Luis
Felipe Miguel, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor do Instituto
de Ciência Política da Universidade de Brasília, escreve no blog do Demodê –
Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, da UnBr – escreve, num só post, duas das melhores
análises que já pude ler sobre Michel Temer e a degradação do sistema político
brasileiro.
Peço
desculpas ao professor, mas vou dividi-lo, para permitir leitura mais ampla, nesta e na próxima
postagem, embora recomende que acessem o texto integral, muito bem construído.
Ao longo do dia publicarei a segunda parte.
Temer ou O
triunfo da mediocridade
Luis Felipe
Miguel
Ouso
dizer que, de todos os governantes brasileiros desde o fim do regime militar,
Michel Temer é o mais desprovido de qualidades. Alguns pensarão em Fernando
Collor, mas Collor era, quando se elegeu presidente em 1989, um jovem
aventureiro audaz. Temer, não. Temer fez uma longa e laboriosa carreira na
mediocridade. Tem mais de trinta anos de vida pública e não há quem possa
acusá-lo de ter dado uma contribuição, por menor que seja, a qualquer debate
sobre qualquer questão nacional.
O
primeiro cargo relevante que ocupou foi a Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo, em 1984. Recentemente, no seu ensaiado chilique de macheza, ele
bateu na mesa e disse que, graças a essa experiência, tinha aprendido a
conversar com bandido. Se é verdade, foi o único fruto de sua passagem pelo
cargo. A gestão Temer não apresentou nenhum resultado no combate à
criminalidade, na qualificação da polícia, em nada. Uma leitura dos relatos da
época mostra que o que Temer fez foi aprender a ser Temer: uma preocupação
central de sua gestão foi preparar sua candidatura a deputado federal (nas
eleições de 1986). Não conseguiu se eleger, o que é uma constante: Temer gosta
do poder, mas o voto popular não gosta de Temer.
Suplente,
assumiu o posto de deputado constituinte com a licença do titular. Não se
destacou em nada na elaboração da Constituição, nem para o bem, nem, justiça
seja feita, para o mal. Na avaliação do Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar (DIAP), que mediu o grau de proximidade dos
constituintes com os interesses da classe trabalhadora, ficou com média 2,25,
isto é, revelou posições bastante à direita. Em suma, um legítimo integrante do
baixo clero parlamentar.
Novamente
derrotado na sua pretensão de ser deputado federal, nas eleições de 1990,
voltou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que assumiu logo após o
massacre do Carandiru. Sua nova passagem pelo cargo foi marcada pela obstrução
da investigação e da punição da chacina. Saiu da Secretaria para ocupar uma
cadeira na Câmara dos Deputados, na qualidade de suplente convocado.
Finalmente
eleito em 1994, deu seu passo decisivo para se tornar um parlamentar
“importante” ao romper com seu padrinho, Orestes Quércia, e ajudar a fazer com
que o PMDB aderisse ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Tentou ser
ministro, mas nunca conseguiu que FHC o quisesse – ou, depois, Lula. Aos
poucos, foi tomando conta da máquina partidária, nisso revelando seu maior (ou
único) talento: equilibrar-se no topo da federação de gangues que o PMDB se
tornou.
Três
vezes presidente da Câmara dos Deputados, chefe do maior partido do país,
Michel Temer exerceu uma influência absolutamente desproporcional à sua
grandeza como figura pública. Ele é, com certeza, o perfeito representante da
pior imagem que se faz da elite política brasileira: um espírito mesquinho, que
vive nas sombras, nos bastidores, incapaz de um gesto de generosidade, sem
qualquer empatia pelo povo ao qual pretensamente serviria. Sua ligeira
semelhança física com o Sr. Burns, do desenho animado Os Simpsons, certamente é
mera coincidência, mas uma coincidência significativa.
Tornou-se
candidato a vice-presidente, em 2010, manobrando a convenção do PMDB e
empurrando a si mesmo goela abaixo de Lula, de Dilma e do PT, que preferiam
outro nome, qualquer outro nome, mas não queriam prescindir dos preciosos
minutos de televisão que a coligação lhes forneceria. (Abstenho-me aqui de
julgar o acerto da decisão.) A gente se perguntava o que ele fazia no cargo,
mas agora sabemos: tramava.
Por
controlar o PMDB como controlava, ganhou fama de “grande articulador político”,
mas na preparação do golpe abusou de truques pueris, como o pretenso
“vazamento” da patética cartinha para a presidente Dilma ou o igualmente
pretenso “vazamento” de seu discurso de candidato indireto às vésperas da
votação do “impeachment” (entre aspas, pois a palavra certa seria golpe) na
Câmara. No meio do caminho, lançou a tal “Ponte para o futuro”, que seria a
negação da afirmação que fiz no primeiro parágrafo, de que ele nunca deu
qualquer contribuição para os debates das grandes questões nacionais. Seria,
mas não é: a “Ponte” simplesmente regurgita velhas propostas da direita, sem
qualquer nova formulação, além de aparentemente ter sido traduzida do inglês.
Talvez tenha sido uma cortesia da Embaixada dos Estados Unidos, em recompensa
pela atividade de Temer como seu informante, o que foi comprovado por
documentos divulgados pelo Wikileaks.
Alçado
à presidência por meio do golpe de Estado do último dia 12 de maio, organizou
um governo que, em poucas semanas, já se mostra um dos mais desastrosos da
história. Sua interinidade é marcada não apenas pela irresponsabilidade e pelo
reacionarismo, mas também, como observou o jornalista Luis Nassif, pela
incompetência profunda. Em pastas do peso do Ministério da Educação, do
Ministério da Saúde, do Ministério do Planejamento ou do Ministério das
Relações Exteriores, foram colocados indivíduos sem a menor familiaridade com
as questões que deveriam administrar. O resultado se mostra constrangedor, a
ponto de ameaçar o sucesso definitivo do golpe.
Uma
questão desafiadora é entender como tal figura, medíocre em todos os aspectos,
conseguiu chegar à Presidência do Brasil. Talvez seja porque ele espelha –
infelizmente – a maioria de nossa elite política.
Fonte.
Blog Tijolação de Fernando Brito
http://www.tijolaco.com.br/blog/o-gigante-da-pequenez-por-luis-felipe-miguel/
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