No último domingo, 17 de
abril, a Câmara dos Deputados votou a admissibilidade do processo de
impedimento da Presidenta Dilma Roussef, em uma sessão conduzida por um
malfeitor corrupto – Eduardo Cunha – e em benefício de um traidor sem
escrúpulos – Michel Temer –, sem qualquer preocupação com a existência ou não
de algum “crime de responsabilidade”, sem o que qualquer impedimento é
inconstitucional, configurando um golpe contra o Estado Democrático de Direito.
Nessa ocasião, o povo
brasileiro assistiu a um espetáculo deprimente, no qual centenas de deputados
votaram a favor do impedimento de Dilma, alegando motivos que nada tinham a ver
com o “relatório” farsesco, elaborado por um dos quadrilheiros de confiança de
Eduardo Cunha. Os votos eram proferidos em homenagem “à mamãe”, “à minha
sogra”, “aos meus filhos”, “aos meus eleitores”, “à Deus”, “ao Cel. Brilhante
Ustra” (torturador e assassino confesso), “contra a educação sexual nas
escolas”, “contra o Programa Mais Médicos”, “contra a troca de sexo nas
escolas” [?], e assim por diante! Um show de descaramento e imbecilidades.
Nesse show de hipocrisia, a
deputada Raquel Muniz (PSD/MG), dedicou o seu voto ao marido, Ruy Muniz, que,
segundo ela, seria um “exemplo de administração honesta no município de Montes
Claros”. Mas, como “Deus não joga, mas fiscaliza”, na segunda-feira, 18 de
abril, ele foi levado preso pela Polícia Federal, por reiterados atos de
corrupção contra o SUS... E o deputado Jovair Arantes (PTB/GO) – relator do
“impedimento” de Dilma, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás
pelo uso de funcionário público no seu comitê de campanha, durante o horário de
serviço.
Essa votação na Câmara dos
Deputados foi totalmente ilegítima – seja por ter sido dirigida por um meliante
que devia estar atrás das grades, seja por não terem comprovado qualquer crime
de responsabilidade da Presidenta Dilma. Apesar disso, a mídia golpista
apresenta essa votação, nula de direito, como a concretização do
“impedimento-golpe”; passou a tratar o “Judas Temer” como o presidente de fato
do país e especula sobre o seu ministério e programa de Governo – pomposamente
denominado “Ponte para o Futuro” –, elaborado em cumplicidade com o capital
financeiro nacional e internacional. Ao mesmo tempo, o “PIG” (Partido da
Imprensa Golpista) trata a legítima Presidenta do país – eleita por mais de 54
milhões de votos – como “carta fora do baralho”. Tenta, com isso, criar um fato
consumado e intimidar àqueles que resistem ao golpe.
É preciso afirmar “em alto e
bom som” que perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra! A luta continua e
nesse momento qualquer “derrotismo” faz o jogo dos inimigos. É preciso mobilizar
todas as forças sadias do nosso povo na luta das ruas, na luta para derrotar os
golpistas no Senado e no STF, na batalha junto à opinião pública para
deslegitimar o golpe farsesco em curso. Como afirma com sabedoria o nosso povo:
“só peru morre na véspera”...
Ao mesmo tempo, é preciso
desmascarar o projeto “ultraneoliberal” e antipovo que é os golpistas pretendem
aplicar, caso consigam concretizar o seu golpe. Para isso, é necessário
examinar com atenção o documento “Ponte para o Futuro”, divulgado pela Fundação
Ulysses Guimarães do PMDB, em 29 de outubro de 2015, e os documentos
posteriormente, elaborados pelos asseclas de Temer.
“Uma ponte para o futuro”
Inicialmente, é preciso
dizer que essa proposta – ainda que apresentada pelo PMDB – foi elaborada por
economistas neoliberais do PMDB, PSDB, PPS e DEM, chancelada nos salões da
FIESP e apoiada por economistas ultraortodoxos como Armínio Fraga,
ex-presidente do Banco Central de FHC (aliás, cotado para assumir o Ministério
da Fazenda do usurpador Temer).
O ex-ministro da Previdência
de FHC, Roberto Brandt – um dos coordenadores do referido documento – em
entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 18.04.16, afirmou que as medidas
previstas serão “duras e impopulares”. E arremata: “esse documento não foi
feito para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma
eleição. (...) Vai ser preciso pedir 15 a 20 minutos de rede nacional e dizer a
verdade sobre o que vem pela frente.” Caberia perguntar: porque não dizer a
verdade desde agora? Fica claro que não só o “presidente impostor” carece de
votos, como também o seu ”programa” é antipovo e antinação.
O Senador Roberto Requião,
do PMDB, denuncia: “o meu Velho PMDB de guerra não se reconhece no documento
que, na realidade, tenta marcar uma total ruptura do partido com as propostas
voltadas para o âmbito social. (...) refletindo o alinhamento incondicional ao
domínio das finanças (...) e captura dos rumos do governo pela Banca. (...)
Ulysses morreu. Querem agora enterrar suas ideias.”
O documento ao analisar a
crise econômica e fiscal vivida pelo país é incapaz de relacioná-la à crise
mundial que há oito anos assola as principais economias do mundo, levando-as à
estagnação e à recessão. Para os neoliberais de plantão, o problema é que a
Constituição Cidadã de 1988 concedeu demasiados direitos ao povo –
especialmente sociais e trabalhistas – com o que não há orçamento que aguente:
“As despesas públicas primárias, ou não financeiras, têm crescido
sistematicamente acima do crescimento do PIB, a partir da Constituição de 1988.
(...) o Governo Federal cometeu excesso, seja criando novos programas, seja
ampliando os antigos.” E a “velhinha de Taubaté” ainda acredita que tais
críticas se referem ao “PROER” de FHC – que em seu governo gastou bilhões de
reais para socorrer os banqueiros privados – e não a programas sociais como o
“Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, “Luz para Todos”, “Ciências sem
Fronteiras”, etc.
O documento silencia
completamente sobre o escorchante pagamento de juros e prestações da dívida aos
banqueiros, que é a despesa que mais rapidamente cresce no Brasil e drena, a
cada ano, quase 50% do orçamento nacional. Como há “falta espaço para (...)
elevação da carga tributária”, a solução “é a obtenção de um superávit primário
capaz de cobrir as despesas de juros”, o que só possível através de um corte
drástico nas despesas públicas. Pois, “qualquer voluntarismo na questão dos
juros é o caminho certo para o desastre.” Da mesma forma, o documento não faz
qualquer menção à regulamentação do imposto sobre as grandes fortunas (previsto
na Constituição) ou aos impostos sobre o capital especulativo.
O documento prossegue
atacando a Constituição de 1988 e às garantias constitucionais ali inscritas:
“Foram criadas despesas obrigatórias (...) vinculações constitucionais (...)
indexaram-se rendas e benefícios de vários segmentos (...) tornamos norma
constitucional a maioria das regras de acesso e gozo dos benefícios
previdenciários (...) a maior parte das despesas públicas tornou-se
obrigatória”. Considerando as vinculações orçamentárias à saúde e à educação,
assim como as indexações dos benefícios previdenciários um absurdo – pois podem
comprometer o superávit primário, que só existe para pagar juros e prestações
da dívida aos banqueiros – o documento afirma que “é necessário em primeiro
lugar acabar com as vinculações constitucionais, como no caso dos gastos com
saúde e com educação (...) o fim de todas as indexações, seja para salários,
benefícios previdenciários e tudo o mais. A cada ano o Congresso (...) decidirá
(...) os reajustes que serão concedidos, dependendo sempre do nível de
atividades econômicas (...) Quando a indexação é pelo salário-mínimo, como é o
caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a
eles um aumento real (...) Com o fim dos rejustes automáticos [inclusive do
salário-mínimo], o Parlamento arbitrará (...) os diversos reajustes conforme as
condições gerais da economia e das finanças públicas.”
É preciso ter claro que a
desvinculação dos recursos para a saúde e para a educação no orçamento
significa o fim de todo o modelo de financiamento da Educação e da Saúde
Pública no Brasil. E que o fim da política de valorização do salário-mínimo e
sua desvinculação de todos os benefícios previdenciários, significa que, a
curto prazo, os aposentados passarão a receber menos de um salário-mínimo.
Quanto aos direitos
previdenciários, além de acabar com a garantia da manutenção do seu poder de
compra, o documento afirma que “é preciso ampliar a idade mínima para a
aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas
trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. (...) é preciso
introduzir (...) uma idade mínima eu não seja inferior a 65 anos para os homens
e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova escalada futura” (...) “é
indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao
salário-mínimo. (...) Os benefícios previdenciários dependem das finanças
públicas e não devem ter ganhos reais”. Ou seja, os direitos previdenciários
deixarão de ser um direito social e passarão a depender da existência de “sobra
de caixa”, após o pagamento do serviço da dívida aos banqueiros.
Inimigos jurados do que
chamam de “gastança em programas sociais”, os autores do documento avisam:
“vamos propor a criação de (...) uma espécie de Autoridade Orçamentária, com
competência para avaliar os programas públicos (...) bem como (...) o
equilíbrio fiscal como princípio da administração pública” e “a cada ano todos
os programas estatais serão avaliados por um comitê independente [certamente
formado por representantes do empresariado e dos banqueiros], que poderá
sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e
benefícios.” Mas como podem os que têm como único objetivo o lucro mensurar os
benefícios dos programas que têm por objetivo o bem-estar social? Só os muito
ingênuos não percebem o que acontecerá com os atuais programas sociais...
Quanto aos direitos
trabalhistas – além das anunciadas reformas legais e constitucionais para
retirar direitos – o documento propõe “permitir que as convenções coletivas
prevaleçam sobre as normas legais”. Ou seja, um mero dissídio coletivo,
assinado em uma conjuntura econômica desfavorável aos trabalhadores, muitas
vezes por um sindicato pouco representativo ou dominado pela patronal, irá
prevalecer sobre os avanços legais, arduamente conquistados. Isso significará o
fim da legislação trabalhista e o retorno ao “laissez-faire” dos primórdios do
capitalismo!
Por todo o exposto, o
documento reconhece que a ”solução será muito dura para o conjunto da
população, terá que conter medidas de emergência, mas principalmente reformas
estruturais. (...) Ajustes de emergência implicam sempre em perdas e
sofrimentos (...) teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais
(...) será necessário um amplo esforço legislativo, que remova distorções
acumuladas (...). Essas reformas legislativas são o primeiro passo da jornada e
precisam ser feitas rapidamente. (...) Será uma grande virada institucional
(...) Isto significará enfrentar interesses organizados e fortes, quase sempre
bem representados na arena política.”.
Que “interesses organizados
e fortes” serão esses? Serão os interesses dos latifundiários, dos banqueiros,
dos monopólios, das multinacionais, ou dos barões da mídia? Santa ingenuidade!
Os “interesses” que o documento propõe a atacar são os dos trabalhadores
urbanos, pequenos agricultores, aposentados, negros, mulheres, jovens e
excluídos em geral. Interesses que, obviamente, serão reprimidos “a ferro e
fogo”!
Depois de atacar os direitos
de trabalhadores e aposentados, os programas sociais e os avanços conquistados
pelo povo na Constituição Cidadã de 1988, os neoliberais de Temer deixam claro
a que vieram: “executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa
privada, por meio da transferência de ativos [“privatizações”] que se fizerem
necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura,
parcerias para complementar a oferta de serviços públicos [saúde, educação,
segurança e tudo mais que for rentável] e retorno a regime anterior de
concessões na área de petróleo”, que nada mais é do que a entrega do pré-sal
aos interesses internacionais!
E prosseguem: “O Estado deve
ser funcional (...) Para ser funcional ele deve distribuir os incentivos
corretos para a iniciativa privada (...) um novo ciclo de desenvolvimento
deverá apoiar-se no investimento privado (...) modelos de negócio que respeitem
a lógica das decisões econômicas privadas, sem intervenções que distorçam os
incentivos de mercado, inclusive respeitando o realismo tarifário [“lucro
máximo”]. Instale-se o império da iniciativa privada e do mercado!
No âmbito externo, o
documento propõe uma “maior abertura comercial” e a “busca de acordos regionais
de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União
Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul”. O que sinaliza o fim de
qualquer política externa independente, voltada aos países emergentes e do
“Terceiro Mundo” – BRICS, Mercosul, CELAC, UNASUL, etc. – e o retorno à velha
política de alinhamento automático e subalterno aos EUA (inclusive podendo
reviver a ALCA) e à Europa, com a abertura do nosso mercado interno às
mercadorias, serviços e capitais das grandes potências econômicas e
tecnológicas do mundo. O que resultará na destruição do nosso parque industrial
e o estrangulamento do nosso desenvolvimento tecnológico.
O aprofundamento de um neoliberalismo requentado
À medida que avança a ofensiva
golpista, Temer e seus asseclas aprofundam suas propostas neoliberais. No dia
27 de março, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o
presidente da Fundação Ulysses Guimarães e principal articulador da “pinguela
para o inferno” – Moreira Franco – afirmou que haverá uma redução generalizada
de subsídios, entre eles os que beneficiam o comércio exterior brasileiro e a
indústria nacional, como a exigência de “conteúdo nacional” nos bens e serviços
adquiridos pela Petrobras.
Da mesma forma, Moreira
Franco avisou que acabará o uso de recursos do FGTS a fundo perdido para
financiar o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Ora, todos sabem que o MCMV é
inviável sem esses subsídios e isso significará a sua sentença de morte. Quanto
ao combate às desigualdades, ficará restrito aos 10% mais pobres, que vivem com
menos de US$ 1 dólar ao dia. O que valerá para programas como o Bolsa Família,
o Pronatec, o Fies e tantos outros.
E o jornal Valor de 14 de
abril reproduz a proposta de Carlos Kawal, economista chefe do banco Safra, um
dos inspiradores de Temer: “Segundo Kawal, seria preciso ainda lidar com
questões como a rigidez do orçamento da União com gastos obrigatórios, como
saúde e educação, e dos Estados, ligados a salários.’Já há a proposta de redução
de carga horária, com redução proporcional do salário (...) para os Estados
seria ainda mais importante’.” Ou seja, para atender os banqueiros, corte-se os
recursos para a saúde, para a educação e para os salários!
A mesma edição do jornal
Valor também apresenta a “agenda de transição” que a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) deverá apresentar a um eventual governo espúrio de Temer:
“Reformar a Previdência Social (...) Regulamentar a terceirização (...) Rever a
política de reajuste do salário-mínimo (...) Rever o regime de partilha em óleo
e gás (...) Aumentar a participação privada nos serviços de água e esgoto (...)
Transferir as administrações portuárias ao setor privado (...) Simplificar o
licenciamento ambiental.” Como se vê, uma agenda para neoliberal algum botar
defeito...
“Arrochar" a saúde, a educação, o social, para pagar os
banqueiros
O exame da autodenominada
“Ponte para o Futuro” nos indica que o golpe de Estado em andamento não
significa somente o rompimento do Estado Democrático de Direito – o que por si
só já seria gravíssimo. Mais do que isso, ele significa a retomada do projeto
neoliberal no nosso país, em um nível de radicalidade nunca antes visto,
exatamente quando o neoliberalismo conduz o mundo a uma crise econômica, social
e ambiental catastrófica.
Trata-se, para Temer e seus
asseclas, de aplicar uma brutal contenção dos gastos públicos para gerar
crescentes superávits primários – diferença entre tudo o que é arrecadado e
tudo o que é gasto pela máquina pública, excluído o serviço da dívida –, para
que o governo possa, com essas sobras, pagar os juros e as amortizações da
dívida pública com os banqueiros. O resto – saúde, educação, infra-estrutura,
programas sociais, etc. – que espere! Em 2015, o Orçamento Nacional destinou 45,11%
para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública aos banqueiros. Mas,
para que isso se concretizasse, era necessário um enorme superávit primário, o
que Dilma não assegurou... Pelo que, tem que ser derrubada...
Por tudo isso, qualquer que
seja o resultado do golpe em andamento, teremos pela frente tempos de muita
luta, em defesa das liberdades democráticas, da soberania nacional, dos
direitos dos trabalhadores, dos aposentados, do desenvolvimento nacional. Temos
que ser capazes de unificar todas as forças populares, patrióticas e
democráticas possíveis – algumas delas momentaneamente extraviadas pelo
oportunismo pragmático –, para enfrentar essa ofensiva reacionária e neoliberal
que, ainda que nacional, tem caráter internacional!
Nesse momento, é preciso
combater tanto o derrotismo pusilânime, como sectarismo que nos leva ao
isolamento! Radicalizar com amplitude e ampliar com radicalidade! Esse é o
rumo!
Site da Fundação Maurício Grabois:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/04/a-pinguela-para-o-inferno-de-michel.html?spref=tw
Nenhum comentário:
Postar um comentário