O Brasil inicia um novo
capítulo em sua História, mais uma vez sob um governo imposto pelas mesmas
forças que destronaram Dom Pedro II, mataram Getúlio e derrubaram Jango e
Dilma. E com o decisivo apoio da mesma imprensa golpista que, daqui a 50 anos,
provavelmente voltará a pedir desculpas por sua participação no processo. É um
governo sem nenhuma legitimidade, porque sem os votos do povo, de quem
"todo o poder emana", segundo a nossa esculhambada Constituição. E
sem apoio popular o governo Temer, pelos sinais emitidos antes mesmo de tomar
posse, não terá nenhum compromisso com as causas do povo, que pode assistir o
desmoronamento de todas as conquistas sociais obtidas nos governos Lula e
Dilma. E pior: pode vir a ser tratado com cassetete e balas de borracha,
conforme ameaça do novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que antes
mesmo de assumir a pasta classificou as recentes manifestações populares contra
o golpe como "atos de guerrilha", o que, segundo ele, transforma os
seus participantes em criminosos e como tal deverão ser tratados.
Na verdade, não se pode
esperar outro comportamento de um governo que foi construído sem voto mas com
conspirações, traições, hipocrisias, cinismos e sofismas. Os últimos sofismas,
já no último ato do golpe, ficaram por conta do senador Renan Calheiros,
presidente do Senado, e do ministro Teori Zavascki, ministro do Supremo
Tribunal Federal. Renan recusou-se a aceitar a anulação do processo de
impeachment na Câmara, decretada pelo seu presidente interino Waldir Maranhão,
e garantiu o seu prosseguimento no Senado, sob a alegação de que "nenhuma
decisão monocrática pode se sobrepor a uma decisão colegiada" de 367
deputados, enquanto ele própria decidia, monocraticamente, anular uma decisão
de 54 milhões de eleitores.
E o ministro Zavascki, ao
negar o recurso do Advogado Geral da União pedindo a anulação do processo,
alegou que o Supremo não podia interferir em atribuições do Legislativo. Mas
além de estabelecer o rito para o desenvolvimento do processo de impeachment no
Congresso o STF ainda afastou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Por acaso
isso não foi interferência no Poder Legislativo? Será que Renan e Teori
imaginam que todos os brasileiros são imbecis, como aqueles deputados que
gritaram, na votação do impeachment, "pela minha mãe, pelo meu filho que
vai nascer, pela minha tia que me criou"?
Não há dúvida de que o
presidente interino Michel Temer, por não ter legitimidade e também por ser
interino, terá sérias dificuldades para governar, sem condições para superar as
crises e solucionar os problemas do país, mesmo com o apoio dos congressistas
que aprovaram o golpe.
Até porque montou um
ministério que não representa a sociedade brasileira, sem mulheres e sem
negros. E ao transformar a escolha dos ministros num balcão de negócios em
busca de apoios, método tão criticado pela oposição e pela mídia quando
praticado por Dilma, acabou trazendo de volta, com algumas exceções,
praticamente o mesmo ministério do governo golpeado. Entre os "novos"
ministros estão Eliseu Padilha, Gilberto Kassab e Henrique Alves, além de
Romero Jucá, ex-líder do governo Dilma, e ex-integrantes do governo Lula, como
Henrique Meireles. Conclui-se daí que essa turma já poderia vir sabotando o
governo ao qual servia e conspirando para a sua queda, obviamente em favor de
Michel Temer que, por sua vez, ficou nas sombras comandando o processo que o
levaria por um atalho à Presidência. E ele conseguiu.
Os primeiros revezes de
Temer, no entanto, poderão surgir justamente por conta desse ministério, onde
pontificam sete nomes investigados, entre eles Romero Jucá e José Serra. O novo
ministro do Planejamento está sob investigação da Operação Lava-Jato, enquanto
o novo ministro das Relações Exteriores responde a processo, por improbidade
administrativa, na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. O processo de Serra,
referente a atos praticados no governo FHC, foi arquivado há oito anos por
determinação (adivinhem de quem!) do ministro Gilmar Mendes e recentemente
desarquivado por decisão do ministro Luis Barroso. Os dois novos ministros do
governo Temer poderão ter a sua posse anulada pelo STF caso solicitada pela
nova oposição, a exemplo do que aconteceu com o ex-presidente Lula, quando
nomeado para a Casa Civil de Dilma. Bastará que alguém ingresse com uma ação na
mais Alta Corte de Justiça, que terá dificuldade em negá-la. O que surpreende é
o silêncio da mídia em torno dos ministros sob investigação, o que a torna
conivente com Temer e com eles.
O fato é que, ilegítimo ou
não, existe um novo governo, a partir do qual é preciso pensar o futuro do
país. As perspectivas, porém, são bastante sombrias, considerando os sinais
emitidos pelo próprio Temer e pelos seus ministros, a começar pela ameaça de
repressão aos movimentos populares, o que já compromete a democracia. Embora o
novo Presidente, em seu pronunciamento oficial, tenha tentado tranquilizar o
povo com a garantia de que não mexerá nos programas sociais, poucos acreditaram
no que ouviram, já que a tal "ponte para o futuro" sinaliza o contrário.
E o novo ministro do
Planejamento já fala em auditoria em programas como o Bolsa Familia, o que
sugere uma preparação para os cortes. Ninguém tem dúvidas, por outro lado, de
que ele deverá deflagrar uma nova onda de privatizações, tendo como alvo
principal a Petrobrás e o pré-sal. Afinal, não parece ter sido mera
coincidência a escolha de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores,
justo ele que apresentou projeto abrindo o pré-sal para o capital estrangeiro.
E depois da notícia do wikileaks, de que Temer era informante dos Estados
Unidos, não será exagero pensar que sua indicação – que, aliás, contrariou o
seu partido, o PSDB – pode ter sido feita pelos americanos. Por via das
dúvidas, não custa esperar para ver os primeiros passos desse novo governo, que
de "novo" não tem nada.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/ribamarfonseca/232114/Novo-governo-oferece--perspectivas-sombrias.htm
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