam sufocados pela espiral do
silêncio.
Em
outras palavras, as pessoas não são apenas influenciadas pelos o que os outros
dizem como também pelo que imaginam que eles poderiam dizer. Se acharem que
suas opiniões podem não ter receptividade, optam pelo silêncio.
Os
golpistas contam com a espiral do silêncio. Meu amigo, que antes era combativo
e atuante, foi tragado por ela e busca a integração social através da
observação da opinião dos outros, procurando se expressar dentro dos parâmetros
que o cercam para evitar o isolamento.
No
caso dele, há um agravante: o isolamento também pode ser profissional, o que
inviabilizaria o sustento de sua família. É aí que entra a técnica macarthista.
Listas ou suposições de listas servem como chantagem para os que ousam nadar
contra a corrente.
A
ameaça de exclusão alimenta a espiral do silêncio. Ela é o vetor totalitário
que perpassa a construção de um falso consenso e constrói a ponte para o
passado. Ela é o terror das vozes dissonantes.
Ela
é o atraso.
O#DiárioDoGolpe
é apenas um registro de quem se recusa a ser tragado pela espiral. Será
publicado, diariamente, numa TL perto de você.
*Felipe
Pena é jornalista, escritor e psicólogo. Professor de roteiro na UFF, foi
comentarista do Estúdio I, na GloboNews, e é autor de 15 livros.
http://www.viomundo.com.br/denuncias/felipe-pena-como-se-forma-a-espiral-do-silencio-sobre-o-golpe.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário