Separei
alguns trechos da longa entrevista de Dilma Rousseff a Vera Durão, Natália
Viana, Andre Dip e Marina Amaral, da Agência Pública.
Neles,
Dilma coloca o ponto de virada do golpismo na tomada de controle de Eduardo
Cunha sobre o PMDB, fala das investigações da Lava Jato, da entrega do pré-sal
e da discussão sobre a convocação de um plebiscito, no caso de ser reempossada
na Presidência.
A
seleção, claro, prejudica o todo da entrevista, que trata de diversos outros
temas. Mas pode ajudar a uma leitura mais rápida.
Se
não puder ir ao site da Pública de imediato, não deixe de ir. É trabalho de
primeira linha, que orgulha o jornalismo e, particularmente, às jornalistas que
o fizeram e à própria Dilma. Nem elas
deixaram de ousar nas perguntas em temas espinhosos como o aborto, nem ela
deixou de responder, mostrando que fala como presidenta, não como uma pessoa
privada, que tem o direito de expor tudo o que pensa, o que as
responsabilidades do cargo não permitem.
Leia
trechos da entrevista:
(…)
o que eu quero dizer é que, nesse processo e nessas manifestações
pró-impeachment, pra mim, o setor que mais perdeu foi o setor da oposição que
tradicionalmente tinha um projeto, que é o PSDB. Acho que o PSDB cometeu um
gravíssimo equívoco político. Primeiro perdeu a cara porque endireitou. Mas
endireitou não só do ponto de vista dos projetos econômicos ou políticos.
Endireitou do ponto de vista dos valores. Se misturou no movimento e deu força
a ele. E estimulou, organizou e propôs um movimento que era baseado em algumas
questões inadmissíveis. Como é que [o PSDB] se mistura com um [movimento] que
defende o golpe militar? Como é que é possível tratar de uma situação em que os
direitos individuais e coletivos mais básicos são desrespeitados? Então eu acho
que criou naquele momento, nessa transação do impeachment, uma situação muito
ruim. Por quê? Porque isso foi orquestrado, querida. Como foi orquestrado? Foi
orquestrado logo depois da minha eleição. Não é lá em 2013. A minha eleição é
uma eleição extremamente conflitiva. Ultraconflituada. Nunca houve uma eleição
no Brasil com aquele perfil. Acaba a eleição, eles pedem recontagem de voto,
coisa que no Brasil não se via há séculos. Pedem auditoria na urna eletrônica.
As duas coisas não se verificando, eles começam a tentar impedir a minha
diplomação. Depois disso, apoiam a ida para a presidência da Câmara do senhor
Eduardo Cunha, que tem uma pauta eminentemente de direita. E que faz, talvez, o
processo mais grave no Brasil, que foi tornar o centro hegemonizado pela
direita, rompendo com uma tradição centro-democrática que vem desde a
redemocratização, com Ulysses Guimarães, a Constituinte, em que um dos
protagonistas importantes foi o centro democrático no Brasil. O PMDB, o velho
MDB, né?
Marina
Amaral: Mas o PMDB, na visão da senhora, deu essa guinada quando o Cunha passou
a liderá-lo, ou isso já vinha acontecendo?
Dilma:
Ele dá essa guinada quando o Cunha assume a hegemonia dele. Porque ele teve a
hegemonia. E essa hegemonia está expressa no governo do Michel Temer. Ele é
Cunha. O Jucá não mente quando diz que Michel é Cunha. Um dos grandes problemas
desse governo é esconder o Cunha. Porque o Cunha não é uma pessoa lateral
deles. Ele é o líder deles. Líder em todos os sentidos.
Não
é só típico do Brasil, esse mal-estar com a representação política se dá em
relação ao mundo todo
Marina
Amaral: Do PMDB inteiro ou líder da direita?
Dilma:
Estou falando deste grupo que está no poder, este grupo que está no poder não é
todo o PMDB, não é. Você tem gente no PMDB… Você tem o Requião no PMDB, o
próprio Renan. Você tem pessoas das mais diferentes. Agora, este grupo que hoje
é do governo Temer é o grupo hegemonizado pelo Cunha. A proposta dele não é
surpresa. O Cunha, vocês sabem – vocês são da imprensa, vocês acompanham –,
qual é a pauta do Cunha. E as pautas-bomba que eles nos impunham é pra criar o
caldo para o golpe. Qual é a pauta-bomba? Bloqueia o governo. Nós não só não
conseguimos aprovar as nossas pautas, como eles apelam para a mais lamentável
demagogia, passando pautas que inviabilizam o país. Teve um momento em que,
caso aprovasse, seriam 200 bilhões. Depois, mais recentemente, chegou a 400
bilhões. Então, não só não aprova o que você manda, como também cria um nível
de obstáculo para o exercício da atividade governamental. E é engraçado, que
tem, pra mim, uma característica muito interessante nas críticas desse governo,
que são assim, ó: o que esse governo faz? Primeiro, ele denuncia projetos que
não existem.
Repórteres:
Como assim?
Dilma:
Na política externa: “Vou impedir a ideologização que o Brasil faz”. Então
denuncia coisa que não existe. E a imprensa apoia. Segundo: critica medidas que
nunca estiveram na pauta. Quando é que eles são óbvios? Quando, você pode
olhar, toda vez que eles falam o que pensam, são obrigados a voltar atrás.
Porque não está no tempo ainda de mostrar todas as garras. Esperemos passar a
discussão do impeachment e eleição, aí mostraremos todas as garras. Agora, uma
garra feíssima já foi mostrada, né? É essa do teto de gastos. Pra gente ter uma
ideia, no caso da educação, eu estou falando dos valores, na educação se gastou
mais ou menos 101 bilhões [no ano], se não me engano. A viger esse pacto, nós
teríamos gasto este ano 35 [bilhões] só. Então vejam o que vai significar isso
para o futuro. Porque o raciocínio é simples: você corrige o gasto de educação
pela inflação; aí aumentam as pessoas [estudando], e o gasto está só corrigido
pela inflação, o que acontece? Do ponto de vista real, diminui o gasto por
pessoa! Óbvio! Além disso, faz isso mais quatro governos e mais esses dois
anos, ou seja, quatro governos estarão impedidos de exercer o direito político
do orçamento.
Dilma:
Olha, eu acho que todas as riquezas do Brasil têm peso. O pré-sal tem um peso
muito especial. O que está na questão do pré-sal? Não é a participação do setor
privado. Por quê? Porque ele participa do pré-sal. Vamos olhar o leilão de
Libra, que é o único campo do pré-sal integral, não tem nenhum outro. Então
vamos olhar a prova material. Quem é que participa de Libra? Participam de
Libra quatro empresas privadas: Shell, que é uma grande empresa; Total, que é
uma empresa francesa grande – não é uma major, mas é uma quase major –; duas
chinesas, a CNOOC e a CNPC. É bom lembrar que os maiores compradores de
petróleo do mundo são os chineses. O controle da distribuição do petróleo está
na mão dos chineses. Daí porque qualquer grande empresa privada internacional
gosta da parceria com os chineses. Para a gente não ser otário e ficar achando
que a presença de chinês é algo terrível, como diziam umas pessoas do Rio de
Janeiro.
Natalia
Viana: Mas aquela modificação proposta pela senhora…
Dilma:
Não, mas aí o que é o problema? Não é a presença [dos estrangeiros]. O problema
é o seguinte: são dois regimes, o de concessão e o de partilha. O regime de concessão
se caracteriza pelo fato de que quem achar o petróleo é dono do petróleo. Se
achou o petróleo, qualquer empresa – da Petrobras a qualquer uma – achou, no
Brasil, ele é dono da jazida. Por que isso? O risco de não achar é muito alto.
Muitas empresas, inclusive pequenas, quebram porque não acham. E aí, gastou 20
milhões, 30 milhões, até 100 milhões de dólares para prospectar. Bom, o que
acontece no Brasil? No pós-sal, o nosso petróleo era difícil de achar,
implicava riscos, era com grande teor de enxofre, com uma coisa que chama API –
uma forma de medir a qualidade do petróleo – muito baixo, 14, 15 graus API. E,
além disso, em muitos lugares [encontrava-se] pouco petróleo. Não eram grandes
campos. Então não era muito petróleo, a qualidade não era muito boa e com um
risco elevado. Modelo de concessão correto porque quem achou leva a parte do
leão, o petróleo. Que faz com que você tenha um lucro bastante razoável.
Como
é o pré-sal? O pré-sal foi descoberto por prospecção, exploração e pesquisa da
Petrobras. Foi demarcada uma poligonal e nós sabemos que o grosso está lá
dentro dessa poligonal. Nós sabemos que é de muito boa qualidade e que é muito.
Então o petróleo do pré-sal é completamente diferente do pós-sal. Então o
modelo do pré-sal é de partilha por quê? Pra quem fica a parte do leão, ou
seja, o petróleo? Fica pro dono dele. Quem é o dono? A União. E as empresas
privadas ficam com uma parte. Pra você ter uma ideia, mais ou menos, eu vou
falar entre 75% a 80% para a União e o restante…
Vera
Durão: Para as privadas?
Dilma:
Não é para as privadas, não, para a dona, Petrobras inclusa. Por isso que eu
falo 70% a 75%, porque, se você botar a Petrobras junto com a União, aí dá uns
80% para o país. Agora, pergunto a você, o que leva quatro grandes empresas
internacionais a virem aqui e pagarem 20 bilhões sabendo que a regra é essa?
Muito petróleo, a certeza de que vai achar, da qualidade e do lucro, portanto.
Então, o que estão querendo fazer é um absurdo. Alterar o regime de partilha é,
de fato, um absurdo. Esse pode ser um dos elementos que eles jamais
conseguiriam num processo eleitoral com discussão com a população – convencer a
população de que isso era bom para o país. Portanto, através da eleição, eles
não iriam conseguir a aprovação disso. Agora, acho que essa é uma questão. Eles
também vão reduzir a saúde, acabar com o Minha Casa, Minha Vida. Já acabaram!
Porque acabaram já com a faixa 1. A faixa 1 é a faixa pobre do Oiapoque ao
Chuí.
Vera
Durão: Dilma, você acha que a maldição do petróleo também passou aí pelo processo
que levou ao seu afastamento?
Dilma:
O que eu acho grave no Brasil nessa área é… Eu sou a favor – inclusive tenho
sido acusada, uma das causas do meu impeachment é o fato de que o meu governo
foi favorável, o meu governo não impediu investigação de corrupção. Nós somos
completamente favoráveis a isso. Agora, também sempre deixamos claro que,
quando você combate a corrupção, você não pode destruir nem as empresas nem os
empregos. Assim como se faz no resto do mundo. Os Estados Unidos tiveram
recentemente, junto com o resto do mundo, talvez o maior processo de corrupção
que foi os bancos, os seus derivativos, e todos os processos que levaram a
perdas astronômicas.
Vera
Durão: A crise de 2008.
Dilma:
Isso, a crise de 2008. Eles não destruíram os bancos. O que eles fizeram?
Cobraram multas elevadas, puniram os executivos e não destruíram os bancos. O
que no Brasil poderia se fazer também: multa, prende os executivos, mas não
destrói as empresas. Não impeça que elas tenham crédito. Não faça com que elas
destruam seus empregos. Por que eu estou falando nisso nessa altura? Porque a
cadeia de petróleo e gás é muito importante para o crescimento do Produto
Interno Bruto do Brasil. Ela gera emprego, se calcula que ela responda entre 1
e 2 pontos percentuais do PIB. Então atirar na cadeia de petróleo e gás é
atirar no PIB do país.
Vera
Durão: Tem um efeito cascata gigante.
Dilma:
Violento. Que é outra explicação da crise também.
Marina
Amaral: A esquerda citou muito o pré-sal durante a articulação do impeachment.
Falou-se que havia influências estrangeiras nessa tentativa de derrubar a
senhora do poder e que isso estaria associado ao pré-sal. A gente vê que o
projeto de alteração do pré-sal é do senador José Serra, que assumiu o
Ministério das Relações Exteriores. A senhora vê alguma relação nisso ou a
senhora acha que é pura especulação?
Dilma:
Eu repito para você: eu acho que eles jamais conseguiriam fazer com o pré-sal o
que pretendem sem ser através de métodos absolutamente fraudulentos e
golpistas. Por eleição direta não fariam. E eles não ganham eleição direta há
muitos anos. Então, eu acho que tentaram encurtar o caminho.
(…)
Natalia
Viana: Presidente, ontem foi preso, em um desdobramento da Lava Jato, o Paulo
Bernardo, que foi ministro no seu governo, acusado de um superfaturamento de
100 milhões pela empresa de tecnologia que geria sistema de crédito consignado
a funcionários. Diz a PF que o dinheiro seria usado para caixa 2 do PT. Por
outro lado, o Marcelo Odebrecht assinalou que…
Dilma:
Querida, posso te falar uma coisa? Eu não sei no que vai dar. E nem o que está
em processo na prisão do Paulo Bernardo. Então, você vai me desculpar, mas você
não vai querer que eu faça uma avaliação sobre coisas que estão sob
investigação da Justiça. Agora, acho estarrecedor me perguntar sobre o Marcelo
Odebrecht, que nem concluiu a sua delação premiada. Tirante a hipótese de que o
seu jornal – e aqui eu vou engrossar – tenha uma escuta dentro da cela, ou do
lugar onde ele está fazendo a delação, vocês não têm o direito de me perguntar
nada.
Natalia
Viana: Na verdade, a pergunta não era em relação a isso.
Dilma:
Eu tenho imensa indignação com esse tipo de uso político das investigações da
Lava Jato. Uso político.
Natalia
Viana: A pergunta era se a senhora acredita que essas revelações afetam suas
chances no impeachment.
Dilma:
Não, minha querida. Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta
contra isso. Isso tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente.
A última que arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha cabeça
porque eu liguei para o Lula e falei: “Vou mandar aí o Bessias”. Agora foi
arquivado. Agora, o pato que eu pago enquanto não está arquivado é imenso. E eu
me recuso a discutir Marcelo Odebrecht numa delação que nem acabou. Tem
vazamento daquilo que não foi feito, tem vazamento… e tudo seletivo. Primeiro
vaza eu e fazem um escândalo com isso. E depois aparece o resto. Como que fica?
Não sei o que que é o Paulo Bernardo, tem um ano essa investigação, não sei por
que prenderam hoje, não tenho a menor ideia… Ele estava fugindo? Preventiva tem
de ter motivo. Eu me recuso a dar elementos para um tipo de praxe que a
imprensa brasileira está tendo de uso seletivo. Porque a tese era a seguinte:
tinha um único partido no Brasil que tinha corrupção. O que se vê é que não é
isso que está acontecendo.
Vera
Durão: Sérgio Machado disse que é desde 1946.
Dilma:
É. O Sérgio Machado deve ser um experiente conhecedor disso. Bom, o que estou
dizendo é que não vou compactuar com isso. E comigo é sistemático. Até o ponto
do meu cabelo. Eu perdi a paciência no dia do meu cabelo [Merval Pereira, do
Jornal O Globo, veiculou em sua coluna que Dilma teria usado dinheiro da
refinaria de Pasadena para pagar itens pessoais. Saiba mais].
Vera
Durão: Você já tomou as devidas providências?
Dilma:
Todas. Eu vou processar criminalmente. O dia em que eu processar vai sair na
imprensa. Mas eu vou.
(…)
Vera
Durão: Se você reassumir, você vai mudar isso, esse presidencialismo de
coalizão?
Dilma:
Eu farei basicamente um governo de transição. Porque é um governo que vai ter
dois anos, e o que nós temos de garantir neste momento é a qualidade da
democracia no Brasil, o que vai ocorrer em 2018. Eu farei isso, sobretudo. Acho
que cabe a discussão de uma reforma política no Brasil, sem dúvidas. Nós
tentamos isso depois de 2013 e perdemos fragorosamente. Tentamos Constituinte,
tentamos reforma política, tentamos…
Natalia
Viana: Teria força para um plebiscito?
Dilma:
Não sei. Não tenho ideia.
Marina
Amaral: Mas há esse compromisso da senhora, chamar um plebiscito?
Dilma:
Não, não. Está em discussão isso. Não há um consenso. É uma das coisas. Uma das
propostas colocadas na mesa. Agora, há de todo mundo uma opção por eleição
direta, né? Sempre.
Vera
Durão: Agora, Dilma, você não pode escapar dessa prisão desse presidencialismo
de coalizão apelando para os seus eleitores, para o povo? Como você está
fazendo agora?
Dilma:
É que nós vamos continuar isso. Vou continuar fazendo. Não tem mais como
recompor. Vou te falar, eu não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese
alguma.
http://www.tijolaco.com.br/blog/dilma-publica-nao-recomponho-governo-nos-termos-anteriores-em-hipotese-alguma/
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