Os
desafios e impasses desta difícil etapa de nossa história política colocaram
nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski uma decisão verdadeiramente crucial
para o destino da democracia brasileira.
Encarregado,
pela Constituição, de assumir a presidência do julgamento de Dilma Rousseff
pelo Senado Federal, caberá a Lewandowski assegurar o respeito ao pleno direito
de defesa, princípio fundamental que serve de linha divisória entre o Estado
Democrático de Direito e as lamentáveis versões de Estado de Exceção
construídas ao longo da história humana, numa sequencia deprimente de
excrescências político-jurídicas que nem vale a pena mencionar aqui.
Até
há pouco celebrado como abrigo de uma das mais recentes e progressistas
democracias construídas com sacrifícios reconhecidos na segunda metade do
século XX, o Brasil corre o risco imediato de transformar-se num vexame
político internacional, uma anacrônica república de bananeira, regressiva e
atrasada. Tudo vai depender do tratamento que for conferido ao mandato de uma
presidente que recebeu 54,5 milhões de votos em outubro de 2014 e agora corre o risco de ser afastada
definitivamente do seu posto em função de uma manobra de bastidores, um arranjo
sórdido às costas do eleitorado, para dar posse a um grupo de aventureiros sem
lastro popular e princípios que se modificam ao sabor das próprias
conveniências.
Não
cabe ao presidente do STF, naturalmente, definir se Dilma deve ser considerada
culpada das acusações que lhe tem sido feitas -- as mesmas que, se forem
levadas a sério, já deveriam ter sido partilhadas pelo sucessor ora interino, e
assim julgado na mesma hora e lugar. No momento devido, a decisão sobre Dilma
caberá aos 81 senadores, diz a Lei Maior. Também será partilhada,
indiretamente, pelos mais de 100 milhões de eleitores que, até o momento final,
terão o direito inalienável de tentar influenciar no resultado, como é natural
em toda democracia digna desse nome.
Cabe
ao presidente Ricardo Lewandowski assegurar que se cumpra o ritual capaz de
assegurar uma decisão onde as partes tenham direito ao contraditório, no qual o
espetáculo midiático não venha a substituir a indispensável serenidade para uma
decisão decente, fundamentada em fatos e provas -- e não num circo de
propaganda e pirotecnia.
Esta
é, na verdade, a ameaça real sobre o julgamento de Dilma: o risco de uma
sabotagem deliberada da democracia. Sem provas, seus adversários enfrentam o
risco de não reunir votos para levar o plano até o fim. Por isso têm pressa,
mesmo num plenário de um numeroso plantel de farrapos morais. Se a legislação
prevê o prazo máximo de 180 dias para o julgamento, uma maioria conjuntural
formada na Comissão Especial do Impeachment acaba de aprovar um prazo ridículo
de 60 dias. Se a previsão era dar palavra a 40 testemunhas, o que se pretende
agora é reduzir os depoimentos para 16. Não vamos nos enganar.
Aquilo
que pode parecer economia de tempo na verdade é uma forma de supressão de
direitos. Tenta-se impedir o debate, o esclarecimento, a dúvida. Não é difícil
entender por que. Assistimos a uma corrida contra o tempo, a uma tentativa de
sufoco, um esforço para proteger a versão do cirquinho midiático, na qual cada
vez menos gente acredita, como você comprova ao falar com seu vizinho,
perguntar no ônibus, discutir no almoço -- sem falar na mídia séria, que atende
pelo nome de New York Times, The Guardian, El País, Le Monde, Spiegel e,
infelizmente, sinal dos tempos, é mercadoria mais fácil de encontrar em língua
estrangeira. A verdadeira causa da pressa é o medo de uma avalanche, o
desmascaramento, revelador como os grampos em que os espertalhões de ar
moralista durante o dia confabulam à noite para safara-se de crimes e
responsabilidades.
Basta
olhar para as manifestações que servem de sinal para a vontade simples das
pessoas do povo, que ninguém convoca, nem dirige -- apenas se manifesta. É útil
perguntar às mulheres qual a causa de seu descontentamento. Aos artistas, por
que estão indignados. Aos jovens, particularmente estudantes, por que se
revoltam. Aos negros, por que estão inquietos. Aos trabalhadores, por que
voltaram a se mexer. Aos funcionários, por que promovem insurreições para
livrar-se de ministros ineptos.
Não
estamos falando de uma denúncia vulgar contra uma acusada comum, mas da
principal nação da América do Sul, que hospeda a sétima economia do mundo, com
o poder de gerar influencias -- saudáveis ou nocivas -- toda vez se movimenta,
numa direção ou outra. O mais recente ciclo de ditaduras sul-americanas, na
década de 1960, não teve início no Brasil, mas numa quartelada contra um
governo eleito do Peru. Mas foi a partir da tenebrosa experiência brasileira, a
segunda pela ordem cronológica, que a onda se ampliou, para se tornar um
pesadelo de duas décadas, decorado por cadáveres sem conta.
Basta olhar para o mapa de 2016 para
reconhecer que o mesmo jogo de dominó começa a ruir, com a infinita dor de toda
tragédia que atinge a vontade das maiorias.
A reconstrução de cada passo da crise que
colocou as instituições brasileiras a beira de um abismo aponta para várias
responsabilidades. O papel da oposição, incapaz de aceitar uma derrota nas
urnas, é essencial. Também não se pode diminuir a atuação do próprio governo
Dilma, incapaz de oferecer respostas coerentes ao longo do segundo mandato.
Como negar a atuação nefasta de um Congresso que entregou-se ao comando de uma
liderança como a do suíço Eduardo Cunha?
Mas
é justamente em situações desse tipo, quando incompetências se somam e se
multiplicam, que a Justiça pode mostrar seu lugar e seu papel. É muito razoável esperar que atue assim, numa postura que nada
tem a ver com heroísmo, mas com a capacidade de, humildemente, reconhecer as
próprias responsabilidades e assumir um lugar que, com frequência, está chamado
a desempenhar um papel em que se mostra insubstituível.
Há
dez anos no Supremo, com um diploma pela Escola de Sociologia e Política além
de todas as graduações e doutorados de Direito, Lewandowski foi colocado, aqui
e agora, diante do olhar sempre misterioso da História de um povo. Não é novato
na experiência. No início do julgamento da AP 470, ocorrido logo após sua
entrada no STF, cunhou uma frase inesquecível, ao dizer numa conversa pelo
telefone que os jornais e revistas haviam colocado "uma faca no
pescoço" de juízes que examinavam o caso.
Capaz
de assinar sentenças duríssimas, não temeu confrontar-se com Joaquim Barbosa
quando julgou necessário. Denunciou a aprovação de penas agravadas
artificialmente e demonstrou seu apreço
pelo princípio de todos são inocentes até que se prove o contrário ao aceitar o
pedido de embargos formulados pela defesa, numa conjuntura em que era mais
cômodo engrossar o coro que transforma cada recurso em chicana e manobra
indecorosa pela impunidade.
Num
país às voltas com medidas saneadoras da vida pública, Lewandowski foi ministro
que soube encaminhar, em demorada decisão no STF, a proibição de contribuições
eleitorais de empresas, matéria prima da corrupção política.
Quando
faltam dois meses para o fim de seu mandato na presidência do STF, Lewandowski enfrenta a situação que irá
definir seu lugar na vida dos brasileiros. As tristezas e dificuldades do
Brasil de 2016 lhe deram a responsabilidade de escolher entre civilização e
barbárie. É uma grande chance.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/236218/Contra-golpe-a-chance-de-Lewandowski.htm
2 comentários:
O BRASIL ESTÁ DESMORALIZADO POR CONTA DESTA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, que quer ACABAR COM OS RESTANTES DE NOSSAS ESTATAIS PARA ESCONDER SEUS CRIMES DE LESA PÁTRIA. SE ISSO ACONTECER, OS MAFIOSOS VENDERÃO A PREÇO DE "BANANA" DO FAZ DE CONTA, MAS NA VERDADE VÃO DIVIDIR ENTRE ELES O REAL VALOR. Sempre foi assim na república das bananas. O MUNDO TODO ESTÁ ESCANDALIZADO DE VER CAMUNDONGOS, RATOS E RATAZANAS, PREDADORES DAS RIQUEZAS NACIONAIS!
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