Nacionalista, amigo de
Chávez e Dilma, o senador Roberto Requião analisa o golpe institucional através
da perspectiva das relações de poder internacionais nas que Brasil é um ator
relevante, especialmente por sua importância no cenário latino-americano e sua
parceria com o grupo de potências emergentes reunidas nos BRICS – sem contar
suas reservas petroleiras.
“Com a chegada de Michel
Temer ao governo, se iniciou uma tentativa de impor um projeto orquestrado
pelos grandes meios de comunicação, com fundamental apoio estrangeiro, que
protege os interesses das empresas que há anos pretendem colocar as mãos nas
reservas da área do Pré-Sal. Claro que o projeto vai mais além e abre caminho
também para uma possível futura entrega das riquezas da Amazônia. Os fatores
geopolíticos atuam como um Deus ex-machina, influenciando, conspirando,
entregando informações. Eles tem um aliado poderoso, o chanceler José Serra, um
entreguista que se opõe aos BRICS”.
Segundo Requião, “o capital
financeiro também participa, e hoje tem o Brasil de joelhos ante si. Nosso país
se transformou numa festa para os rentistas, com um Banco Central que fixa
taxas de juros de 14,25%. E quem é o novo responsável pelo Banco Central? Ilan
Goldfjan, economista-chefe do Banco Itaú”.
Requião manteve uma relação
cordial com Hugo Chávez durante ano, e recebeu o Página/12 em seu escritório no
Congresso Nacional do Brasil, enquanto a Comissão Especial que investiga o caso
do impeachment contra Rousseff apresentava as alegações da mandatária. Além de
ser um grande amigo de Dilma, Requião é um antigo dirigente do PMDB, o mesmo do
presidente interino Temer.
Ele acredita que a gênesis
do processo que derrubou provisoriamente a presidenta está no escândalo pela
espionagem na Agência Nacional de Segurança norte-americana (NSA), descoberto
em 2013, que deteriorou as relações entre Brasília e Washington. Mais que isso:
Requião suspeita que parte dos arquivos roubados pela NSA da Petrobras e dos
acervos de dezenas de políticos foram cedidos ao juiz Sérgio Moro, o
responsável pela causa do chamado “Petrolão”.
“É sensato pensar que a NSA
entregou informações a Moro, para que avançassem as investigações. Mas cuidado,
isso não quer dizer que Moro e os promotores sejam agentes da CIA e da NSA. Eu
creio que eles são justiceiros, moralistas, que foram utilizados por aqueles
que lhes entregam as informações. Moro não sabe muito bem por quem está sendo
manipulado. E tenho a convicção de que a causa judicial pelo escândalo na
Petrobras é muito importante, porque foi muito importante prender vários
grandes empresários da construção, que são gente da direita”, ponderou.
O senador Requião se reuniu
recentemente com Dilma para falar sobre a correlação de forças na câmara alta,
composta por 81 membros, os quais votarão, no final de agosto, para decidir o
veredito definitivo do impeachment. A mandatária eleita permanecerá no cargo se
conquistar o apoio de um terço da casa, ou seja, 27 votos.
Requião foi o anfitrião de
um encontro entre cerca de 30 senadores “éticos”, entre os quais há um grupo
que anunciou seu respaldo a Dilma Rousseff, e outro grupo que permanece
indeciso, que após aderir ao impeachment em maio, agora poderiam revisar sua
posição, devido às evidências de que Temer é sustentado por uma coalizão de
corruptos, na qual figuram políticos tão poderosos quanto inescrupulosos, como
Eduardo Cunha. “Vou fazer o possível para que Dilma volte, mas isso não
significa trabalhar para ela, e sim para que o país não derrape na recessão e
no entreguismo, estou trabalhando para um projeto”, afirmou o político
paranaense.
O senador afirmou também que
“a verdade é que Dilma não ajuda muito os que a querem ajudar, porque está
perdendo tempo, quando deveria tomar decisões importantes. Eu reconheço que ela
tem coragem, mas agora precisa traduzir isso em ações políticas. Enquanto ela
vacila, o Temer busca garantir os 54 votos, o dois terços do Senado para
aprovar o impeachment, oferecendo cargos e ventagens sem pudor, com uma ânsia
pelo poder sem nenhuma posição ideológica ou programática”.
Dilma pode retornar?
Eu sou gramsciano, sou
pessimista na análise e otimista na ação. Existem possibilidades para que ela
retorne, e é preciso trabalhar ao máximo por elas. Necessitamos de apenas um
terço dos votos do Senado, mas não posso me enganar dizendo que isso é fácil de
concretizar, Há contradições entre Dilma e o PT, creio que há gente do PT que
espera que tudo isso termine logo, gente que pensa que o melhor é voltar a ser
oposição, pensando nas eleições de 2018.
Você elogiou a causa
judicial do chamado “Petrolão”, mas independente dos argumentos jurídicos, não
acha que há motivação política?
Evidente que sim! O fato de
eu reconhecer a importância de se investigar a corrupção na Petrobras não
significa que eu desconheça suas consequências e os seus antecedentes
históricos. O juiz (Sérgio) Moro se inspira na Operação Mãos Limpas, na Itália
dos Anos 90, ele mesmo escreveu tese sobre o tema. Se vemos o que ocorreu na
Itália depois da operação, descobrimos que ela foi enterrando a todo o sistema político,
e daí surgiu Silvio Berlusconi como o salvador da pátria.
O Brasil pode estar vendo
nascer o seu próprio salvador da pátria?
É perfeitamente possível que
um fenômeno igual aconteça, porque esse tipo de crise favorece o surgimento
desses salvadores da pátria. Não sei quem encarnaria esse rol hoje, não creio
que seja o juiz Moro, apesar de os meios de comunicação quererem projetá-lo.
Ele não tem nenhuma experiência na administração pública. Vivemos numa
sociedade do espetáculo, que nos estimula a buscar salvadores e aplaudir os
abusos de poder, como os que temos visto ultimamente.
Como quais?
A ação policial no diretório
nacional do PT, em São Paulo, que foi rodeado por efetivos com armamento pesado
e vestidos como comandos de guerra na selva, como se o PT estivesse escondendo
o Chapo Guzmán ou uma célula do Estado Islâmico, a detenção do ex-ministro
Paulo Bernardo, esposo da senadora Gleisi Hoffmann, também do PT, invadindo o
domicílio de uma parlamentar com foro qualificado, utilizando helicópteros. Foi
um abuso total, para intimidar os legisladores que, como Hoffmann, se opõem ao
impeachment. Estão criando um clima para manipular o povo, para que as pessoas
se enfureçam e tomem o Congresso se não se vota a favor do impeachment. O que
se vê é uma espécie de britzkrieg, como os que fazia Hitler, buscando semear o
terror. E esse quadro que existe hoje no Brasil começa a ser percebido também
em outros países da região, lamentavelmente.
O Mercosul acabou?
Se depender do chanceler
Serra sim, mas eu não seria tão lapidário, creio que esses governos
conservadores terão problemas para se manter no poder por muito tempo. A
recessão e o desemprego vão causar explosões sociais, saques de supermercados,
revoltas. Não tenho a bola de cristal para saber o que acontecerá exatamente,
mas não vejo como esses experimentos conservadores poderiam se consolidar.
Você foi amigo de Chávez.
Onde o viu pela última vez?
Eu fui amigo dele. A última
vez que ele me visitou aqui, neste escritório, ele já estava bastante doente,
sabia que não sobreviveria, e estava decepcionado porque Dilma não dava
importância ao Mercosul, porque Brasil não apresentava propostas concretas para
avançar. Era o tempo em que Dilma estava deslumbrada com o aumento dos preços
das matérias-primas, e isso a levou a se desinteressar pela integração
regional. Um erro grave.
* Artigo publicado
originalmente no jornal argentino Página/12. Tradução de Victor Farinelli.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/07/as-multinacionais-contra-dilma.html
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