Personagens
nefastos podem proporcionar ensinamentos úteis. Gilmar Mendes, em particular,
tem ajudado muito a abrir os olhos dos ingênuos que identificam a ideia
filosófica de Justiça com a máquina do Judiciário.
Muito
importante, com efeito, tem sido sua contribuição prática para a identificação
de um dos mais fortes sintomas da falta que o marxismo faz para boa parte da
esquerda brasileira: a ilusão a respeito da neutralidade do poder de Estado.
Com Gilmar, a opção preferencial pela direita e pelos mais crus interesses de
classe da burguesia é assumida com soberba desfaçatez. Senta em cima de
processos cujo andamento quer atrasar, debocha do ”bolivarismo”, agride com ira
concentrada os movimentos sociais etc.
Não
surpreende que ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (posto
antes ocupado por seu discípulo Toffoli), ele tenha atacado a tese de que o
impeachment é um golpe e criticado a atuação do advogado-geral da União José
Eduardo Cardozo: “Ele já veio várias vezes ao Supremo, fez sustentação oral,
não colheu êxito e continua com o discurso do golpe. Então o Supremo está
coonestando o golpe?”
Se
estiver, não seria a primeira vez. A sórdida tragicomédia parlamentar de 17 de
abril passado está demasiado recente, em nossa memória coletiva, para que
possamos admitir sem dificuldade que coisa pior já ocorreu no recinto do
Congresso. Mas pelo menos, todos os deputados puderam participar da sinistra
sessão em que uma manada composta de reacionários de choque, de malandros
engravatados e de energúmenos de várias modalidades (alguns exalando a chamada
“oligofrenia gospel”), comandados por um criminoso, abriu caminho para o
assalto ao mandato da presidente Dilma.
Ao
passo que no golpe parlamentar articulado pelo então presidente do Senado, Auro
de Moura Andrade no meio da sombria noite de 1º de abril de 1964, só puderam
comparecer 183 deputados e 29 senadores, num total de 475. Boa parte não
apareceu por motivos de força muito maior. (Na véspera o golpe militar havia
sido desfechado, abrindo a temporada das prisões em massa de sindicalistas e
militantes de partidos de esquerda).
A
cada qual sua responsabilidade. O general fascista Mourão Filho pelo menos
assumiu o risco, quando jogou sua tropa na estrada em 31 de março de 1964 para
atacar o Rio de Janeiro, de ser bombardeado por uma esquadrilha da FAB.
Infelizmente, o dispositivo militar de defesa da Constituição estava corroído
pela articulação golpista. Os oficiais legalistas não conseguiram decolar e as
tropas do I Exército, enviadas para deter Mourão, aderiram ao golpe. A
subversão reacionária deu certo. Mas o pior papel foi o de Auro de Moura
Andrade. Sem risco nenhum, salvo o de passar à história do Brasil como um reles
oportunista, ele convocou uma sessão de urgência do Congresso, que se estendeu
pela madrugada do dia 2 de abril de 1964.
Violando
escancaradamente o texto da Constituição, ele declarou vaga a presidência, a
despeito de João Goulart se encontrar em território nacional. Às duas da manhã,
sob indignados protestos dos deputados anti-golpistas, Moura Andrade entregou a
presidência a Ranieri Mazzili, presidente da Câmara. Em seguida, acompanhados
por Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do STF, os dois rumaram para o Palácio
do Planalto, em cujo 4º andar ainda se encontravam os deputados Waldir Pires e
Darci Ribeiro, bem como o general Nicolau Fico, três honrados defensores do
governo legítimo. Foi no 3º andar que ocorreu, em torno das 3:45, a posse de
Mazzili. Justificando sua participação na sinistra cerimônia, Moutinho da Costa
afirmou que se fazia necessária em momentos de crise a relativização das
garantias e dos princípios democráticos. Ao “tremendão” que do alto do STF
perguntou em tom intimidatório: “Então o Supremo está coonestando o golpe?”
permitimo-nos, data vênia, esclarecer que eufemismo não é argumento.
Justificar
um golpe, como ele faz, apelando para as “condições objetivas de
governabilidade” ou como seu predecessor Moutinho da Costa em 1964, para a
“necessária relativização dos princípios democráticos em situações de crise” dá
no mesmo. O nome deste “mesmo” é regime reacionário de exceção.
No site
Vermelho
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/05/a-fabrica-de-eufemismos-do-stf.html?spref=tw
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