Algumas
questões vitais sobre a tentativa de golpe contra Dilma Rousseff que serão
tratadas nas próximas semanas foram submetidas a um dos maiores juristas brasileiros.
Do lado dos golpistas, está a “jurista” Janaína Pachoal opinando. Do lado dos
legalistas, temos o doutor Dalmo de Abreu Dallari, 84 anos, professor da USP e
da Unesco, autor de obras estudadas nos principais cursos de Direito do país e
do exterior – ele também leciona na Universidade de Paris. Dallari falou ao
Blog da Cidadania nesta sexta-feira.
*
Blog
da Cidadania – O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, vem sinalizando
que, em caso de condenação da presidente Dilma no processo de impeachment
aberto pela Câmara dos Deputados, o governo recorrerá ao Supremo Tribunal
Federal. Os adeptos da tese do impeachment, porém, pregam que o STF não pode
discutir o mérito da matéria, mas, tão-somente, tecnicalidades referentes à
condução do processo pela Câmara. Como o senhor vê essa questão?
Dalmo
Dallari – É muito importante colocar as coisas nos devidos termos, porque,
quando se fala em mérito, muita gente imagina que é discutir a conveniência
política [do processo de impeachment], mas mérito é muito mais do que isso.
Discutir o mérito é verificar, além das formalidades, verificar o conteúdo,
verificar a consistência [do processo] com os princípios e normas
constitucionais.
A
Constituição, além da forma escrita, ela consagra princípios éticos e jurídicos.
Assim, além da verificação do mérito, implica isso também, verificar se [o
processo] é compatível com a caracterização de um Estado Democrático de
Direito. É uma questão de mérito. Então, aí, sim, o Supremo Tribunal Federal é
competente para verificar [o mérito], porque quando a Constituição diz que ele,
STF, tem a função precípua – é o que está escrito no artigo 102 – de guarda da
Constituição, não é, apenas, a verificação de formalidade, é verificar se os
princípios fundamentais – e, especialmente, a proclamação do Brasil como Estado
Democrático de Direito – estão sendo respeitados.
Então,
o Supremo pode e deve ir muito além das formalidades para a conciliação de
mérito nesse sentido mais amplo.
Blog
da Cidadania – Doutor Dalmo, ao mesmo tempo nós temos uma outra questão
interessante que é a recente decisão do procurador-geral da República de pedir
anulação da nomeação do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil.
Nesse contexto, que propor que o senhor comente, também, algumas excentricidades
na visão do doutor Rodrigo Janot. Uma delas, a de que Lula poderia ser nomeado
ministro, porém sem direito a “foro privilegiado”.
Dalmo
Dallari – Eu examinei as declarações do procurador-geral da República e
considero sua decisão absolutamente inconsistente e puramente, exclusivamente
política, sem nenhuma consistência jurídica. Ele não indica qualquer
ilegalidade na nomeação do ex-presidente Lula. Assim como na remessa da minuta
de posse. Ele só diz que [a nomeação de Lula] “foge à normalidade”, mas não diz
que há uma ilegalidade.
Agora,
no tocante à indicação do ex-presidente Lula como ministro, ele tampouco
levanta dúvida quanto à legalidade, porque, na verdade, a escolha do ministro é
um direito do presidente da República. Ele tem liberdade plena de escolher um
cidadão brasileiro no gozo dos seus direitos políticos e o Lula é exatamente
esse tipo de pessoa, é um cidadão brasileiro no pleno gozo dos seus direitos
políticos.
Repito:
eu verifique isso [se o procurador aponta em seu documento ao STF que
ilegalidade foi cometida] e ele não aponta uma única ilegalidade. Só tem essa
afirmação de que [a nomeação de Lula] seria um “artifício para impedir a
punição”, uma afirmação totalmente absurda porque, empossado ministro, Lula
continua a ser processado.
A
única mudança é o juiz competente: em vez de ser um juiz de primeira instância,
será um juiz de tribunal superior. Mas o processo continua normalmente, de
maneira que não há nenhuma ilegalidade. De maneira que continuamos na mesma
impossibilidade de [o procurador-geral] indicar algum ato, alguma situação
ilegal que possa justificar o impeachment ficam inventando artifícios,
simulações. É, na verdade, um faz-de-conta jurídico que não tem nada de
jurídico. É uma ação pura e exclusivamente política sem nenhuma consistência
jurídica. Essa é a minha conclusão.
Blog
da Cidadania – Os defensores do impeachment alegam que o processo de
impedimento de um presidente pelo Parlamento é “político”, de modo que, mesmo
não havendo crime de responsabilidade, a perda de confiança da sociedade na
presidente – e a tal “perda de confiança” que essas pessoas alegam se baseia em
pesquisas de opinião, que não têm valor jurídico – justificaria a derrubada do
governo. Seria como o “recall” existente no presidencialismo norte-americano ou
o “voto de desconfiança” do parlamentarismo. Existe isso no arcabouço
jurídico-constitucional brasileiro? O impeachment pode ser usado dessa forma ou
ele requer crime de responsabilidade?
Dalmo
Dallari – Sem dúvida alguma, o impeachment é um ato político, tem significação
política, tem consequências políticas, mas, de acordo com a Constituição
brasileira, é um ato ju-rí-di-co. E um ato jurídico sujeito a regras severas, a
regras específicas, claramente enunciadas na própria Constituição, de maneira
que nosso modelo de impeachment tem efeitos políticos, tem significado
político, mas, para ter validade, tem que atender a requisitos jurídicos.
Senão, será, efetivamente, um golpe.
Blog
da Cidadania – Para finalizar, como o senhor vê essas propostas sobre
convocação de “eleições gerais” para abreviar o mandato constitucional de Dilma
Rousseff.
Dalmo
Dallari – É uma dessas propostas sem pé nem cabeça. A Constituição prevê
estritamente a duração dos mandatos. Querem criar uma regra específica para um
governo legitimamente eleito e com base em quê, em pesquisas de opinião? Feitas
por quem, por empresas privadas? E sem valor legal…
Então,
uma eventual “eleição geral” demandaria uma reforma da Constituição, uma emenda
constitucional. Só não sei o que iriam escrever na lei…
Escreveriam
que governos com baixo desempenho em pesquisas de opinião devem ter a duração
abreviada? Quais são os institutos de pesquisa que seriam nomeados na
Constituição reformulada, aos quais seria dada a prerrogativa de derrubar
governos?
http://www.blogdacidadania.com.br/2016/04/dalmo-dallari-acusa-rodrigo-janot-de-atuar-politicamente-contra-lula/
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