Em
decisão liminar, a juíza Vanessa Bassani, do Paraná, determinou que o
jornalista Marcelo Auler “se abstenha de divulgar novas matérias em seu blog
com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo” a um delegado, autor da
ação. O que é uma notícia "capaz de ser interpretada como ofensiva"
fica a gosto do freguês, mas na reportagem que deu origem ao processo, o
repórter acusa delegados da Polícia Federal de vazar documentos na operação
“lava jato” e, segundo a juíza, não provou as alegações.
Esta
é uma das duas liminares da Justiça paranaense que obrigam Auler a retirar 10
reportagens de seu blog sobre a famigerada operação, também paranaense,
"lava jato". O jornalista não foi ouvido antes de as liminares serem
deferidas.
Especialistas
ouvidos pela ConJur afirmam que a decisão viola a garantia constitucional da
liberdade de expressão e configura censura prévia, prática comum durante a
primeira metade da ditadura militar (1964-1985), mas que deixou de ser aplicada
ainda em meados dos anos 1970.
Para
o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, a decisão
viola a Constituição Federal de 1988. “A censura prévia deixou de ter vigência
no país e passou a ser inadmitida constitucionalmente com a Constituição
Federal de 1988, porque antes havia brechas legais que a autorizavam. Portanto,
faz quase 28 anos que a prática é vedada no Brasil”.
O
jurista e colunista da ConJur Lenio Streck diz não ter dúvida de que a decisão
da Justiça do Paraná seja censura prévia. Segundo ele, os jornalistas só podem
ser responsabilizados posteriormente por suas reportagens.
“Evidentemente
que o jornalista tem responsabilidade, mas ele não pode ser tolhido previamente
sobre o que escreve. Examina-se sempre a posteriori, mas jamais se pode
proibi-lo de escrever algo no futuro, isso seria proibição de pensamento.
Estamos criando algo semelhante à sociedade vigiada do livro 1984, de George
Orwell, na qual o controle não é só do passado, mas também do futuro. Se a moda
pega, vou começar a pedir a censura prévia dos comentários críticos que recebo
na ConJur”, ironiza Streck.
Nesse
sentido, o advogado especializado em questões de imprensa e colunista da ConJur
Alexandre Fidalgo aponta que a liminar contra Marcelo Auler também violou a
decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130. Nessa
ocasião, os ministros declararam a inconstitucionalidade da antiga Lei de
Imprensa (Lei 5.250/1967), que fazia limitações à liberdade de expressão, como
exigir diploma em Jornalismo para quem quisesse exercer a profissão. Os
integrantes do Supremo chegaram à conclusão que não podem existir obstáculos ao
exercício da liberdade de expressão.
“Não
cabe, no Estado Democrático Brasileiro, qualquer medida de impeça a imprensa de
publicar algo. Se, depois de publicado, houver abuso ou irregularidade, há
instrumentos para punir. Mas não cabe punição prévia”, destacou Fidalgo.
O
advogado de Marcelo Auler, Rogério Bueno da Silva, do Rogério Bueno Advogados
Associados, impetrou mandado de segurança contra as duas liminares. Contudo, a
ordem foi negada nessa segunda-feira (30/5).
Repúdio de
jornalistas
Entidades
de jornalistas também criticaram as decisões. A Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou em nota que "repudia as decisões
dos Juizados Especiais de Curitiba, tomadas sem garantir o devido direito de
defesa de Auler. O jornalista não foi ouvido antes de as liminares serem
deferidas. Mais grave é a proibição de publicar futuras reportagens, que
configura censura prévia -- medida inconstitucional e incompatível com uma
democracia plena".
Já
a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) alegou que as liminares
"representam também perigoso precedente ao exumar mecanismos de controle
da expressão do pensamento usados sem parcimônia durante a ditadura militar. A
Carta de 1988 garante o livre acesso à informação e à circulação de ideias,
postulados que não podem ser violados sob qualquer pretexto".
Leia a nota
da Abraji:
"A
pedido de delegados da Polícia Federal, dois Juizados Especiais de Curitiba
(PR) determinaram a retirada de 10 reportagens publicadas no blog do jornalista
Marcelo Auler. Publicados entre novembro de 2015 e abril de 2016, os textos
tratavam da Operação Lava Jato, apontando possíveis irregularidades em sua
condução.
Em
decisão de 30.mar.2016, o juiz Nei Roberto de Barros determinou que duas
reportagens do blog de Marcelo Auler mencionando a delegada federal Erika
Mialik Marena fossem retiradas do ar em até 24 horas. Barros acatou os
argumentos da delegada na ação por danos morais, segundo a qual os textos
"denigrem sua imagem".
Em
5.mai.2016, a juíza Vanessa Bassani, do 12º Juizado Especial Cível, também
determinou a retirada de reportagens do blog. Desta vez, a decisão judicial
atingiu textos que mencionam o delegado federal Maurício Moscardi Grillo. A
juíza ainda proibiu Auler de publicar outras reportagens "com conteúdo
capaz de ser interpretado como ofensivo" ao delegado. Os advogados do
jornalista já entraram com recurso contra a decisão.
A
Abraji repudia as decisões dos Juizados Especiais de Curitiba, tomadas sem
garantir o devido direito de defesa de Auler. O jornalista não foi ouvido antes
de as liminares serem deferidas. Mais grave é a proibição de publicar futuras
reportagens, que configura censura prévia -- medida inconstitucional e
incompatível com uma democracia plena.
A
Abraji espera que o Tribunal de Justiça do Paraná reverta as decisões e garanta
o direito à informação previsto na Constituição.
Diretoria
da Abraji, 30 de maio de 2016"
Leia a nota
da ABI:
"A
Associação Brasileira de Imprensa denuncia o restabelecimento da censura
através da decisão da Justiça do Paraná ao determinar a remoção de textos e
proibir reportagens sobre a Operação Lava-Jato e a Polícia Federal publicados
no Blog do jornalista Marcelo Auler. A ABI entende, sem entrar no mérito das
denúncias veiculadas pelo blog, que as liminares concedidas pelo 8º Juizado
Especial e pelo 12º Juizado Especial Cível ofendem a Constituição e representam
grave ameaça à Liberdade de Imprensa e ao Estado de Direito.
A
medida proferida pela Justiça de Curitiba representa também perigoso precedente
ao exumar mecanismos de controle da expressão do pensamento usados sem
parcimônia durante a ditadura militar. A Carta de 1988 garante o livre acesso à
informação e à circulação de ideias, postulados que não podem ser violados sob
qualquer pretexto.
Na
visão da ABI, as autoridades que se sentiram ofendidas pelo blog dispõem de
outros instrumentos legais para se socorrerem das acusações a elas endereçadas,
sem a necessidade de vivificar procedimentos de caráter autoritário que se
acreditava sepultados para sempre com o fim do regime de 1964.
Domingos
Meirelles
Presidente
da ABI"
Processo
0016778-07.2016.8.16.0182
Por Sérgio
Rodas
http://www.conjur.com.br/2016-jun-01/juiza-praticou-censura-previa-proibir-noticias-delegado?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
Nenhum comentário:
Postar um comentário