Caso a agenda do “fora
Temer” não for levada adiante, a esquerda e os progressistas sairão ainda mais
derrotados e mais desmoralizados desse processo do que já foram
Por Aldo Fornazieri, no
Jornal GGN
O governo Temer é a
expressão de um condomínio de corruptos que desfecharam o golpe de abril. A
batalha da “limpeza ética” revelou-se uma grande farsa para justificar o golpe.
O modus operandi dos golpistas, neste particular, não foi diferente dos
intentos contra Getúlio Vargas, contra Juscelino e contra Jango: o combate à
corrupção era apenas uma cortina de fumaça para assaltar o poder sem o respaldo
da soberania popular. Desta vez, o golpe parlamentar teve o aval de falsos
democratas e de oportunistas de toda a ordem. O PSDB, de avalista do golpe, se
tornou caudatário e caroneiro do mesmo.
Dos 23 ministros de Temer,
nove são citados em denúncias da Lava Jato. O próprio Temer foi alvo de várias
citações, acusado de ter recebido propinas. O movimento agora consiste em
abafar as investigações e construir uma aparência de moralidade e de
normalidade. O juiz Moro, depois de ter rasgado a Constituição, depois de ter
cometido uma série de arbitrariedades, depois de ter sido parcial e
antirrepublicano, agora pede um “apaziguamento” do Brasil. A verdade é que a
Operação Lava Jato agora funcionará a fogo baixo até sobrarem apenas cinzas.
Nem a mídia, nem Moro, nem ninguém fala mais de que se trata de uma operação
“Mãos Limpas” brasileira. Os tucanos e Aécio Neves continuam inimputáveis e com
salvo conduto: Gilmar Mendes devolveu o pedido de investigação de Aécio ao
procurador Rodrigo Janot. O Ministério Público, por sua vez, perdeu a verve e o
elã da cruzada moral e salvacionista que vinha promovendo. A paz dos hipócritas
e dos cínicos está decretada.
O ministério Temer é a
expressão da mentalidade machista e escravocrata que predomina na elite
brasileira. Ao nomear apenas homens brancos que cheiram o mofo da corrupção e
dos vícios da velha política, Temer pratica uma violência e uma discriminação
contra a principal força emergente do século XXI: as mulheres. São elas que
estão na vanguarda da luta por igualdade e justiça e, por consequência, por
humanidade e civilidade. Ao excluir os negros simboliza a exclusão e o
preconceito contra a maioria negra brasileira e contra os pobres. Em regra, ser
negro no Brasil é ser pobre e ser pobre é ser negro. Ser negro e pobre é viver
em risco, situação que se agravará sob esse governo de mentalidade machista e
escravocrata. Em síntese, o governo Temer é um governo contra as energias sociais
novas do Brasil, contra a pluralidade, a diversidade e multiculturalidade. É um
governo contra um futuro humano e civilizado do Brasil.
É também um governo contra a
cultura e contra o social. O Ministério da Cultura foi deletado. Os programas
sociais ficaram sem um abrigo ministerial. Temer e seus ministros dizem, no
imediato, que preservarão os programas sociais, mas já agem para atacá-los e
desmantelá-los. Já agem para atacar direitos sociais e trabalhistas, direitos
civis, direitos de minorias e direitos de liberdade, como sinalizou o novo
ministro da Justiça indicando que desencadeará uma onda repressiva. O
condomínio de corruptos que assaltou o poder agora fala em aumentar impostos e
em responsabilidade fiscal. Esse condomínio foi radicalmente contra o aumento
de impostos antes do golpe e apoiou todas as pautas-bomba de Eduardo Cunha, que
elevaram o gasto público, inviabilizando o governo. Esse governo jogará o peso
do ajuste fiscal nos ombros dos trabalhadores, pois na assembleia de condôminos
golpistas foi acertado que a Fiesp não pagaria o pato. Esse governo exasperará
o uso do Estado como instrumento de negócios privados e deprimirá a sua função
de promotor do bem público comum e da universalização de direitos.
Desorientação das esquerdas
Afastada Dilma da
presidência da República, as esquerdas vêm dando sinais de desorientação e de
falta de comando. Se é verdade que cada partido, cada movimento, cada
organização tem suas pautas específicas, é preciso uma palavra de ordem que
mantenha os progressistas, os democratas, os republicanos, as esquerdas e os
movimentos sociais e populares unidos. O que esses partidos e movimentos
defenderam e sustentam é que o governo Temer é fruto de um golpe e que se trata
de um governo ilegítimo. Ora, se esta é a verdade, não resta outra saída a não
ser organizar um grande movimento político e social, uma grande frente, em
torno da palavra de ordem “fora Temer”. Esta é a palavra de ordem da unidade.
Para além disso, cabe a cada partido e a cada organização defender sua visão
específica: diretas já, volta de Dilma, Constituinte, plebiscito etc.
Se o governo Temer é
golpista e ilegítimo, nenhuma negociação poderá ser tabulada com ele. A CUT não
poderá sentar-se com os ministros de Temer para negociar uma reforma da Previdência.
As bancadas de esquerda e progressistas no Congresso deverão dar-lhe combate
permanente. Os movimentos sociais deverão ocupar as ruas exigindo a renúncia de
Temer. Greves gerais deverão ser pensadas.
Caso a agenda do “fora
Temer” não for levada adiante, a esquerda e os progressistas sairão ainda mais
derrotados e mais desmoralizados desse processo do que já foram. O PT está no
epicentro deste problema. Comandou uma política de conciliação que fracassou.
Sustentou um governo incompetente. Adotou as mesmas práticas de financiamento
de campanha que os partidos da elite sempre usaram. Não se desculpou com a
sociedade, não reagiu com vigor ao golpe.
Foram o PSol, o PC do B e os
movimentos sociais que combateram o golpe com mais vigor e com mais coragem. O
PT precisa dizer se pensará apenas nas eleições municipais e em 2018 ou se se
colocará no leito da luta em curso em defesa da democracia, dos direitos e
contra o conservadorismo e a repressão. Claro que as eleições não podem ser
negligenciadas. Mas o fato é que existe uma guerra pendente, várias batalhas a
serem travadas. Existe também uma versão dos fatos, uma leitura da história em
disputa. Se o PT não fizer parte desta guerra, poderá ver-se sozinho em 2018. E
o mais grave, será condenado pela história.
Mas se o PT não travar esta
guerra, os progressistas, os movimentos sociais e os outros partidos de
esquerda precisarão travá-la. É deste combate que se decidirá se o futuro do
Brasil será mais ou menos pior do que é hoje. É deste combate que se dirá se a
sociedade será mais ou menos justa e igualitária, com mais ou menos direitos,
com mais ou menos bem estar e com mais ou menos dignidade.
Aldo Fornazieri é professor
da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
http://www.revistaforum.com.br/2016/05/16/aldo-fornazieri-o-fora-temer-e-a-desorientacao-da-esquerda/
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