quarta-feira, 8 de junho de 2016

O GIGANTE DA PEQUENEZ. Por Luís Felipe Miguel

Luis Felipe Miguel, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, escreve no blog do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, da UnBr –  escreve, num só post, duas das melhores análises que já pude ler sobre Michel Temer e a degradação do sistema político brasileiro.

Peço desculpas ao professor, mas vou dividi-lo, para permitir  leitura mais ampla, nesta e na próxima postagem, embora recomende que acessem o texto integral, muito bem construído. Ao longo do dia publicarei a segunda parte.

Temer ou O triunfo da mediocridade

Luis Felipe Miguel

Ouso dizer que, de todos os governantes brasileiros desde o fim do regime militar, Michel Temer é o mais desprovido de qualidades. Alguns pensarão em Fernando Collor, mas Collor era, quando se elegeu presidente em 1989, um jovem aventureiro audaz. Temer, não. Temer fez uma longa e laboriosa carreira na mediocridade. Tem mais de trinta anos de vida pública e não há quem possa acusá-lo de ter dado uma contribuição, por menor que seja, a qualquer debate sobre qualquer questão nacional.

O primeiro cargo relevante que ocupou foi a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em 1984. Recentemente, no seu ensaiado chilique de macheza, ele bateu na mesa e disse que, graças a essa experiência, tinha aprendido a conversar com bandido. Se é verdade, foi o único fruto de sua passagem pelo cargo. A gestão Temer não apresentou nenhum resultado no combate à criminalidade, na qualificação da polícia, em nada. Uma leitura dos relatos da época mostra que o que Temer fez foi aprender a ser Temer: uma preocupação central de sua gestão foi preparar sua candidatura a deputado federal (nas eleições de 1986). Não conseguiu se eleger, o que é uma constante: Temer gosta do poder, mas o voto popular não gosta de Temer.

Suplente, assumiu o posto de deputado constituinte com a licença do titular. Não se destacou em nada na elaboração da Constituição, nem para o bem, nem, justiça seja feita, para o mal. Na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que mediu o grau de proximidade dos constituintes com os interesses da classe trabalhadora, ficou com média 2,25, isto é, revelou posições bastante à direita. Em suma, um legítimo integrante do baixo clero parlamentar.

Novamente derrotado na sua pretensão de ser deputado federal, nas eleições de 1990, voltou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que assumiu logo após o massacre do Carandiru. Sua nova passagem pelo cargo foi marcada pela obstrução da investigação e da punição da chacina. Saiu da Secretaria para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, na qualidade de suplente convocado.

Finalmente eleito em 1994, deu seu passo decisivo para se tornar um parlamentar “importante” ao romper com seu padrinho, Orestes Quércia, e ajudar a fazer com que o PMDB aderisse ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Tentou ser ministro, mas nunca conseguiu que FHC o quisesse – ou, depois, Lula. Aos poucos, foi tomando conta da máquina partidária, nisso revelando seu maior (ou único) talento: equilibrar-se no topo da federação de gangues que o PMDB se tornou.

Três vezes presidente da Câmara dos Deputados, chefe do maior partido do país, Michel Temer exerceu uma influência absolutamente desproporcional à sua grandeza como figura pública. Ele é, com certeza, o perfeito representante da pior imagem que se faz da elite política brasileira: um espírito mesquinho, que vive nas sombras, nos bastidores, incapaz de um gesto de generosidade, sem qualquer empatia pelo povo ao qual pretensamente serviria. Sua ligeira semelhança física com o Sr. Burns, do desenho animado Os Simpsons, certamente é mera coincidência, mas uma coincidência significativa.

Tornou-se candidato a vice-presidente, em 2010, manobrando a convenção do PMDB e empurrando a si mesmo goela abaixo de Lula, de Dilma e do PT, que preferiam outro nome, qualquer outro nome, mas não queriam prescindir dos preciosos minutos de televisão que a coligação lhes forneceria. (Abstenho-me aqui de julgar o acerto da decisão.) A gente se perguntava o que ele fazia no cargo, mas agora sabemos: tramava.

Por controlar o PMDB como controlava, ganhou fama de “grande articulador político”, mas na preparação do golpe abusou de truques pueris, como o pretenso “vazamento” da patética cartinha para a presidente Dilma ou o igualmente pretenso “vazamento” de seu discurso de candidato indireto às vésperas da votação do “impeachment” (entre aspas, pois a palavra certa seria golpe) na Câmara. No meio do caminho, lançou a tal “Ponte para o futuro”, que seria a negação da afirmação que fiz no primeiro parágrafo, de que ele nunca deu qualquer contribuição para os debates das grandes questões nacionais. Seria, mas não é: a “Ponte” simplesmente regurgita velhas propostas da direita, sem qualquer nova formulação, além de aparentemente ter sido traduzida do inglês. Talvez tenha sido uma cortesia da Embaixada dos Estados Unidos, em recompensa pela atividade de Temer como seu informante, o que foi comprovado por documentos divulgados pelo Wikileaks.

Alçado à presidência por meio do golpe de Estado do último dia 12 de maio, organizou um governo que, em poucas semanas, já se mostra um dos mais desastrosos da história. Sua interinidade é marcada não apenas pela irresponsabilidade e pelo reacionarismo, mas também, como observou o jornalista Luis Nassif, pela incompetência profunda. Em pastas do peso do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde, do Ministério do Planejamento ou do Ministério das Relações Exteriores, foram colocados indivíduos sem a menor familiaridade com as questões que deveriam administrar. O resultado se mostra constrangedor, a ponto de ameaçar o sucesso definitivo do golpe.

Uma questão desafiadora é entender como tal figura, medíocre em todos os aspectos, conseguiu chegar à Presidência do Brasil. Talvez seja porque ele espelha – infelizmente – a maioria de nossa elite política.

Fonte. Blog Tijolação de Fernando Brito

http://www.tijolaco.com.br/blog/o-gigante-da-pequenez-por-luis-felipe-miguel/


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