Uma
série de reportagens e livros publicados ao longo de 25 anos pelo jornalista
Robert Whitaker (foto), especialista em questões de ciência e medicina, abriu
uma crise na prática médica da psiquiatria e na solução mágica de curar os
transtornos mentais com medicação.
O
jornalista, do The Boston Globe, o mesmo jornal das série de reportagens que
gerou o filme Spotlight, levantou dados alarmantes sobre a indústria
farmacêutica das doenças mentais e sua incapacidade de curar. “Em 1955, havia 355.000 pessoas em hospitais
com um diagnóstico psiquiátrico nos Estados Unidos; em 1987, 1,25 milhão de
pessoas no país recebia aposentadoria por invalidez por causa de alguma doença
mental; em 2007, eram 4 milhões. No ano passado, 5 milhões.
Para
ele, associações médicas e a indústria estão criando pacientes e mercado para
seus remédios. “Se olharmos do ponto de vista comercial, o êxito desse setor é
extraordinário. Temos pílulas para a felicidade, para a ansiedade, para que seu
filho vá melhor na escola. O transtorno por déficit de atenção e hiperatividade
é uma fantasia. É algo que não existia antes dos anos noventa”, diz.
Mas
essa não é uma crítica simplificada ou econômica, mas bem mais fundamentada
durante mais de duas décadas. “O que
estamos fazendo de errado?”, questionam os estudos de Whitaker que também
levantou informações de que pacientes de esquizofrenia evoluem melhor em países
em que são menos medicados. Outro dado importante foi o estudo da Escola de
Medicina de Harvard, que em 1994, mostrou que a evolução de pacientes com
esquizofrenia, que foram medicados, pioraram em relação aos anos 70, quando a
medicação não era dominante.
A
batalha de Whitaker contra os comprimidos como solução tem ganhado apoio.
Importantes escolas de medicina o convidam a explicar seus trabalhos e o debate
está aberto nos Estados Unidos. “A psiquiatria está entrando em um novo período
de crise no país, porque a história que nos contaram desde os anos 80 caiu por
terra. A história falsa nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é
que a causa da esquizofrenia e da depressão seria biológica. Foi dito que esses
distúrbios se deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na esquizofrenia,
por excesso de dopamina; na depressão, por falta de serotonina. E nos disseram
que havia medicamentos que resolviam o problema, assim como a insulina faz
pelos diabéticos”, afirmou em entrevista ao jornal El Pais.
Para
ele, os psiquiatras sempre tiveram um complexo de inferioridade. “O restante
dos médicos costumava enxergá-los como se não fossem médicos autênticos. Nos
anos 70, quando faziam seus diagnósticos baseando-se em ideias freudianas, eram
muito criticados. E como poderiam reconstruir sua imagem diante do público?
Vestiram suas roupas brancas, o que lhes dava autoridade. E começaram a se
chamar a si mesmos de psicofarmacólogos quando passaram a prescrever
medicamentos. A imagem deles melhorou. O poder deles aumentou. Nos anos 80,
começaram a fazer propaganda desse modelo, e nos noventa, a profissão já não
prestava atenção a seus próprios estudos científicos. Eles acreditavam em sua
própria propaganda”, relata.
Para
Whitaker, houve uma união do útil ao agradável.
Uma história que melhorou a imagem pública da psiquiatria e ajudou a
vender medicamentos. No final dos anos oitenta, o comércio desses fármacos
movimentava US$ 800 milhões por ano.
Vinte anos mais tarde, já eram US$ 40 bilhões. “Se estudarmos a literatura
científica, observamos que já estamos utilizando esses remédios há 50 anos. Em
geral, o que eles fazem é aumentar a cronicidade desses transtornos”, afirma de
forma categórica.
Essa
mensagem, segundo o próprio Whitaker, pode ser perigosa, mas ele não traz
conselhos médicos nos estudos (Anatomy of an Epidemic ), não é para casos
individuais. “Bom, se a medicação funciona, fantástico. Há pessoas para quem
isso funciona. Além disso, o cérebro se adapta aos comprimidos, o que significa
que retirá-los pode ter efeitos graves. O que falamos no livro é sobre o
resultado de maneira geral. É para que a sociedade se pergunte: nós organizamos
o atendimento psiquiátrico em torno de uma história cientificamente correta ou
não?”, diz.
Whitaker
foi muito criticado, apesar de seu livro contar com muitas evidências e ter
recebido prêmios. Mas a obra desafiou os critérios da Associação
Norte-Americana de Psiquiatria (APA) e os interesses da indústria farmacêutica.
Mas desde 2010 novos estudos confirmaram suas pesquisas. Entre eles, os
trabalhos dos psiquiatras Martin Harrow e Lex Wunderink e o fato de a
prestigiada revista científica British Journal of Psychiatry já assumir que é
preciso repensar o uso de medicamentos. “Os comprimidos podem servir para
esconder o mal-estar, para esconder a angústia. Mas não são curativos, não
produzem um estado de felicidade”, diz.
Fonte:
Carta Campinas
http://cartacampinas.com.br/2016/07/x-estudo-diz-que-industria-e-psiquiatria-criaram-doencas-e-remedios-que-nao-curam/
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