A
territorialidade é muito importante na definição de qual autoridade é
competente para investigar e julgar casos. Mas com a popularização de
tecnologias de armazenamento de dados em servidores remotos, chamada de
"armazenamento na nuvem", essa noção de espaço foi fortemente
atingida. Por isso é necessário usar de outros recursos para definir as
jurisdições e mesmo se certas causas podem ou não ser analisadas pelo
Judiciário brasileiro.
O
método de armazenamento na nuvem é uma forma de os usuários salvarem arquivos
em servidores que podem ser acessados de qualquer lugar, por qualquer
dispositivo. A tecnologia garante mais mobilidade e facilidade na troca,
revisão, produção e arquivamento de conteúdo. Devido a essa mobilidade extrema,
muitas vezes o material armazenado não pode ser considerado como se estivesse
em um local específico.
“Do
ponto de vista jurídico, a nuvem oferece algumas barreiras, pois nem a empresa
nem o usuário sabem, muitas vezes, onde estão os dados, fisicamente falando. Ou
seja, a maior dificuldade seria no caso de necessidade de busca e apreensão do
disco rígido ou do equipamento onde estão armazenados os dados”, explica o
advogado especializado em Tecnologia da Informação Omar Kaminski.
Para
o advogado, uma “proposta de solução” para um eventual conflito de competência
pode ser encontrada nos parágrafos 1º e 2º do artigo 11 do Marco Civil da
Internet. Os dispositivos detalham que qualquer operação de coleta,
armazenamento, guarda e tratamento de registros de informações deve respeitar a
legislação brasileira se pelo menos um de seus atos ocorrer no território
brasileiro.
Omar
Kaminski diz que a nuvem pode ser um empecilho porque a empresa e o usuário não
sabem onde estão os dados.
Twitter
O
artigo é válido mesmo que as atividades sejam feitas por uma empresa sediada no
exterior que ofereça seus serviços aos brasileiros. A regra também vale se a
companhia, ou o grupo econômico, possuir uma sucursal no Brasil.
Kaminski
cita ainda o Decreto 8771/16, que regulamentou o Marco Civil da Internet. Em
seu artigo 15, a norma define que os dados armazenados devem ser arquivados em
formato interoperável e estruturado para facilitar o acesso em eventual decisão
judicial.
“É
uma situação que temos visto muito pouco na prática por enquanto, em termos de
jurisprudência, talvez também porque uma boa parte dos processos vêm tramitando
em segredo de justiça”, diz Kaminski .
O
advogado Marcos Bruno, do Opice Blum, destaca que a jurisdição pode ser definida
pelo contrato firmado entre o usuário do serviço e o provedor da
infraestrutura. “Independentemente do serviço ser pago ou gratuito, há termos
de uso”, diz.
Segundo
Bruno, a relação de consumo é nítida nesses casos e a hipossuficiência do
cliente é clara por causa das questões técnicas de informática. Porém, se a
companhia não possuir sede no Brasil a obtenção dos documentos é mais
complicada. “A dificuldade é que deve haver citação por carta rogatória.”
Se
registros forem suficientes para comprovar conteúdo, isso se torna uma prova
válida, diz Marcos Bruno.
“A
competência da Justiça está mais atrelada às próprias disposições do Código
Civil”, diz o advogado, explicando que o provedor da nuvem pode alegar que só
responde à Jurisdição de onde está instalada sua sede.
Outro
ponto importante é que há contratos firmados por meio desse tipo de documento.
Nesses casos, a empresa deixa apenas uma parte em branco para que o contratante
marque que está de acordo com os termos. “As partes são livres quanto à forma
de contratar, a não ser que estabeleça uma forma especial”, afirma Bruno.
Em
situações como essa, a comprovação da validade do contrato depende de perícia,
e do grau de detalhamento das alterações fornecidos pelo provedor da nuvem. “Se
os registros forem suficientes, em uma perícia judicial, a comprovar o conteúdo
que foi aceito, isso acaba sendo uma prova válida.”
Precedente
do TJ
Ao
julgar a Apelação 1097101-60.2013.8.26.0100, a 10ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, definiu que não é possível
fornecer dados de usuários sediados fora do território brasileiro. O acórdão
foi divulgado pelo Observatório do Marco Civil da Internet, mantido por
Kaminski.
No
caso, o Google recorreu de sentença que o obrigou a fornecer informações sobre
um usuário que tinha um blog que usava sua infraestrutura. No recurso, a
companhia argumentou que não poderia fornecer o endereço de IP pedido porque a
pessoa em questão morava em Portugal.
“Face
ao disposto no artigo 11 da Lei 12.965/2014, vê-se que os provedores de
hospedagem e aplicações na internet somente têm o dever de guarda e
fornecimento e dados pessoais de usuários, caso os atos impugnados ocorram em
território nacional, em terminais localizados no país. Daí decorre que não se
pode impor a identificação ao autor, considerando-se a prova de que os dados
requeridos foram mantidos em servidor localizado no exterior”, explicou o
relator designado do colegiado, o desembargador Carlos Alberto Garbi.
O
julgador citou em seu voto precedente da própria 10ª Câmara sobre o tema. No
Agravo de Instrumento 2008939-76.2016.8.26.0000, o colegiado definiu que
operações feitas em terminais fora do Brasil não poderiam estar sujeitas à
legislação brasileira.
“Nesse sentido, o artigo 11 do Marco Civil da
Internet dispõe que em qualquer operação de coleta, armazenamento e tratamento
de registros de dados pessoais, deverão ser respeitadas a legislação brasileira
e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das
comunicações privadas e dos registros, desde que pelo menos um dos terminais
esteja localizado no Brasil”, destacou o colegiado à época.
Por Brenno Grillo
http://www.conjur.com.br/2016-jul-24/advogados-documento-salvo-nuvem-restringir-jurisdicao
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