O senador Antonio Anastasia
(PSDB-MG) foi posto em um dilema ao ser escolhido relator da comissão de
impeachment no Senado.
Encarregado de analisar as
acusações que pesam contra a presidenta Dilma Rousseff sobre as chamadas
“pedaladas fiscais”, o tucano corre o risco de admitir que cometeu crime
durante o período em que foi governador de Minas Gerais.
Pois, nesse período,
praticou atos idênticos aos que constam na peça acusatória da presidenta.
Entre 2011 e 2014, foram
editados 972 decretos de suplementação orçamentária.
É o que atestam relatórios
do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG).
Segundo os documentos, mesmo
sem cumprir as metas fiscais estabelecidas nas Leis de Diretrizes Orçamentárias
(LDOs) de 2011, 2012 e 2013, o então governador editou decretos de
suplementações orçamentárias para aumento de despesas primárias. Exatamente o
mesmo expediente adotado pelo governo federal.
É o que o líder do bloco
Minas Melhor da Assembleia de Minas Gerais, deputado Rogério Correia (PT),
apresentará ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ), em reunião no Senado às 11h
desta quinta-feira (28). No encontro, o parlamentar mineiro apresentará
documentos.
Pedaladas gerais
A diferença primordial entre
as medidas adotadas pelo governo federal e o Executivo mineiro na gestão de
Antonio Anastasia fica por conta dos valores.
Enquanto a acusação contra a
presidente Dilma Rousseff se refere a seis decretos de 2015 que somam R$ 2,5
bilhões, os de Anastasia somam, em apenas três anos, R$ 63,3 bilhões.
Apenas as suplementações
orçamentárias que levam em conta o “excesso de arrecadação”, mesmo com o
descumprimento das metas fiscais, somaram R$ 6,4 bilhões.
Em 2011, o orçamento
previsto era de R$ 44,9 bilhões, com autorização para aumento de gastos até 18,5%
a partir de outubro (10% antes disso).
Segundo relatório do TCE-MG,
neste ano “os créditos suplementares totalizaram, em valores brutos, R$ 18,285
bilhões”. “Desse montante, R$ 6,221 bilhões oneraram o percentual de 18,5%. O
restante dos créditos suplementares – R$ 12,063 bilhões – foi aberto para
atender os créditos excluídos do percentual autorizado”, acrescenta o
documento.
O mesmo ocorre nos anos
seguintes. Em 2012, com orçamento previsto de R$ 51,4 bilhões e autorização
para suplementações que onerem os gastos em até 10%, o Executivo estadual
editou decretos que somam R$ 22,5 bilhões. Valor quase igual aos R$ 22,4
bilhões de 2013, quando foram previstas receitas de R$ 68,1 bilhões – e os
mesmos 10% de possibilidade de suplementações que aumentassem gastos.
Vale ressaltar que os
limites foram ultrapassados em todos estes anos mesmo com as leis orçamentárias
excluindo do aumento de gastos as despesas com pessoal e encargos sociais,
dotações referentes ao pagamento da dívida pública, gastos com recursos
vinculados e diretamente arrecadados, despesas com precatórios e sentenças
judiciais, créditos para reserva de contingência e contrapartidas de convênios
e recursos constitucionalmente vinculados aos municípios.
Apropriação de recursos previdenciários
Enquanto Dilma é acusada de
ter atrasado repasses a bancos federais, o governo mineiro, sob a gestão do
hoje senador Antonio Anastasia se apropriou definitivamente de recursos
previdenciários dos servidores públicos estaduais. Isto foi feito por meio da Lei
Complementar 131, sancionada pelo então governador em 6 de dezembro de 2013.
Por meio do texto, o
Executivo extinguiu o superavitário Fundo de Previdência do Estado de Minas
Gerais (Funpemg) e se apropriou dos mais de R$ 3 bilhões que estavam em suas contas.
Os recursos foram usados
para integrar o deficitário Fundo Financeiro de Previdência (Funfip), no qual o
governo era obrigado a fazer aportes mensais de R$ 700 milhões. O deficit do
Funfip, na ocasião, ultrapassava R$ 8 bilhões.
Investimentos mínimos constitucionais
As “pedaladas” cometidas
pelo relator da comissão de impeachment do Senado vão além.
Em abril de 2012, o então
governador de Minas firmou com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) o
chamado Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), por meio do qual a corte de
contas admitiu que o Executivo aumentasse gradativamente os investimentos em
Saúde e Educação, já que não estavam sendo cumpridos os mínimos constitucionais
de 12% e 25%, respectivamente.
O acordo levou o Ministério
Público Estadual (MPE) de Minas a entrar, ainda em 2012, com ação na Justiça
para anular o TAG. “Importante destacar que, em exercícios anteriores, o mesmo
Tribunal de Contas do Estado, nos processos anuais de aprovação de contas de
Governadores, já apontava para a necessidade de cumprimento dos índices
constitucionais”, afirma a ação civil pública, citando documentos da corte de
contas.
“Determinadas despesas, como
repasses financeiros para a COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) ou
pagamentos de natureza previdenciária, são comumente relacionados, anualmente,
como se fossem gastos com saúde ou educação, respectivamente, gerando
inevitável discussão jurídica a respeito de tal possibilidade”, acrescenta o
MPE.
Suspeição
O senador Anastasia é membro
do partido derrotado nas últimas eleições. Mais que isso, um partido que desde
o primeiro momento se mostrou inconformado.
Apenas quatro dias depois do
segundo turno das eleições presidenciais de 2014, o PSDB solicitou uma auditoria
das urnas. Este foi o primeiro ato do PSDB de contestação e inconformidade ao
resultado do pleito. Um ano depois o partido admitiu que não houve fraude.
Em dezembro de 2014, a sigla
protocolou no TSE um pedido de cassação do registro da candidatura e da
diplomação de Dilma Rousseff e, do seu vice, Michel Temer. Foram além, pediram
também que o tribunal diplomasse os candidatos derrotados, Aécio Neves e
Aloysio Nunes.
Sem sucesso, os derrotados
passaram a apostar no quanto pior melhor. Dificultaram o andamento dos
trabalhos legislativos no Congresso Nacional e, mais tarde, quando o presidente
da Câmara, Eduardo Cunha, declarou que não fazia mais parte da base do Governo,
membros do partido apoiaram as pautas-bombas de Cunha com o nítido interesse de
prejudicar o Executivo.
Flávio Henrique Costa
Pereira, advogado do PSDB, é um dos que assinam o pedido de impeachment com os
juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior, e a advogada Janaina Paschoal.
O PSDB sempre teve posição
pública e prévia sobre o processo de impeachment, é adversário declarado da
presidenta e tem evidente interesse no desfecho da votação.
Lava Jato
Além dos vícios mencionados,
há de se levar em conta também o interesse no fim da Operação Lava Jato e do
combate à corrupção. O desejo no impeachment da presidenta Dilma também é o
desejo, por parte de muitos políticos investigados por corrupção, de que as
investigações sejam paralisados e diversos inquéritos sejam arquivados para
salvar corruptos e corruptores.
O senador Antonio Anastasia
recebeu, na eleição de 2014, doações de empreiteiras e de um banco citados na
Operação Lava Jato. Foi dele a campanha mais cara do país entre todos os
candidatos ao Senado em 2014, com R$ 18,1 milhões em doações.
A campanha de Anastasia
arrecadou R$ 2 milhões das empreiteiras Andrade Gutierrez, UTC, OAS, Odebrecht,
Queiroz Galvão e do banco BTG Pactual, todos citados na Lava Jato. Só o BTG
Pactual doou R$ 1 milhão diretamente ao seu comitê.
Outra coincidência também é
que quatro das empreiteiras citadas acima construíram a Cidade Administrativa
do governo de Minas Gerais, com o custo de mais de R$ 1 bilhão.
Anastasia chegou a ser
incluído em um dos inquéritos da operação, por suspeita de lavagem de dinheiro.
A investigação foi aberta em março de 2015 porque o policial federal Jayme
Alves de Oliveira Filho havia dito em depoimento que entregara, em 2010, a
mando do doleiro Alberto Youssef, R$ 1 milhão a uma pessoa que parecia ser o
senador.
Sete meses depois, o
inquérito foi arquivado pelo ministro Teori Zavascki, do STF. O magistrado
acolheu pedido da Procuradoria Geral da República, que avaliou não haver
elementos suficientes para manter a investigação.
A Polícia Federal pediu a
reabertura da investigação com base em documentos que poderiam envolver
Anastasia em supostos pagamentos feitos pelo governo de Minas às construtoras
OAS e UTC, mas Zavascki manteve o arquivamento.
* Rogério Correia é deputado estadual e líder da bancada do PT
na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/04/as-pedaladas-do-relator-do-impeachment.html?spref=tw
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