Nas
últimas semanas, Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, tem
erguido a voz contra o que considera ser um perigoso movimento de atropelo da
ordem jurídica no país. Em recentes manifestações, Marco Aurélio criticou a
flexibilização do princípio da não culpabilidade, e a liberação para a Receita
Federal do acesso direto aos dados bancários de qualquer cidadão brasileiro. Na
semana passada, o ministro criticou a conduta do juiz Sérgio Moro, no episódio
do vazamento do conteúdo das interceptações telefônicas, envolvendo o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff.
Em
entrevista concedida por telefone ao Sul21, Marco Aurélio fala sobre esses
episódios e critica a conduta de Sérgio Moro: “Ele não é o único juiz do país e
deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa divulgação por terceiro de sigilo
telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei.
Isso está escancarado. Não se avança culturalmente, atropelando a ordem
jurídica, principalmente a constitucional”, adverte.
Sul21: Considerando os acontecimentos dos
últimos dias, como o senhor definiria a atual situação política do Brasil? Na
sua avaliação, há uma ameaça de ruptura constitucional ou de ruptura social?
Marco
Aurélio Mello: A situação chegou a um patamar inimaginável. Eu penso que nós
precisamos deixar as instituições funcionarem segundo o figurino legal, porque
fora da lei não há salvação. Aí vigora o critério de plantão e teremos só
insegurança jurídica. As instituições vêm funcionando, com alguns pecadilhos,
mas vêm funcionando. Não vejo uma ameaça de ruptura. O que eu receio é o
problema das manifestações de rua. Mas aí nós contamos com uma polícia
repressiva, que é a polícia militar, no caso de conflitos entre os segmentos
que defendem o impeachment e os segmentos que apoiam o governo. Só receio a
eclosão de conflitos de rua.
Sul21:
Algumas decisões do juiz Sérgio Moro vêm sendo objeto de polêmica, como esta
mais recente das interceptações telefônicas envolvendo o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. Como o senhor avalia estas
decisões?
Marco
Aurélio Mello: Ele não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz.
Agora, houve essa divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime,
está na lei. Ele simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado e foi
objeto, inclusive, de reportagem no exterior. Não se avança culturalmente,
atropelando a ordem jurídica, principalmente a constitucional. O avanço
pressupõe a observância irrestrita do que está escrito na lei de regência da
matéria. Dizer que interessa ao público em geral conhecer o teor de gravações
sigilosas não se sustenta. O público também está submetido à legislação.
Sul21: Na sua opinião, essas pressões
midiáticas e de setores da chamada opinião pública vêm de certo modo
contaminando algumas decisões judiciais?
Marco
Aurélio Mello: Os fatos foram se acumulando. Nós tivemos a divulgação, para mim
imprópria, do objeto da delação do senador Delcídio Amaral e agora, por último,
tivemos a divulgação também da interceptação telefônica, com vários diálogos da
presidente, do ex-presidente Lula, do presidente do Partido dos Trabalhadores
com o ministro Jacques Wagner. Isso é muito ruim pois implica colocar lenha na
fogueira e não se avança assim, de cambulhada.
Sul21: Os ministros do Supremo, para além
do que é debatido durante as sessões no plenário, têm conversado entre si sobre
a situação política do país?
Marco
Aurélio Mello: Não. Nós temos uma tradição de não comentar sobre processos, nem
de processos que está sob a relatoria de um dos integrantes nem a situação
política do país. Cada qual tem a sua concepção e aguarda o momento de seu
pronunciar, se houver um conflito de posições. Já se disse que o Supremo é
composto por onze ilhas. Acho bom que seja assim, que guardemos no nosso
convívio uma certa cerimônia. O sistema americano é diferente. Lá, quando chega
uma controvérsia, os juízes trocam memorandos entre si. Aqui nós atuamos em
sessão pública, que inclusive é veiculada pela TV Justiça, de uma forma
totalmente diferente.
Sul21: A Constituição de 1988 incorporou um
espírito garantista de direitos. Na sua avaliação, esse espírito estaria sob
ameaça no Brasil?
"Se
o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito
grande". (Foto: Carlos Humberto/SCO/STF)
Marco Aurélio Mello: Toda vez que se atropela
o que está previsto em uma norma, nós temos a colocação em plano secundário de
liberdades constitucionais. Isso ocorreu, continuo dizendo, com a
flexibilização do princípio da não culpabilidade e ocorreu também quando se
admitiu, depois de decisão tomada há cerca de cinco anos, que a Receita
Federal, que é parte na relação jurídica tributária, pode ter acesso direto aos
dados bancários.
Sul21: A expressão “ativismo jurídico” vem
circulando muito na mídia brasileira e nos debates sobre a conjuntura atual.
Qual sua opinião sobre essa expressão?
Marco
Aurélio Mello: A atuação do Judiciário brasileiro é vinculada ao direito
positivo, que é o direito aprovado pela casa legislativa ou pelas casas
legislativas. Não cabe atuar à margem da lei. À margem da lei não há salvação.
Se for assim, vinga que critério? Não o critério normativo, da norma a qual
estamos submetidos pelo princípio da legalidade. Ninguém é obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Se o que vale é o
critério subjetivo do julgador, isso gera uma insegurança muito grande.
Sul21: Esse ativismo jurídico vem
acontecendo em um nível preocupante, na sua opinião?
Marco
Aurélio Mello: Há um afã muito grande de se buscar correção de rumos. Mas a
correção de rumos pressupõe a observância das regras jurídicas. Eu, por
exemplo, nunca vi tanta delação premiada, essa postura de co-réu querendo
colaborar com o Judiciário. Eu nunca vi tanta prisão preventiva como nós temos
no Brasil em geral. A população carcerária provisória chegou praticamente ao
mesmo patamar da definitiva, em que pese a existência do princípio da não
culpabilidade. Tem alguma coisa errada. Não é por aí que nós avançaremos e
chegaremos ao Brasil sonhado.
Sul21: Como deve ser o encaminhamento da
série de ações enviadas ao Supremo contestando a posse do ex-presidente Lula
como ministro?
Marco
Aurélio Mello: Eu recebi uma ação cautelar e neguei seguimento, pois havia um
defeito instrumental. Nem cheguei a entrar no mérito. Nós temos agora pendentes
no Supremo seis mandados de segurança com o ministro Gilmar Mendes e duas ações
de descumprimento de preceito fundamental com o ministro Teori Zavaski, além de
outras ações que tem se veiculado que existem e que estariam aguardando
distribuição. Como também temos cerca de 20 ações populares em andamento.
No
tocante aos mandados de segurança, a competência quanto à medida de urgência
liminar é do relator. Não é julgamento definitivo. Quanto à arguição de
descumprimento de preceito fundamental, muito embora a atribuição seja do
pleno, este não estando reunido – só teremos sessão agora no dia 28 de março –
o relator é quem atuaad referendum do plenário.
Temos
que esperar as próximas horas. A situação se agravou muito com os últimos
episódios envolvendo a delação do senador Delcídio e a divulgação das
interceptações telefônicas. Não podemos incendiar o país.
Sul21: O STF deverá ter um papel
fundamental para que isso não ocorra…
Marco
Aurélio Mello: Sim. É a última trincheira da cidadania. Quando o Supremo falha,
você não tem a quem recorrer. Por isso é que precisamos ter uma compenetração
maior, recebendo não só a legislação e as regras da Constituição Federal, que
precisam ser um pouco mais amadas pelos brasileiros, como também os fatos
envolvidos.
https://luizmullerpt.wordpress.com/2016/06/25/moro-simplesmente-deixou-de-lado-a-lei-isso-esta-escancarado-diz-ministro-do-stf-sobre-vazamentos-2/
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