*Agradecimentos
ao Pedro Lopes pela ajuda com o texto.
Durante
todo o meu Ensino Fundamental e Médio, negro era um sinônimo de escravizado e
África era um País. Eu evitava falar que fulano era negro, porque era uma
palavra ofensiva. Eu mesmo me auto-declarava como branco, afinal, mesmo que eu
tivesse traços negros e cabelo crespo, ser negro era ruim. Lembro
particularmente de uma aula na terceira ou quarta série em que a professora
perguntou para cada aluno de quem descendiam.
por
Artur Santoro no HuffPost Brasil
Eu
estudei em um colégio particular tradicional de elite e era o único negro na
sala de aula (e, mesmo que eu não me visse assim na época, os meus colegas que
falavam do meu cabelo bombril claramente viam). Quando chegou a minha vez de
expor, eu estava envergonhado. Disse: italianos, portugueses e… africanos. Fui
o único que disse africanos e o fiz hesitando.
Pode
parecer um absurdo (e, de fato é), mas eu era uma criança que apenas havia
ouvido uma história sobre negros: a escravização. Pior, eu só tinha ouvido a
história sendo contado na perspectiva dos colonizadores. Eu fui ensinado que
negros eram pobres coitados que foram escravizados. Até ouvi falar dos
quilombos, mas eram detalhes que pouco importavam.
O
que foi o Quilombo de Palmares se resumia a uma daquelas nota de rodapé no
livro de história que ninguém lia ou lê. Em todo meu tempo na escola, as
pessoas negras apareciam nas mesmas representações de subserviência ao
colonizador e eu demorei anos para questionar algo que parece tão básico como:
“existe uma história de negros para além da escravização?”.
Com
a abolição em 13 de maio de 1888, o negro deixa de existir. Pelo menos, na
historiografia tradicional, é o que acontece. Como o negro é sempre retratado
como um sinônimo de escravizado, quando temos a abolição – mesmo que ineficaz,
afinal os negros continuaram às margens da estrutura social -, não existem mais
escravizados e, logo, não existe mais negro.
Posso
estar fazendo uma análise muito radical, mas pensem: o que nós aprendemos sobre
a história do negro no Brasil depois (ou até mesmo antes) da escravização? Ou
ainda, o que nós aprendemos sobre a escravização que não reitere uma imagem já
consolidada do escravizado como um coitado? Por que pouco se fala das tantas
formas de revolta de negros? Por que não se fala de como os colonizadores não
escolheram africanos aleatoriamente, pelo contrário, escolherem aqueles que já
tinham conhecimento e técnica de agricultura? Ou vocês acham que os europeus
davam workshops para ensinar os escravizados a trabalhar?
São
perguntas simples e iniciais, mas que rompem com a construção de uma
historiografia nacional. E temos que abandonar urgentemente a ideia de que a
história que nos é contada e ensinada é a única existente ou é a verdade
absoluta. No Brasil, em 1838, próximo ao fim da escravização, não por acaso,
foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O concurso mais
emblemático feito por esse instituto se tratava de premiar aquele que
apresentasse a melhor maneira de se contar a história do Brasil. Ou seja, entre
muitas histórias que estariam competindo, o que produzisse a “melhor” seria o
vencedor.
Desde
cedo, portanto, a história do País tem sido fabricada com o intuito de apagar a
história dos negros e criar uma história artificial em que os colonizadores
sejam enaltecidos e celebrados. Não à toa, pouco conhecemos heróis negros
nacionais, o único que lembramos facilmente é de Zumbi dos Palmares. Não existe
uma história do Brasil, existem histórias. E a que nos é contada insiste em ser
sempre a dos colonizadores.
Dia
13 de Maio de 1888. Para além da abolição da escravização mal feita, quando
professores de história desenham aquela linha do tempo em suas lousas, esse é o
ponto em que se deixa de falar de negros. Depois disso, não se ensina mais o
que aconteceu com esse contingente enorme de população brasileira. Temos, no
Brasil, a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana, mas que é mal aplicada e não devemos considerar o
mero estudo da escravização como parte do cumprimento dessa lei.
Ensinar
esse período sombrio da história é importante, mas precisamos urgentemente
rever as formas e sob quais perspectivas a escravização está sendo contada e
não apenas entender que se trata de um ponto frente a todas as histórias e
culturas negras no país.
Negro
não é um sinônimo de escravizado. As nossas histórias existem e resistem.
http://www.geledes.org.br/o-dia-em-que-os-negros-sairam-da-historia-do-brasil/#ixzz48wJ1fMK1
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