O cenário é teatral, mais
adequado a uma tragédia grega do que a uma comédia. Os tons são sóbrios e a
cena se desenrola em dois planos: o maior, em que atores se situam como
plateia, e um plano central, onde personagens conduzem o espetáculo, sentados
numa longa mesa. A dúvida logo surge: o que se desenrola neste palco é mesmo
uma tragédia? Nas tragédias gregas, o destino é traçado e o herói sofre sem
culpa.
No caso em análise, o
julgamento de Dilma Rousseff pelo Senado Federal, pode-se pensar que existem
muitos elementos trágicos, em que a heroína é acusada de crime de
responsabilidade. Como em toda tragédia, a peça conta a história de uma
heroína, uma pessoa que ascendeu ao lugar mais alto de uma república. Os juízes
também são qualificados. Enquanto o júri numa comédia grega era constituído por
pessoas da plateia, na tragédia os juízes são nobres.
Quando, porém, se acompanha
com mais cuidado o desenrolar da peça, logo se percebe que algo diferente
acontece. Estaremos diante de uma tragédia ou de uma comédia? Na comédia, há um
duelo verbal, com a participação do coro. No intervalo, o coro retira as
máscaras e define suas posições. Filha bastarda da comédia, a farsa se
caracteriza por um espetáculo cênico que adquire aspectos circenses. Nada é o
que parece. Nem julgamento real, nem acusações. Só as máscaras dos personagens
permanecem fixadas às faces.
Assim se desenrola o teatro
do impeachment. Todos querem manter a máscara da seriedade, de um julgamento
justo e baseado em evidências e indícios. Mas a farsa se apresenta,
especialmente quando a personagem acusadora tira a sua máscara perante todos e
afirma que ganhou dinheiro, um total de 45 mil reais, para fazer a denúncia, e
ganhou de um partido adversário da presidente. Caos? Julgamento suspenso? Nada
disso. Mantendo as máscaras bem afiveladas às faces, todos retomam seus lugares
no teatro. O julgamento deve prosseguir.
Nova interrupção. Juízes em
apoio à acusada, afirmam que o julgamento é uma farsa para um golpe
parlamentar. Golpe? Quem falou esta palavra no meio do teatro? Um senador
ameaça impedir: "aqui não se fala esta palavra". Outros o acompanham:
isto não é um golpe, é o teatro do impeachment. "É importante que a
população entenda que estamos envolvidos num julgamento sério", um
terceiro afirma. Técnicos convidados a subir ao palco se sucedem, em busca das
provas a favor e contra a heroína. Mas não há provas. Dívidas foram pagas, leis
e decretos foram abonados pelo TCU e pelo próprio Congresso.
A peça enfrenta um impasse.
Faltam provas. Ela não tem culpa de nada, diz um jurista convidado. Logo, outro
juiz senador inventa a expressão mágica: ela deve ser condenada "pelo
conjunto da obra". Uma obra política da qual muitos ali sentados
participaram também, como aliados.
Mas a farsa deve continuar
até o último ato. A heroína deve compreender que quem chega ao topo paga um
preço muito alto para ali ficar. Muitos anos antes, no ano 44 antes de Cristo,
um guerreiro sentiu o gosto da traição dos amigos e pagou com a vida por
enfrentá-los. Caio Júlio Cesar, chefe militar e senador, foi assassinado por 60
membros do Senado, que o acusaram de governar de forma autoritária. Cercado por
eles, Cesar caiu ao chão e todos o esfaquearam. Teve tempo para uma última
frase: "até tu, Brutus?" César foi morto por haver desprezado a
opinião dos seus adversários. Supõe-se que seus assassinos não tinham apenas
motivos políticos, como também agiram por inveja e orgulho ferido.
A farsa no Senado brasileiro
não terminará em sangue, mas a frase de César poderia se aplicar a muitos
senadores. E se serve de consolo, a morte de César precipitou o fim da
República, pegando os assassinos de surpresa. E Roma se tornou imperial um ano
depois, com o apoio do povo contra os aristocratas que mataram o tribuno.
http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/230486/A-farsa-do-impeachment.htm
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