As
democracias com bases sólidas não podem depender, ou ficar à mercê, de
julgadores justiceiros e da jurisdição universal de um único órgão. Esses
projetos nacionais também devem combater as prisões que, sem a devida
fundamentação, busquem apenas obter confissões. A opinião foi manifestada por
advogados e juristas em carta lida ao fim do VII Encontro Brasileiro de
Advogados Criminalistas, que ocorreu em Curitiba entre os dias 30 de junho e 1°
de julho.
José
Roberto Batochio foi um dos advogados a liderar as críticas às irregularidades
das medidas tomadas dentro das investigações da "lava jato".
“O
‘pragmatismo’ não é compatível com o devido processo legal nem os fins visados
podem justificar todos e quaisquer meios nas democracias dignas de assim serem
conceituadas”, afirmaram os presentes na carta.
Entre
os participantes do evento estavam o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil e da seccional paulista da entidade José Roberto
Batochio; o jurista e colunista da ConJur Lenio Streck; e o ex-conselheiro dos
colegiados federal e fluminense da OAB Técio Lins e Silva; além dos advogados
Geraldo Prado, James Walker Jr, Juarez Cirino dos Santos e Elias Mattar Assad,
presidente nacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas
(Abracrim).
Com
23 anos a serem completados em setembro, a Abracrim surgiu devido à aproximação
institucional das associações de advogados criminalistas do Paraná, de São
Paulo, de Sergipe, de Santa Catarina, do Piauí e do Pará. A criação da entidade
contou com a participação de grandes nomes do Direito Criminal, entre eles José
Roberto Batochio, Evaristo de Moraes Filho, René Ariel Dotti, José Carlos Dias,
Paulo Ramalho, Márcio Thomaz Bastos, Francisco Accyoli Neto e Luis Flávio
Borges D’Urso.
Lenio
Streck criticou abusos cometidos durante investigações da "lava
jato".
Para
Lenio Streck, a Constituição está sendo vilipendiada em muitos momentos porque
o Brasil seguiu um caminho que leva ao descumprimento das normas
constitucionais, principalmente as que tratam de direitos e garantias de
liberdade. “Hoje, ser revolucionário é ser legalista. Progressista é cumprir a
Constituição. É lutar pelas garantias”, diz.
Um
trecho do manifesto sintetiza a ideia apresentada por Streck. “A Constituição
da República, portanto, consiste na única referência legítima das ações do
Estado, materializadas por seus poderes, e não pode ser substituída por
qualquer diversionismo que minimize, anule ou revogue os princípios contidos em
seu corpo permanente. O STF é o seu intérprete e guardião, mas não está
investido da competência de promover sua alteração.”
Juarez
Cirino destaca o fato de a população ser manipulada por meio da
espetacularização das operações e das prisões sem perceber perfeitamente que os
entendimentos aplicados nesses casos também são usados com base nessa mesma
opinião pública. “É um círculo vicioso perigoso, que desconsidera o rigor da
Constituição brasileira”, afirmou.
Em
outro parágrafo da carta lida ao fim do evento, essa desvirtuação das normas
constitucionais é questionada. “O fenômeno da jurisprudencialização crescente
do direito a gerar o sofisma de que ‘o Direito só é o que o Judiciário diz que
é” não é dogma a ser aceito quando a interpretação da norma se contrapõe ao seu
desígnio [...] A intervenção do Estado na liberdade individual não terá
legitimidade sem a demonstração efetiva de que a conduta incriminada tenha
realmente lesado bem jurídico, sendo inadmissíveis as criminalizações calcadas
na lesão de deveres genéricos ou na presunção de perigos abstratos.”
Ainda
nesse sentido, Elias Mattar Assad criticou os abusos dos investigadores e
procuradores que atuam na operação “lava jato. “Temos a República do Brasil, e
não a República de Curitiba”, disse. Os pontos citados pelo presidente do
Abacrim foram corroborados por outros palestrantes, que apontaram uma série de
excessos na atuação das autoridades. Muitos criticaram a forma como a delação
premiada e as escutas telefônicas vêm sendo usadas para obter provas e
indícios.
“Os
advogados brasileiros que militam no foro criminal declaram sua permanente
hostilidade a qualquer forma de arbítrio ou autoritarismo, se empenham na causa
da isonomia de gênero e reafirmam que continuarão a luta pela liberdade e pela
defesa da ordem constitucional democrática”, finalizou a carta.
“A
ilegalidade que atinge um poderoso irá atingir um humilde e vice-versa”, disse
Luis Flávio Borges D’Urso.
Fim
do Zé Carioca
Luis
Flávio Borges D’Urso destacou que a carta veiculada é o resultado do que foi
debatido nas palestras do evento. Segundo ele, a defesa pelo cumprimento da
leis nas investigações e nos processos nada mais é do que a proteção de toda a
sociedade, que pode vir a precisar desse devido processo legal. O advogado
explica que o apoio a essas irregularidades nasce da “falsa ideia de que a lei
está sendo aplicada para aqueles que supostamente estariam acima dela”.
Para
o criminalista, esse aplauso é dirigido a uma ilicitude. “A ilegalidade que
atinge um poderoso irá atingir um humilde e vice-versa”, disse. “Se os
procedimentos atenderem o que determina a lei, o que sair daí é absolutamente
legítimo”, complementou, explicando também que não será a “lava jato” a
responsável por mudar a situação atual do Brasil, mas a sociedade, com uma
alteração em sua cultura.
Para
D'Urso, brasileiro precisa acabar com a ideia do Zé Carioca e com a tolerância
aos pequenos e médios transgressores.
O
advogado afirma que o brasileiro precisa acabar com a ideia do Zé Carioca —
personagem da Disney que representa o Brasil e é retratado como malandro — e
também com a tolerância aos pequenos e médios transgressores, que são aqueles
que avisam onde estão as barreiras da polícia aos amigos, que subornam
policiais para não perderem a carta, entre outros exemplos.
Ele
afirmou ainda que a situação brasileira nada mais é do que culpa do Executivo e
do Legislativo, que ao longo dos anos foram perdendo credibilidade,
desapontando o cidadão e transferindo, mesmo que indiretamente, o protagonismo
e a maior parcela de poder ao Judiciário. “O eixo de poder do Brasil mudou.
Agora é o Judiciário.”
De
acordo com ele, essa mudança de poder vem na esteira de como a população sempre
percebeu o Judiciário: a última esperança de verem seus direitos respeitados e
necessidades atendidas. “Historicamente assim sempre foi, mas não estava
nítido”, disse o advogado, que complementou afirmando não achar adequada essa distribuição
de poder, pois a Justiça não deve ser a responsável por capitanear o
desenvolvimento do Brasil.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-jul-04/democracia-nao-aceitar-julgador-justiceiro-dizem-criminalistas
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