sexta-feira, 6 de maio de 2016

A FARSA DO IMPEACHMENT. Por Célia Ladeira

O cenário é teatral, mais adequado a uma tragédia grega do que a uma comédia. Os tons são sóbrios e a cena se desenrola em dois planos: o maior, em que atores se situam como plateia, e um plano central, onde personagens conduzem o espetáculo, sentados numa longa mesa. A dúvida logo surge: o que se desenrola neste palco é mesmo uma tragédia? Nas tragédias gregas, o destino é traçado e o herói sofre sem culpa.

No caso em análise, o julgamento de Dilma Rousseff pelo Senado Federal, pode-se pensar que existem muitos elementos trágicos, em que a heroína é acusada de crime de responsabilidade. Como em toda tragédia, a peça conta a história de uma heroína, uma pessoa que ascendeu ao lugar mais alto de uma república. Os juízes também são qualificados. Enquanto o júri numa comédia grega era constituído por pessoas da plateia, na tragédia os juízes são nobres.

Quando, porém, se acompanha com mais cuidado o desenrolar da peça, logo se percebe que algo diferente acontece. Estaremos diante de uma tragédia ou de uma comédia? Na comédia, há um duelo verbal, com a participação do coro. No intervalo, o coro retira as máscaras e define suas posições. Filha bastarda da comédia, a farsa se caracteriza por um espetáculo cênico que adquire aspectos circenses. Nada é o que parece. Nem julgamento real, nem acusações. Só as máscaras dos personagens permanecem fixadas às faces.

Assim se desenrola o teatro do impeachment. Todos querem manter a máscara da seriedade, de um julgamento justo e baseado em evidências e indícios. Mas a farsa se apresenta, especialmente quando a personagem acusadora tira a sua máscara perante todos e afirma que ganhou dinheiro, um total de 45 mil reais, para fazer a denúncia, e ganhou de um partido adversário da presidente. Caos? Julgamento suspenso? Nada disso. Mantendo as máscaras bem afiveladas às faces, todos retomam seus lugares no teatro. O julgamento deve prosseguir.

Nova interrupção. Juízes em apoio à acusada, afirmam que o julgamento é uma farsa para um golpe parlamentar. Golpe? Quem falou esta palavra no meio do teatro? Um senador ameaça impedir: "aqui não se fala esta palavra". Outros o acompanham: isto não é um golpe, é o teatro do impeachment. "É importante que a população entenda que estamos envolvidos num julgamento sério", um terceiro afirma. Técnicos convidados a subir ao palco se sucedem, em busca das provas a favor e contra a heroína. Mas não há provas. Dívidas foram pagas, leis e decretos foram abonados pelo TCU e pelo próprio Congresso.

A peça enfrenta um impasse. Faltam provas. Ela não tem culpa de nada, diz um jurista convidado. Logo, outro juiz senador inventa a expressão mágica: ela deve ser condenada "pelo conjunto da obra". Uma obra política da qual muitos ali sentados participaram também, como aliados.

Mas a farsa deve continuar até o último ato. A heroína deve compreender que quem chega ao topo paga um preço muito alto para ali ficar. Muitos anos antes, no ano 44 antes de Cristo, um guerreiro sentiu o gosto da traição dos amigos e pagou com a vida por enfrentá-los. Caio Júlio Cesar, chefe militar e senador, foi assassinado por 60 membros do Senado, que o acusaram de governar de forma autoritária. Cercado por eles, Cesar caiu ao chão e todos o esfaquearam. Teve tempo para uma última frase: "até tu, Brutus?" César foi morto por haver desprezado a opinião dos seus adversários. Supõe-se que seus assassinos não tinham apenas motivos políticos, como também agiram por inveja e orgulho ferido.

A farsa no Senado brasileiro não terminará em sangue, mas a frase de César poderia se aplicar a muitos senadores. E se serve de consolo, a morte de César precipitou o fim da República, pegando os assassinos de surpresa. E Roma se tornou imperial um ano depois, com o apoio do povo contra os aristocratas que mataram o tribuno.

http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/230486/A-farsa-do-impeachment.htm

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