sábado, 2 de julho de 2016

ABRAÇO DE AFOGADO. Por Alex Solnik

Por que Temer não recebeu Cunha dentro do expediente normal, no Palácio do Planalto e não incluiu a visita em sua agenda oficial?

Por saber que não ficaria bem atender à visita de um presidente da Câmara afastado. Um delinquente, assim qualificado pelo Procurador Geral da República. Um réu, assim carimbado por unanimidade pelo STF.

Ora, se não fica bem receber um réu à luz do dia, à vista de todos, no palácio oficial da presidência da República é pior ainda recebê-lo à noite, num domingo, na residência oficial do vice-presidente da República.

À noite, todos os gatos são pardos.

No entanto, Temer concordou em recebê-lo.

Cometeu, desse modo, alguns delitos que não precisaria cometer.

Desautorizou o Procurador-Geral, que já o definiu como delinquente e que já admitiu, em entrevista à imprensa, dormir com uma pistola na mesa de cabeceira. Sem explicar o motivo, mas cada um deduz como quiser.

Desautorizou os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal que já o declararam réu em dois inquéritos e o afastaram do mandato e da presidência da Câmara dos Deputados.

Deu um tapa na opinião pública, que, à esquerda e à direita não suporta mais conviver com o inimigo público número 1 do país.

De duas, uma: ou Temer acolheu em sua casa um ex-presidente da Câmara ou um amigo.

Se foi um ex-presidente da Câmara, se expôs ao risco, temerário e desnecessário de ofender o decoro do seu cargo e desobedecer à determinação do STF que não permite que ele se valha dessa posição enquanto aguarda julgamento definitivo pelas acusações a que responde.

Cunha desobedeceu ao Supremo e arrastou Temer junto.

Se o recebeu como amigo, tanto pior. Revelou amizade, intimidade e até cumplicidade com um dos políticos mais cobertos de lama da República.

O que Temer ganha ao revelar intimidade com alguém que está a um passo de uma condenação severa e prolongada?

Se o recebeu como presidente da Câmara tratou com ele do assunto que mais o preocupa: a sua iminente cassação no conselho de ética e seus desdobramentos.

Perguntas que Temer deveria ter se feito antes de atender à campainha:

O presidente do STF teria concordado em receber Cunha em sua residência oficial, num domingo à noite?

O Procurador-Geral teria recebido Cunha em sua residência oficial, num domingo à noite?

O presidente do Senado teria recebido Cunha em sua residência oficial num domingo à noite?

Um cidadão decente concordaria em abrir as portas de sua casa para um réu num domingo à noite?

Então, como é que a maior autoridade da República concordou?

Mas Temer não se limitou a ouvi-lo.

Cedeu à sua demanda, pois, no dia seguinte, autorizou articulação do chefe da Casa Civil para convencer seu maior aliado, o PSDB, a apoiar um candidato do Cunha à sua sucessão, condição imposta por ele para renunciar à presidência e assim abrir as portas para uma nova eleição na Câmara dos Deputados.

Até agora o PSDB não se dobrou. E não o fará, a menos que pretenda associar sua imagem à de Cunha e assim perder ainda mais apoio do eleitorado na disputa presidencial em 2018.

O estrago já foi feito. O decoro foi quebrado.

Cunha não tinha nada a perder com a visita clandestina. Somente Temer. E perdeu.

Cunha deu em Temer o famoso abraço de afogado.

http://www.brasil247.com/pt/blog/alex_solnik/241571/Abra%C3%A7o-de-afogado.htm


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