Exatamente
como em 1964, coube de novo à mídia hegemônica brasileira o papel vexaminoso de
dar suporte a um governo que chegou ao poder sem passar pelas urnas. Enquanto
veículos de comunicação do mundo inteiro questionam o processo pelo qual uma
presidenta honesta foi arrancada do cargo, os daqui apenas se calam e trabalham
diuturnamente para conferir legitimidade a um governo ilegítimo. Mesmo a Folha
de S.Paulo, que publicou as conversas entre políticos investigados na Lava Jato
(todos agora confortavelmente aboletados no Governo Federal) que evidenciam a
existência de um complô para derrubar Dilma, é incapaz de se dignar a
defendê-la. Ora, se houve uma conspiração e se todos os que participaram dela
são cúmplices, o que se pode dizer de uma mídia que apoiou esta conspiração?
O
jornalismo brasileiro vive um dos mais ignóbeis períodos de sua história. Não
só se transformou, em pouquíssimo tempo, em uma imprensa adesista, como se
mostra disposta a omitir, escamotear e falsear fatos no intuito de defender os
golpistas. Qualquer pessoa que se colocar no caminho da mídia hegemônica e seu
apoio ao governo ilegítimo de Temer terá sua reputação atirada no lixo. E dizem
que é o PT quem possui uma “máquina de moer reputações”... Escrevo este artigo
sob o forte impacto do editorial do Estadão que atacou abertamente um
trabalhador da notícia, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald. Autor das
reportagens que revelaram as escutas do governo dos EUA sobre o mundo,
Greenwald mora no Rio de Janeiro e tem criticado o golpe parlamentar que se deu
no Brasil. Como quem joga carne fresca às hienas, o Estadão o chamou de
“ativista”, dando brecha a uma possível tentativa de expulsá-lo do País, já que
a atividade política é vedada a estrangeiros.
“A
história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”, dizia
Marx. Como não recordar neste momento a trajetória de Samuel Wainer, o menino
pobre do Bom Retiro que construiu um império de comunicações, desafiando os
ricos donos dos jornais brasileiros, e por isso foi perseguido sem trégua? A
acusação é a mesma que certamente farão à Greenwald: quiseram expulsar Wainer
do País por ser estrangeiro, nascido na antiga Bessarábia – o que só se
comprovou como verdade após sua morte. Outra coincidência: assim como Greenwald
e de forma diferente dos mesmos donos de jornais que apoiam o governo ilegítimo
de Temer, Samuel Wainer se posicionou contrário ao golpe militar de 1964. A Última
Hora, tal como foi criada, desapareceu, e junto com ela os jornais de oposição
ao regime.
Tínhamos
diários não alinhados com a ditadura além da Última Hora, como O Semanário e o
Diário Carioca. Todos foram empastelados. É por essa razão que tantos países no
mundo possuem jornais diários progressistas e o Brasil não. A Inglaterra tem, o
Uruguai tem, a Itália tem, a França tem, os EUA têm... Em nosso País só
sobreviveram os jornais de direita, que apoiaram o golpe. E que mal disfarçam o
conservadorismo do seu DNA apelando a uma falsa pluralidade, dando espaço, em
suas bolorentas páginas, a algum pensador de esquerda que ainda aceita
participar dessa farsa. O lado bom dessa história toda é nos dar conta de que,
mesmo sem lei de meios, a mídia de esquerda se consolidou e tem incomodado a
direita e seus veículos de estimação. Fazemos muito barulho nas redes, a ponto
de sermos atacados por jornalões centenários à beira da falência. A internet
possibilitou que qualquer um possa ter seu próprio meio de comunicação, algo
impensável no passado, e com custos muito menores do que os jornais
convencionais, que necessitam de papel.
Pode-se
dizer que as redes sociais fizeram uma democratização da mídia a fórceps. E é
justamente por este perigo que representamos que prevejo dias difíceis para os
jornalistas e blogueiros de oposição. Tentarão nos calar de todas as formas. Os
processos judiciais se somarão às batidas acusações de que recebemos dinheiro
para pensar como pensamos e defender o que defendemos (nos julgam pelo que
são). Todo blogueiro e jornalista independente deve tomar muito cuidado com as
palavras agora. Governos ilegítimos adoram a censura. Confesso que ainda me
choca, como jornalista, assistir os principais veículos de comunicação do País
passarem da oposição à adulação em um piscar de olhos. Vamos ver o que o
governo de Michel Temer dará à atual mídia chapa branca como recompensa. Será o suficiente para salvar a carcomida imprensa da falência? Duvido. Ninguém mais
quer ler isso. Desde que o PT chegou ao poder, em 2003, que jornais, TVs e
revistas esqueceram o jornalismo para se transformarem em panfletos de oposição.
Jornalismo se faz com boas histórias, não só com denuncismo.
Não
é à toa que os leitores vêm minguando ao longo desta última década, e
continuarão a minguar. Não há qualquer perspectiva de melhora na qualidade do
jornalismo produzido ali. A novidade, o frescor, está no digital e nas
iniciativas independentes. Ao longo destes anos petistas, a mídia hegemônica
ganhou o nada honroso apelido de PIG (Partido da Imprensa Golpista), que sempre
refutou. Agora que participou ativamente de outra deposição de chefe de Estado
legitimamente eleito, não há como fugir. O epíteto de PIG cabe à perfeição na
velha mídia brasileira. E poderá lhe servir de epitáfio.
♦ Cynara
Menezes é jornalista e editora do blog Socialista Morena
(socialistamorena.com.br)
http://www.carosamigos.com.br/index.php/edicao-atual/219-edicao-231/7176-boteco-bolivariano-um-epitafio-para-o-pig
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