A
história apertou o passo no país e quem não entender isso será atropelado pela
velocidade dos acontecimentos.
Esse
é um tempo em que jornais de hoje amanhecem falando de um remoto mundo de
ontem; tempo em que a tergiversação colide com a transparência; tempo em que
nenhum discurso faz mais sentido dissociado da tríade: ‘rua’, ‘resistência’ e
‘organização’.
As
sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.
De
um lado, os interesses da maioria da população; de outro, a coalizão da escória
parlamentar com o rentismo e a classe média fascista.
No
arremate desse enredo a mídia insufla a venezuelanização do Brasil.
Não
é sugestivo do lugar da Folha na história que a edição desta 2ª feira, por
exemplo, de hoje mostre Paulinho Boca festejado pelo 'povo' e Dilma cercada por
uma mosca?
Dilma
fez no 1º de Maio do Anhangabaú o melhor discurso de sua vida.
Sim,
Dilma incendiou um ato que começou morno e sem a presença de Lula. Como
explicar essa mutação que passou batida aos petizes da mídia pautados no
Anhangabaú para alimentar o golpe - de moscas, se possível - e não para fazer
jornalismo?
A
explicação está no acirramento de um conflito que Lula, Dilma, o PT e todas as
forças progressistas e democráticas resolveram encarar de frente, pelo simples
fato de que não fazê-lo seria trair o país, o povo e, sobretudo, a esperança na
construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo e
principal referência da luta pelo desenvolvimento no ocidente.
Todo
o discurso da Presidenta Dilma irradiou esse discernimento de que o seu governo
e mais que ele, o projeto que ele expressa só tem futuro se tiver o desassombro
de ser defendido na rua.
Foi
isso que Dilma fez ao levar seu governo à rua do 1º de Maio e lá anunciar um
aumento médio de 9% para o Bolsa Família, ademais de reafirmar a prorrogação do
Mais Médicos por três anos, corrigir a tabela do IR e adicionar mais 25 mil
contratações à linha do Minha Casa vinculada à autoconstrução dos movimentos.
Dilma
afrontou assim o martelete midiático do ‘país aos cacos’ , que lubrifica a
sociedade para a resignação diante do arrocho embutido na tese do golpe
‘saneador’.
Dilma
fez mais que isso ao acusar a sabotagem paralisante contra o seu governo, por
parte dos interesses que, derrotados quatro vezes no jogo democrático,
resolveram destruir a urna e pisotear seus escombros para chegar poder.
A
propaganda do jornalismo embarcado sonega esse traço central da encruzilhada
brasileira: a ofensiva golpista não é uma consequência da crise; ela é a crise
em ponto de fusão.
Em
outras palavras, ao contrário do que solfejam os violinistasdo golpe, não
existe uma ‘macroeconomia responsável’ (a do arrocho) que vai tirar o Brasil da
espiral descendente.
O
que existe é um acirramento da luta de classes, a exigir uma repactuação
política do país e do seu desenvolvimento. Algo que a plutocracia, a mídia, a
escória e o fascismo decidiram elidir por meio do golpe e através dele impor a
sua agenda ao país.
‘Eu
vou resistir’, disse Dilma ovacionada pela multidão no Anhangabaú que teve a
prerrogativa de participar desse pontapé da resistência de uma Presidenta que
passou a governar na rua, pela rua, com a rua.
Esse
é o requisito para mudar a correlação de forças e destravar as verdadeiras
reformas de que a sociedade e o desenvolvimento necessitam.
A
saber: reforma política, para capacitar a democracia a se impor ao mercado;
reforma tributária, para buscar a fatia da riqueza sonegada à expansão da
infraestrutura e dos serviços; reforma do sistema de comunicação, para permitir
o debate plural dos desafios brasileiros –que são poucos, nem se resolvem sem
ampla renegociação do desenvolvimento.
Quem
rumina desalento diante do gigantismo dessa tarefa menospreza o salto histórico
percorrido nos últimos meses.
Há
exatamente um ano, um outro comício do dia do trabalhador organizado no mesmo
Vale do Anhangabaú foi igualmente desdenhado pelo noticiário –e mesmo por uma
parte da esquerda.
Foi
tratado como mero evento retórico.
Um
ano depois, as ruas do Brasil já não dormem mais.
Um
ciclo de grandes mobilizações de massa está em curso no país.
Respira-se
a expectativa dos campos de batalha no amanhecer do confronto.
A
engrenagem capitalista puro-sangue escoiceia o chão do estábulo. Aguarda os
cavalariços do golpe que vem lhe trazer a liberdade para matar.
A
chance de que o embate resulte em uma sociedade melhor depende da determinação
progressista –acenada no discurso de Dilma-- de assumir a rédea das forças
xucras do mercado, para finalmente domá-las a favor do povo e da nação
brasileira.
O
golpe tornou quase inevitável isso que o ciclo do PT sempre adiou em favor de
soluções acomodatícias e avanços incrementais.
A
natureza ferozmente excludente de sua lógica revela os limites estreitos e
irredutíveis de uma parte da elite brasileira, da qual a mídia se fez
porta-voz.
No
1º de Maio do ano passado, Lula –ausente nesse por recomendação médica--
lembrou que a primeira universidade brasileira só foi construída em 1920.
Quatro
séculos depois do descobrimento.
Em
1507, em contrapartida, 15 anos depois de Colombo chegar à República
Dominicana, Santo Domingo já construía sua primeira universidade.
Tome-se
o ritmo de implantação do metrô em São Paulo, em duas décadas de poder tucano.
Compare-se
a extensão duas vezes maior da rede mexicana, ou a dianteira expressiva da rede
argentina e da chilena.
O
padrão não mudou.
Lula
criou 18 universidades em oito anos. A elite levou 420 anos para erguer a
primeira e Fernando Henrique Cardoso não fez nenhuma.
Há
lógica na assimetria.
Para
que serve uma universidade se não faz sentido ter projeto de nação; se a
industrialização será aquela que a ALCA rediviva permitir e se o pre-sal deve
ser entregue à Chevron?
O
que Lula estava querendo dizer ao povo do Anhangabaú, então, tinha muito a ver
com algo que agora assume nitidez desconcertante nos ‘planos’ do golpismo.
O
desenvolvimento brasileiro não pode depender de uma elite que dispensa ao
destino da nação e à sorte do seu desenvolvimento o mesmo descompromisso do
colonizador em relação aos povos oprimidos.
Uma
elite para a qual a soberania é um atentado ao mercado não reserva qualquer
espaço à principal tarefa do desenvolvimento, que é civilizar o mercado para
emancipar a sociedade e, portanto, universalizar direitos.
Reinventar
a soberania no Brasil do século XXI, portanto, implica vencer o golpe e seu
projeto de terceirização do Estado e do patrimônio nacional aos mercados.
A
devastação do mundo do trabalho e a supressão da cidadania social é a lógica
que move o golpismo e os homens-abutres frequentam seu bazar de ministérios.
O
que a elite preconiza nos salões onde se negocia o botim é de uma violência
inexcedível em regime democrático e muito provavelmente incompatível com ele.
É
como se uma gigantesca engrenagem cuidasse de tomar de volta tudo aquilo que
transgrediu os limites de uma democracia tolerada por ser apenas formal, mas
que o ciclo iniciado em 2003, com todas as suas limitações, desvirtuou em
direção a um resgate social transgressivo para o gosto da elite local.
No
lugar disso, o que se pretende instituir agora é um paradigma de eficiência
feito de desigualdade ascendente. A Constituição Cidadã de 1988 será retalhada.
Programas e políticas sociais destinadas a combater a pobreza e a desigualdade
de oportunidades serão evisceradas. O que restou da esfera pública,
privatizado. A riqueza estratégica do pré-sal e o impulso industrializante
contido na exigência de conteúdo nacional serão ofertados no altar dos ditpos
livres mercados (ou Chevron).
A
ambição implica regredir aquém do ciclo de redemocratização que subverteu o
capitalismo selvagemente antissocial da ditadura. Como disse Dilma no 1º de
Maio: lutamos hoje para preservar tudo o que conquistamos com a
redemocratização; mas também tudo o fizemos antes para ter a democracia de
volta’.
A
petulância chega a tal ponto que na véspera deste 1º de Maio, Michel Temer
afagou a bancada ruralista com uma promessa obscena: o golpe revisará todos os
decretos de desapropriação de glebas para reforma agrária e demarcações de
áreas indígenas assinados por Dilma nos últimos meses.
O
confronto é aberto.
Não
será vencido só com palavras.
No
1º de Maio de 2016, o presidente da CUT, Vagner Freitas chamou para a frente do
palco dirigentes da Intersindical e da CBT; chamou Gilmar, do MST; chamou
Boulos, do MTST, e outros tantos; e através deles convocou quase duas dezenas
de organizações presentes.
Vagner
apresentou ao Anhangabaú, então, a unidade simbólica da esquerda brasileira,
fixada em torno de uma linha vermelha a ser defendida com unhas e dentes: a
fronteira dos direitos, contra a direita; a da democracia, contra o golpe.
Premonitória,
sua iniciativa, já não basta mais para deter uma violência que agora marcha
ostensivamente para sua consumação.
A
defesa da agenda progressista hoje implica, ademais da unidade das direções,
promover a capilaridade da resistência popular.
Comitês
de resistência da vizinhança; comitês de resistência nos locais de trabalho;
comitês profissionais e sindicais; comitês de amigos; comitês de mães de
alunos; comitês por escola...
Sobretudo,
urge dotar essa capilaridade de uma prontidão articulada, exercida por uma
efetiva coordenação da frente progressista nascida no 1º de Maio de 2016.
Hoje
para afrontar o golpe; amanhã para vencer uma nova disputa presidencial, essa
rede da legalidade é a tarefa inadiável dos dias que correm.
Por
uma razão muito forte: sem ela o próximo 1º de Maio talvez encontre o Vale do
Anhangabaú cercado por tropas de um golpe vencedor.
O
Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja.
Quando
o extraordinário acontece na vida de uma nação é inútil reagir com as
ferramentas da rotina.
Hoje
a palavra organizar é sinônimo de resistir, assim como o substantivo ‘rua’
tornou-se equivalente ao verbo lutar.
As
lideranças populares não podem desperdiçar o significado histórico dessa
mutação
As
ruas do Brasil já não dormem mais, cabe às lideranças dotá-las de sonhos reais.
Do
site Carta Maior
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/05/dilma-ja-governa-com-rua-e-resistira.html?spref=tw
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