Nos
últimos dez dias, Globo, Folha e Estadão republicaram antigos vazamentos da
Lava Jato contra o ex-presidente Lula.
Notícias velhas foram requentadas e servidas como carne fresca a quem
perdeu a memória dos desmentidos: uma sede do Instituto Lula que nunca existiu,
uma rodovia na África e o acervo que Lula tem de guardar por força da lei. Isso
se chama publicidade opressiva, violência inerente ao estado de exceção e
essencial aos “julgamentos pela mídia”.
Não pode ser coincidência. A ofensiva dos
vazadores e seus repórteres amestrados segue-se à ação da defesa de Lula, que levantou
a suspeição de Sérgio Moro para julgá-lo, por perda da imparcialidade. Essa é a
notícia nova do caso, que a imprensa brasileira escondeu. Deu no New York
Times, mas não saiu no Jornal Nacional.
A ação aponta 12 afirmações de Moro
antecipando a decisão prévia de condenar Lula. Registra os abusos que ele
cometeu – da condução coercitiva sem base legal à divulgação criminosa de
grampos telefônicos. No estado de direito, Moro deveria declinar do caso para
outro juiz, isento, imparcial, condição que ele perdeu em relação a Lula.
O Datafolha também ajuda a entender a
ofensiva. Só Lula cresceu. Tem um terço dos votos válidos no primeiro turno e
mais de 40% no segundo, contra os três tucanos e a insustentável Marina. Só
perde, hoje, para o antipetismo; e debaixo de uma campanha de difamação sem
precedentes.
É preciso acabar com Lula, fazer sua
caveira, antes que ele tenha chance de voltar pelo voto. E antes que sua defesa
desmoralize a Lava Jato. Tem de bater na cabeça da jararaca. Mas como, se não
há crime para acusá-lo? Se há só pedalinhos, obras de alvenaria, propriedades
imaginárias, palestras profissionais, presentes de governos estrangeiros.
Desde a reeleição de Dilma (aliás, por isso
mesmo), Lula, seus filhos, sua empresa de palestras e o Instituto Lula
tornaram-se alvos de 9 inquéritos do Ministério Público e da Polícia
Federal, 3 proposições de ação de penal,
2 fiscalizações da Receita e 38 mandados de busca. Quebraram e vazaram seus
sigilos bancário, fiscal e telefônico.
Numa afronta à Constituição e a princípios
universais do Direito, adotados pelo Brasil em tratados internacionais, Lula é
investigado pelos mesmos fatos em inquéritos simultâneos: da Procuradoria-Geral
da República, de procuradores regionais do Paraná e Brasília e de promotores do
Estado de São Paulo. É tiro ao alvo.
Essa verdadeira devassa – insisto: sem
precedentes no Brasil – não encontrou nenhum depósito suspeito, conta no
exterior, empresa de fachada ou contrato de gaveta; nenhum centavo sonegado,
nenhuma conversa de bandido. Nada que associe Lula direta ou indiretamente aos
desvios na Petrobras investigados na Lava Jato ou qualquer ilegalidade.
Nem mesmo os réus delatores, que negociam
acusações sem provas em troca de liberdade e (muito) dinheiro, apontaram fatos
concretos contra Lula. No máximo, ilações, do tipo “ele devia saber”,
conduzindo à esfarrapada tese do domínio do fato. No estado de exceção
midiática, apela-se à tese da obstrução da justiça (o maldito direito de
defesa), a partir do pré-julgamento de grampos ilegais.
O fato é que a Lava Jato e a
Procuradoria-Geral da República não têm como entregar – na só-base da prova, da
lei e do direito – a mercadoria esperada desde sempre por seus patrocinadores:
Lula na cadeia. Não em julgamento justo, com policias e procuradores
apartidários, juiz natural e imparcial, tribunais fiscalizadores da primeira
instância. Não no estado de direito democrático.
Para tirar Lula do jogo, precisam
desesperadamente da cumplicidade dos meios de comunicação; a Rede Globo à
frente e o rebotalho dos impressos na retaguarda. Precisam promover um julgamento pela mídia,
com base na publicidade opressiva. Precisam espalhar que Lula estaria metido
“nessa coisa toda”; silenciar e até intimidar quem duvide disso, para sancionar
uma condenação sem prova.
Quem foi jornalista na ditadura tem amarga
lembrança de colegas que serviam à repressão (alguns em dupla jornada, como na
Folha da Tarde, da família Frias). Noticiavam assassinatos de presos como “atropelamentos”,
tratavam torturas como “rigorosas investigações”. Faziam a caveira dos
“subversivos”. Eram chamados jornalistas de “tiragem” – a serviço dos “tiras”,
é claro, não da verdade.
Recordo sem intenção de ofender os
jornalistas “investigativos” de hoje que comem na mão dos “investigadores”
anônimos. Podem acreditar sinceramente que contribuem para “combater a
corrupção”. Ganham as manchetes, mas abrem mão do jornalismo, que é a busca da
verdade. Quando a meganha pauta e o repórter obedece, cegamente, quem perde é a
notícia. E perde a democracia.
http://www.tijolaco.com.br/blog/caca-ao-lula-por-ricardo-amaral/
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