A
sucessão hereditária é um natural complemento do Direito de Propriedade que se
projeta post mortem, ou seja, é também uma das formas de transmissão de
propriedade, um consectário lógico do conceito de propriedade privada no
sistema capitalista. O conjunto de bens e direitos deixados por uma pessoa que
morreu denomina-se herança e engloba todo o patrimônio do de cujus, ativos e
passivos. A sucessão hereditária pode ser legítima (em virtude da lei) ou
testamentária. Seja como for, a maneira de se transmiti-la é sempre pela via de
inventário, judicial ou extrajudicial. As regras sobre sucessões encontram-se
no Código Civil, mas as regras sobre a forma de sua transmissão, isto é, como
se faz inventário e partilha estão no Código de Processo Civil. O processo de
inventário é também um importante ritual de passagem, que além de resolver
questões práticas ajuda na elaboração do luto (cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha.
Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva, p. 415 e
626).
O
CPC-2015 tratou de inventário e partilha nos capítulos VI, VII, VIII e IX, que
vão dos artigos 610 a 692. Estabeleceu regras para o cumprimento do testamento
e codicilos (artigos 735 a 732), dos bens de ausentes e das coisas vagas
(artigos 744 a 746). Ou seja, são quase cem artigos, muito semelhantes ao
CPC-1973, que foram muito tímidos em relação aos procedimentos da sucessão
hereditária, que precisava de regras mais eficazes para ajudar a encurtar o
longo prazo dos processos judiciais dessa natureza.
Os
inventários e as partilhas, com ou sem testamento, com muitos ou poucos bens,
continuam sendo um problema para os herdeiros e também para os advogados, pois
sempre somos responsabilizados pela sua morosidade. Mesmo consensual e simples,
duram em média um ano. Se litigioso, de dez a 20 anos. Uma eternidade!
Certamente o CPC-2015, mesmo que quisesse, não traria uma fórmula mágica para
esse inadmissível imbróglio processual. No entanto, perdeu uma boa oportunidade
de melhorar em vários aspectos. Por exemplo, ao incorporar em seu texto a Lei
11.441/2007, que já autorizava inventários extrajudiciais, poderia ter ampliado
o seu leque para permitir que, mesmo com testamento, o inventário poderia ser
feito em cartório, se as partes fossem todas capazes e estiverem de acordo.
Teria sido um pequeno avanço, mas ajudaria a desafogar o Judiciário. Há
esperança de que isso aconteça se o Conselho Nacional de Justiça tiver a
coragem de estabelecer atos normativos que viabilizem tal prática, como já
requerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e entidades
representativas de cartórios. Simplificaria bastante se o testamento, uma vez
aprovado pelo Judiciário, pudesse ser feito em cartório.
Embora
o CPC não seja o instrumento mais adequado para fazer alterações e evoluções
das disposições de última vontade, poderia ter simplificado o procedimento de
aprovação de testamentos. O CPC-2015 tratou em três artigos de testamentos
(735,736 e 737), praticamente repetindo o que dizia o CPC-1973. Aliás, o
testamento público não deveria precisar de aprovação do Judiciário, já que é
lavrado em Cartório de Notas, que tem fé pública. Deveriam ser levados ao
Judiciário apenas os testamentos públicos ou particulares, se fosse levantada
alguma dúvida ou questionamento sobre eles. Ou seja, deveriam ser considerados
válidos até que se prove o contrário. Porém, em termos de testamento, temos
ainda muito a avançar. Tudo seria muito mais simples se a tecnologia fosse mais
utilizada. Se as principais dúvidas que surgem sobre o testamento giram em
torno de seu conteúdo, e se ele realmente traduz a última vontade do testador,
deveriam ser ampliadas suas formas para ser possível o videotestamento. Nada
melhor, mais autêntico e verdadeiro para traduzir a vontade de alguém do que
expressá-la em áudio e vídeo. Afinal, a tecnologia está aí para isso, e o
CPC-2015 poderia tê-la melhor absorvido.
Inventário
é o procedimento obrigatório para atribuição legal aos sucessores do falecido,
que se conclui com a respectiva partilha dos bens hereditários. O CPC-2015
manteve o prazo de dois meses (artigo 611) para sua instauração e finalização
em 12 meses. Na prática, dificilmente isso acontece. Qualquer questionamento em
um processo de inventário o faz durar muitos e muitos anos. E o prazo para o
seu início não tem uma sanção, a não serem os tributos que aumentam
significativamente na medida em que o tempo passa, de acordo com as normas de
cada estado da federação. Não há mais menção a abertura do inventário de
ofício, ou seja, pelo próprio juiz, como era previsto no CPC-1973 (artigo 989);
o leque de inventariantes ampliou e pode ser inclusive o herdeiro menor, por
seu representante legal (artigo 617).
E
agora, o inventariante pode ser removido de ofício, e não apenas a requerimento
da parte interessada como era antes (artigo 622). O rito procedimental continua
sendo o comum (artigo 611 e seguintes) e a única novidade está no parágrafo 2°
do artigo 620, que facilitou um pouco a forma de prestar as primeiras
declarações ao estabelecer que elas “podem ser prestadas mediante petição,
firmada por procurador com poderes especiais, à qual o termo se reportará”.
Manteve-se também o rito sumário, isto é, o arrolamento sumário (artigo 659 e
seguintes) para bens de valor até mil salários mínimos (artigo 664), quando
todos os herdeiros são capazes e estão de acordo. Deveria incluir-se nessa
regra os incapazes, pois esses, muito mais do que herdeiros capazes, precisam
de celeridade, e a jurisprudência já vinha autorizando o rito do arrolamento
sumário com a presença de incapazes. A cumulação de inventários teve uma
pequena modificação ao estabelecer no parágrafo único do artigo 672 a
discricionariedade do juiz para ampliar o leque dos casos de cumulação de
inventários, além dos expressamente previstos, ou seja, heranças deixadas pelos
dois cônjuges ou companheiros (artigo 672, I e II).
Inventário
e partilha é um dos procedimentos mais simples e ao mesmo tempo um dos mais
engessados. Avaliações, pagamento de impostos, perícias, divergências entre
herdeiros, inclusive sobre qual quinhão ficará para quem, faz levar anos e às
vezes décadas de litígio. E o CPC-2015 não trouxe solução para isso, e nem
poderia, até porque as questões que envolvem os inventários não são apenas da
ordem da objetividade. A maior dificuldade está na subjetividade que permeia
aquela relação de amor e ódio. No entanto, trouxe uma inovação importante ao
estabelecer em seu artigo 647 a possibilidade de o juiz deferir antecipadamente
a qualquer herdeiro o exercício dos direitos de usufruir de determinado bem,
com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse
herdeiro. Trata-se, portanto, de uma tutela de evidência (artigo 294), que é
uma novidade em matéria de processo de inventário. É uma tutela antecipada, que
não está atrelada ao periculum in mora, mas diante de um direito material que
se mostra evidente. Essa é a principal inovação processual para inventários e
partilhas. Pode ser uma esperança de desatar alguns nós nesses eternos e
inexplicáveis processos litigiosos em que, naturalmente, a parte menos
favorecida é sempre a mais prejudicada.
É
esperança também para a diminuição do tempo do litígio, se os advogados
atentarem para a regra geral do CPC-2015 que criou “os negócios jurídicos
processuais” (artigo 190 e 191), possibilitando aos sujeitos processuais
flexibilizarem o procedimento, com diminuição de prazos, fazendo modificação na
forma e no conteúdo do ato processual anterior, estabelecerem regras
particulares para aquele processo. Além disso, se as partes tiverem o bom senso
e permitirem que o espírito da mediação e conciliação pairem sobre elas, a
esperança da solução do litígio ficará ainda maior.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-abr-10/processo-familiar-direito-sucessoes-tutela-evidencia-cpc
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