Com
o advento da Lei 12.850/13 o termo “delação premiada” foi modificado para
“colaboração premiada”. Esta mudança não é mera questão de semântica e tem passado desapercebida pelo meio
jurídico, em grande parte.
Além
disso, a discussão está latente em razão da votação da Medida Provisória
703/15, a qual está no Congresso Nacional e vigorando, mas há debates calorosos
sobre mudanças na estrutura da colaboração.
Anteriormente,
a legislação falava-se em “delação”, ou seja, entregar o outro comparsa. O que
alguns chegam a cunhar de “antiético”, o que paradoxal, pois estabeleceria a
lógica de “ética criminosa”.
Importante
ressaltar que temos a possibilidade de acordos penais nos delitos de menor
potencial ofensivo, ou seja, transação penal nos Juizados Especiais (Lei
9.000/95) e nos delitos de maior potencial ofensivo, como no caso das
organizações criminosas (Lei 12.250/13) e algumas normas esparsas como crimes
contra a ordem econômica, ordem tributária e na Bolsa de Valores. Mas, não
temos nos crimes de médio potencial ofensivo, como furtos e roubos, e outros
mais comuns.
Contudo,
nada impede que estas “recompensas em matéria penal” sejam aplicadas nos crimes
de médio potencial ofensivo, como roubos e furtos, pois são medidas que
beneficiam o criminoso, logo pode ter interpretação extensiva, tanto pelo
direito penal, como pelo direito processual penal (artigo 3º do CPP).
Na
verdade a proposta de acordo penal acaba gerando mudança de paradigmas, pois
ainda prevalece o mito de que contraditório deve ser apenas o adversarial, e
não o consensual. Mas, a consensualidade também exige o contraditório, ou seja,
manifestar sobre a proposta. Afinal, ninguém é obrigado a aceitar acordos.
Esta
mudança de direito meramente punitivo para um direito penal com recompensas,
foi abordada por Jeremias Bentham, na obra: As recompensas em matéria penal.
Tradução Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio. São Paul, editora Rideel, ano 2007. Bentham é um dos
idealizadores da corrente de pensamento do utilitarismo.
Nesse
sentido cita-se trecho da obra nas páginas 76/77:
“Mas
se a recompensa, em vez de ser oferecida por uma lei geral, se deixa à
discrição do Magistrado e este a promete segundo creia necessário, cessa o
inconveniente, pois já não há segurança absoluta para o crime. A recompensa não
será prometida a um dos seus cúmplices, senão quando se desesperar de acertar
por algum outro meio e, por conseguinte, haverá sempre um intervalo em que todo
criminoso estará sujeito ao temor de cumprir a pena.
BECCARIA
condenou, sem exceção, toda recompensa que se conceda aos delatores, mas
examinando as suas razões, vê-se que o raciocínio se apóia unicamente nas
palavras traição e falsidade, ou seja, na desaprovação confusa entre elas.”
Os
acordos penais trazem resultados mais eficientes, menor tempo e menor custo,
mas para alguns, quanto mais longo o processo, mais aumentam o mercado de
trabalho e prescrições, logo há resistência a este paradigma de atuação
mediante acordo. Obviamente que é importante ter balizas objetivas para estes
acordos, para não se tornar uma feira de barganhas.
Considerando
também o pensamento dominante da Teoria da Defesa Social, visão de esquerda, de
que a finalidade do direito penal é a ressocialização (cura social) do
criminoso que foi condenado, deve-se admitir que a confissão deve ser um dos
elementos mais importantes para se aferir o desejo de ressocialização do criminoso.
Afinal,
na própria religião exige-se o
arrependimento e confissão dos pecados para a salvação. Oportunamente
que há corrente que entende que a ressocialização não pode ser imposta, mas é
um ato de vontade do apenado, funcionalismo penal de Roxin.
A
rigor, não existe reeducando, mas sim
apenado, pois não pode o Estado impor a “ressocialização”, mas apenas o
cumprimento da pena. Na verdade, a “ressocialização” é um pensamento de
esquerda decorrente da ideologia de “defesa social”. Alguns países como os
Estados Unidos não têm a ressocialização como função da pena, e diferenciam
dignidade humana no cumprimento da pena e ressocialização.
A
confissão atualmente no Código Penal é apenas uma atenuante, não pode reduzir a
pena abaixo do mínimo legal. Também não diferencia o Código Penal entre
confissão extrajudicial e confissão judicial. Logo, a “recompensa” é muito
pequena. No entanto, se de forma
analógica à delação a confissão, transformar-se em uma causa de diminuição da
pena, por exemplo, de 1/3 a 2/3 seria uma forma de agilizar o processo, uma vez
que a confissão afastaria a necessidade de instrução prolongada com oitivas de
testemunhas.
No
entanto, a jurisprudência tem resistido à aplicação da confissão como
colaboração premiada, e ainda equivoca-se na terminologia:
TJ-DF
- Apelação Criminal APR 20140510112339 (TJ-DF)
Data
de publicação: 09/11/2015
Ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO
SIMPLES. REJEIÇÃO. PRETENSÃO DE TRATAR A CONFISSÃO COMO DELAÇÃO PREMIADA.
IMPROCEDÊNCIA. COMPENSAÇÃO INTEGRAL ENTRE A CONFISSÃO ESPONTÂNEA E A
REINCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RÉU MULTIREINCIDENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Para
o reconhecimento da qualificadora prevista no inc. II do § 4º do art. 155 do
Código Penal , dispensável a realização de exame pericial quando presentes
outros elementos de convicção que atestem a sua ocorrência, inclusive por meio
da palavra da vítima e testemunhas. Precedentes. 2. Não há analogia entre
aconfissão espontânea e a delação premiada, pois são institutos com natureza
jurídica e finalidades diversas. 3. Inviável a compensação integral entre a
atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência quando o réu é
multireincidente. Equiparar o acusado reincidente ao multireincidente seria
violar o princípio constitucional da individualização das penas bem como o
princípio da proporcionalidade. Precedentes do colendo STJ. 4. Recurso
conhecido e NÃO PROVIDO.
A
Lei fala em “colaboração premiada” e não apenas em delação premiada, embora foque
mais nos requisitos desta, pois já era algo que existia anteriormente no
ordenamento jurídico. Ora, mas se o acusado pode “entregar” os demais
coautores, também pode ”entregar” a si próprio.
Por
oportuno transcreve-se o trecho do texto legal sobre a colaboração premiada:
Lei
12.850/13
.............................
Art.
4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la
por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa
colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I
- a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e
das infrações penais por eles praticadas;
II
- a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização
criminosa;
III
- a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa;
IV
- a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa;
V
- a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
§
1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade
do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
§
2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a
qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a
manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz
pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não
tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28
do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
Como
as penas no Brasil são, em regra, fixadas no mínimo legal, então não há
interesse dos réus em confessar. Notadamente pelo fato de que no Brasil não
existe o crime de perjúrio (mentir em juízo), o qual já existe em países como
França, Alemanha, Estados Unidos e outros.
Mas,
não existe crime de perjúrio em países como Itália, Espanha e Portugal, pois
prevalece a ideologia de esquerda nestes países, ou seja, de vitimismo e
coitadismo penal, o réu é uma vítima da sociedade e do Estado, não sendo
responsável pelos atos, logo o crime
para eles é um fato externo á vontade do réu, por uma “imposição”
social.
Por
exemplo, na própria audiência de custódia o Ministério Público já poderia
oferecer a denúncia e o réu ser citado, podendo confessar o delito e já ter a
redução da pena. Logo, o julgamento seria em 24 horas,ou seja, julgamento em
prazo razoável.
Atualmente,
o maior problema na seara penal é a dificuldade de pautas de audiências de
instrução em razão de se ter colocado o interrogatório do acusado ao final da
instrução a partir de 2008, o que tem gerado o caos e a impunidade, o que
aumenta o número de crimes cometidos a mais em razão da impunidade. O que gera
crime não é desigualdade social, mas impunidade, embora o pensamento
predominante de esquerda sustente o contrário.
Obviamente
que esta confissão teria que ter alguns
requisitos:
1)
Ser feita antes do oferecimento da denúncia,ou do recebimento, ou antes da
instrução do processo, pois se ao final do processo não teria sentido de
utilidade.
2)
Ser aceita pelo Ministério Público e homologada pelo juiz, com assistência
efetiva de um advogado.
3)
Que seja uma confissão útil, pois não precisa de uma confissão em um delito que
foi filmado por câmeras.
4)
A confissão deveria ser em relação aos fatos, podendo incluir, ou não, o tipo
penal e a pena n acordo, sendo
feito em audiência judicial específica
ou em acordo extrajudicial, com presença do advogado, remetido ao juiz.
5)
Na própria audiência de custódia o
acusado já poderia confessar os fatos, o Promotor oferecer a denúncia e o juiz
aplicar a pena. Seria um processo que cumprira o mandamento constitucional de
“duração em prazo razoável”. Certamente setores questionarão esta agilidade,
mas o acusado poderia recusar o acordo.
6)
Importante exigir que haja uma denúncia
para que o acusado tenha ciência dos fatos, isto evitaria muitos
problemas observados na transação penal em que há uma certa banalização, embora
ali não assuma culpa, por previsão legal.
7)
No caso da confissão estaria seria reconhecimento de culpa, similar ao sistema
alemão (absprache) e ao italiano (pattegiamento), os quais são diferentes do
plea bargaining norte americano. No modelo europeu o poder do Ministério
Público é menor, pois não pode negociar tipos penais e exige fundamentação, já
no norte-americano pode negociar até o tipo penal (mudando-o sem conexão real
com os fatos) e também não exige fundamentação.
8)
Nada impede que o juiz absolva sumariamente
mesmo com acordo de confissão, caso entenda que o fato é atípico ou está
prescrito,pois isto é controle de legalidade e não de conveniência.
9)
Se a colaboração premiada pode ser usada nos crimes de maior potencial
ofensivo, como organização criminosa, também pode ser usado para delitos de
média complexidade, pois a interpretação extensiva neste caso é apropriada.
Por
fim, ressaltamos que precisamos debater mais sobre a confissão judicial como
colaboração premiada, bem como sua aplicação para os delitos de médio potencial
ofensivo, o que assegura um processo em duração razoável e ainda destaca que a
confissão é a base para iniciar eventual ressocialização e arrependimento pela
delito e vida criminosa.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-mai-08/andre-melo-confissao-especie-colaboracao-premiada
Nenhum comentário:
Postar um comentário