Em
meio ao turbilhão em que se encontra o país em razão de protestos sociais
contra e a favor do Governo Federal, a questão jurídica que envolve o processo
de impeachment tem ficado em segundo plano. Contudo, uma questão simplesmente
fundamental tem sido ignorada em todos os debates acerca do tema, que mais se
transformaram em “guerra de opinião” entre duas torcidas organizadas, a
favorável e a contrária à destituição da Presidente da República. Trata-se da
diferença fundamental entre Presidencialismo e Parlamentarismo, que está na
essência (na natureza jurídica) do instituto do impeachment.[1]
No
Presidencialismo, as figuras de Chefe de Governo e Chefe de Estado encontram-se
unificadas na mesma pessoa, enquanto no Parlamentarismo tais funções são
exercidas por diferentes pessoas. O(A) Chefe de Governo parlamentarista é quem
exerce as funções equivalentes ao(à) Presidente da República no
presidencialismo no tocante às atribuições deste na condução da política e da
Administração Pública. Aqui entra a diferença fundamental entre ditos regimes
de governo, a saber, a forma em que pode ser destituído(a) o(a) Chefe de
Governo.
No
Parlamentarismo, temos o instituto do voto de desconfiança, pelo qual o(a)
Primeiro(a) Ministro(a) pode ser derrubado(a) apenas pela perda de confiança do
Parlamento. Ou seja, perdido o apoio da base aliada ou em razão de uma grave
crise política, pode o Parlamento derrubar o(a) Chefe de Governo, para que
outra pessoa exerça essa função (a forma de escolha varia de acordo com a
legislação de cada país). E é importante assinalar: aprovada a desconfiança,
não só cai o Primeiro Ministro, como o próprio Parlamento, para que novas
eleições sejam realizadas. Já no Presidencialismo, temos o instituto do
impeachment, que não é sinônimo de voto de desconfiança e isso por uma simples
razão: exige-se que o(a) Presidente tenha cometido algum crime de
responsabilidade para que ele(a) possa ser destituído(a) da Presidência da
República – e porque neste caso se trata de um “crime” e não de mera questão
política, o(a) Presidente é retirado de seu cargo e assume o Vice-presidente,
além do que os membros do Parlamento permanecem com seus mandatos intocados.
Não
é causa para impeachment eventual descontentamento popular sobre políticas
econômicas, assim como não o é (não deve ser) eventual perda de maioria do
Chefe do Executivo no Parlamento. Num sistema Parlamentarista, uma e outra
causas bastariam para o voto de desconfiança, mas, no Presidencialismo, não é
assim que estão postas as “regras do jogo”, sob pena do abuso das regras para
se alcançar objetivos escusos, como mostram os ensinamentos de Klaus Günther
quando diferencia discursos de fundamentação de discursos de aplicação de
normas: é teoricamente legítimo que haja a denúncia e o processamento mas se
não nos atentarmos para as particularidades do caso concreto corremos o risco
de permitir que as reais pretensões se tornem invisíveis: disfarçar uma
tentativa de destituição de um(a) Presidente através de um pedido de apuração
de fato que não corresponde a crime de responsabilidade é uma forma contemporânea
de golpe de Estado.
Crimes
de responsabilidade estes previstos pela lei, de forma taxativa, de sorte a não
caber interpretação extensiva ou analógica para justificar legalmente e
constitucionalmente o impeachment fora das específicas hipóteses legalmente
positivadas (conforme a doutrina de Marcelo Galuppo, para quem uma das
hipóteses objeto de controle judicial do processo de impeachment é “A
condenação com base em lei diversa da lei 1079/50”[2]). Isso significa que é
inconstitucional a decretação de impeachment sem que se prove a ocorrência de
crime de responsabilidade contra o(a) Presidente da República, razão pela qual
o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional, enquanto guardião da
Constituição, de barrar ou declarar a nulidade de qualquer impeachment recebido
pela Câmara ou decretado (em condenação) pelo Senado caso inexistente conduta
hipoteticamente subsumível nas taxativas previsões legais que tipificam os
crimes de responsabilidade.
Essa
é, precisamente, a questão que é solenemente ignorada pela mídia e pela opinião
pública em geral no tormentoso processo de impeachment apresentado contra a
Presidente Dilma Rousseff: nenhuma conduta de Dilma Rousseff se enquadra nas
taxativas hipóteses de crimes de responsabilidade da Lei do Impeachment (Lei n.º 1.079/50).
Aqui
cabe um importante esclarecimento. Crimes de responsabilidade são, como o
próprio nome diz, crimes. Em precedente citado na própria denúncia
descabidamente acolhida pelo Presidente da Câmara dos Deputados para fins de
processo de impeachment, o Supremo Tribunal Federal já afirmou que os crimes de
responsabilidade constituem matéria penal e, por isso, são de competência
legislativa exclusiva da União. Isso para declarar a inconstitucionalidade de
lei estadual que havia previsto hipóteses de crime de responsabilidade – foi
feita depois, inclusive, uma Súmula sobre isso daquele Tribunal, o enunciado n.
722 (embasado nas ADI 2592[3], 1901, 1879-MC[4], ADI-MC 2220 e ADI-MC 1628). Se
isso é assim (e não há motivo para interpretar o termo crime de outra forma),
então aplica-se aqui toda a teoria do crime e dogmática penal em geral, que, no
que é relevante, tem como consequência que não há “crime por analogia”, donde
não pode haver punição por “crime de responsabilidade” sem que a lei
expressamente preveja a conduta objeto do processo de impeachment.
Tal
é referendado, inclusive, pela própria Lei do Impeachment, cujo artigo 38 prevê
a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal para suprir eventuais
lacunas procedimentais daquela lei. Ora, não se invocaria o Código de Processo
Penal se os crimes de responsabilidade não constituíssem matéria penal.
Note-se, aliás, que na ADPF 378, que tratou sobre o rito do processo de
impeachment, o STF negou o direito a uma defesa prévia antes do recebimento da
denúncia afirmando que isso não é exigido à ampla defesa em um processo “penal”
(cf. expresso já na ementa, em seu item 2).
Ressalte-se
que tal entendimento foi expressamente afirmado pelo Ministro Roberto Barroso,
em seu voto vencedor na ADPF 378 (p. 87 do voto), ao aduzir que “A indicação da
tipicidade é pressuposto da autorização de processamento, na medida em que não
haveria justa causa na tentativa de responsabilização do Presidente da
República fora das hipóteses prévia e taxativamente estabelecidas. Se assim não
fosse, o processamento e o julgamento teriam contornos exclusivamente políticos
e, do ponto de vista prático, equivaleria à moção de desconfiança que, embora
tenha sua relevância própria no seio parlamentarista, não se conforma com o
modelo presidencialista, cujas possibilidades de impedimento reclamam a prática
de crime de responsabilidade previsto em lei específica. Inobservada a
limitação da possibilidade de responsabilização às hipóteses legais, todo o
devido processo cairia por terra”. Ainda que se trate de obter dictum, já que o
tema debatido naquela ação era o do rito do processo do impeachment em ação
contra a “lei em tese”, trata-se de importante “precedente”. Por outro lado, o
que fazemos aqui é simplesmente aplicar essa (notória) diferença ao caso
concreto. Enquanto a ADPF 378 focou-se no aspecto formal (procedimental) do
impeachment, neste artigo nos focamos em si aspecto de Direito Material
(Substantivo), a saber, aquilo que pode ou não ser considerado causa de
impeachment. E nossa conclusão, dado o caráter penal dos crimes de
responsabilidade (cf. Súmula 722 do STF), que só podem ser os fatos
taxativamente tipificados como tais pela Lei do Impeachment. Taxatividade que
se sustenta ainda que em suposto caráter não-penal do impeachment (para quem
disso discordar), ante o parágrafo único do art. 85 da CF/88 exigir que lei
especial defina (taxativamente) os crimes de responsabilidade. Logo, o que se
defende aqui é que o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de
trancar a ação de impeachment, por atipicidade da conduta imputada (logo, por
ausência de requisitos materiais para instauração de um processo de
impeachment), caso ela (conduta) não se enquadre no rol taxativo de crimes de
responsabilidade legalmente fixado (da mesma forma que a Justiça pode trancar
uma ação penal, por atipicidade da conduta: seja pelo caráter penal dos crimes
de responsabilidade, seja pelo seu caráter “taxativo não-penal”, para os que
negarem aquele).Ou, caso tenha havido imposição pelo Senado de impeachment por
fato atípico, defende-se aqui que o STF tem o dever constitucional de declarar
a nulidade de impeachment decretado por fato materialmente atípico.
Mas,
caso a natureza jurídica do regime presidencialista e do impeachment não
convençam o(a) leitor(a), este(a) tem a obrigação de se convencer/conformar com
a taxatividade das hipóteses legais de crimes de responsabilidade por outro
fundamento, jurídico-constitucional. A saber, o art. 85, parágrafo único, da
Constituição Federal, estabelece que os crimes de responsabilidade serão
aqueles definidos em lei. Logo, evidentemente não é “autoaplicável” o citado
dispositivo constitucional, tanto por sua essência (matéria criminal, que
precisa ser especificada em tipos penais taxativos), quanto por sua
literalidade (a Constituição remete à lei a definição dos crimes de
responsabilidade).[5].
Enfim,
tanto a jurisprudência do STF quanto a própria Lei do Impeachment e a própria
Constituição deixam claro que os crimes de responsabilidade são crimes e, como
tais, devem ser interpretados segundo a interpretação puramente literal (nunca
ampliativa nem analógica), como as normas penais em geral. Como crimes, vale a
máxima há tanto fixada sobre a aplicação da norma penal: não é possível a
analogia “mala partem” e, claro, o princípio constitucional da presunção de
inocência.[6]
Ainda
que se admita que o procedimento contenha uma natureza também política, é
preciso ter claro que ele é um procedimento jurídico e deve ser tratado com a
seriedade necessária.
Analisemos,
assim, o caso concreto do pedido de impeachment apresentado contra a Presidente
Dilma Rousseff.
A
denúncia acolhida pelo Presidente da Câmara dos Deputados (que a aceitou pura e
simplesmente por ser opositor do Governo, o que é fato notório, amplamente
noticiado pelo fato de que ele aguardou a posição de membros do Partido da
Presidente se manifestarem em procedimento no Conselho de Ética, para, depois
disso, se posicionar sobre o pedido de abertura de procedimento) simplesmente
deturpa o significado da Lei do Impeachment para tentar enquadrar as condutas
da Presidente da República numa de suas hipóteses, mas sem sucesso, pelo menos
para quem leva o Direito e a taxatividade das hipóteses de impeachment a sério.
Primeiramente,
tenta dizer que a Presidente teria se omitido em punir pessoas a ela
subordinadas que teriam praticado atos de corrupção (etc.) e agido de modo
incompatível com o seu cargo. Contudo, não há prova nenhuma de que a Presidente
tinha conhecimento dos atos ilícitos em questão para que se pudesse afirmar que
ela, deliberadamente (dolosamente) nada fez. Temos, aqui, mais uma vez, uma
deturpação da “teoria do domínio do fato”. Não se condena criminalmente alguém
sob o fundamento de que “não tinha como não saber” (sic). A condenação com base
nessa teoria demanda que se prove que a pessoa (hierarquicamente superior)
tinha conhecimento do cometimento de atos ilícitos e a capacidade de impedir a
ocorrência dos ilícitos – ou seja, que ela tinha o “domínio do fato”, a
capacidade de evitar a ocorrência do fato. Não existe responsabilidade penal
objetiva: sem a existência de culpa (dolo ou culpa em sentido estrito – e esta
só quando o tipo penal prevê a punição de condutas culposas), não há condenação
penal, reiterando-se que crimes de responsabilidade são crimes e, como tais,
sujeitam-se a tal circunstância da dogmática penal. Ao passo que as acusações
relativas a ter supostamente a Presidente da República agido de modo
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, se pauta em puras e
arbitrárias conjecturas, inclusive com expressões como “leva a crer” (SIC, p.
22) e “ao que tudo indica” (SIC, p. 25), o que mostra que não há provas, mas
meros “achismos” desprovidos de quaisquer elementos fático-probatórios que lhes
sustentem. Tanto que o próprio Presidente da Câmara afirmou, na decisão que
recebeu a denúncia, que “Não se pode permitir a abertura de um processo tão
grave, como é o processo de impeachment, com base em mera suposição de que a
presidente da República tenha sido conivente com atos de corrupção”, com base
em “meras ilações e suposições”[7].
O
argumento que ganhou maior notabilidade contra a Presidente foi o das chamadas
“pedaladas fiscais”[8] (sic). Neste caso, o fato de não repassar previamente
aos bancos públicos o dinheiro necessário para pagamento de programas sociais,
com os bancos então realizando os pagamentos mesmo sem ter recebido o dinheiro
do Governo Federal. Nisso o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que se
trataria de operação equivalente a “operações de crédito”, ao passo que a Lei
do Impeachment fixa como crime de responsabilidade a realização de operações de
créditos com outros entes federativos (art. 10, n. 9, da lei 1.079/50).
Aqui
temos dois problemas. Primeiro, equivalente a operação de crédito não é o mesmo
que “operação de crédito”. O TCU usou aqui o instituto da analogia, já que
operação de crédito, em sentido estrito, não houve, tanto que o TCU afirmou que
se trata de operação que a ela se assemelha. Ora, se crimes de responsabilidade
são crimes (como são), descabem juízos analógicos como este. Não há fato
tipificado como crime de responsabilidade, portanto.
Parecer
de Ricardo Lodi[9] é peremptório ao explicar que “é preciso definir o que é
juridicamente uma operação de crédito, no âmbito do contexto normativo em questão,
a fim de evitar que outras relações jurídicas, que sejam de interesse da
sociedade e das instituições financeiras oficiais, tenham que deixar de ser
efetivadas”, aduzindo a seguir que o nosso Direito Financeiro positivo tem
conceitos normativos que não abarcam as condutas imputadas à Presidente da
República (cf. art. 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal e art. 3º da
Resolução do Senado n.º 03/01), donde “a partir de uma interpretação da
expressão operação de crédito que preserva os limites hermenêuticos do
instituto […] a operação de crédito pressupõe a transferência de propriedade
dos recursos da instituição financeira para o mutuário, acarretando o
reconhecimento, por parte deste de um passivo. Quando o mutuário da operação de
crédito é o poder público, por envolver o aumento do endividamento estatal com
reflexos no montante da sua dívida pública, alguns requisitos devem estar
presentes, como a prévia autorização orçamentária, a necessidade de lei
específica e o controle exercido pela Senado Federal.” Daí concluir
corretamente o autor (nos itens 16 e 17 do parecer) no sentido de que “Nesse
conceito e a esse regramento não podem ser subsumidos quaisquer montantes
constantes no passivo contábil da entidade pública, como o nascimento de
débitos com instituições financeiras decorrentes do inadimplemento de
obrigações contratuais, a partir da ausência de repasses de recursos para o
pagamento de subvenções sociais pelos bancos públicos. Não se pode confundir
operação de crédito com o surgimento de um crédito em decorrência de um
inadimplemento contratual, que, obviamente, não sofre as mesmas restrições
legais. A União, como qualquer outro contratante, deve responder pelo
inadimplemento das obrigações por ela assumidas com as instituições financeiras
que contrata, ainda que seja controladora dessas entidades. Assim, o mero
adiantamento de valores por meio do fluxo de caixa para suprimento de fundos no
âmbito na relação contratual entre a União e os bancos públicos, sem que tenha
sido contratada qualquer operação de crédito, não se submete ao regramento
jurídico das operações de crédito, inclusive no que se refere à vedação do art.
36 da LRF. Se assim não fosse, não seria possível à União contratar qualquer
serviço com os bancos públicos, diante do risco sempre existente de
inadimplemento de qualquer das obrigações estatais, o que geraria um direito de
crédito que não estaria submetido aos ditames normativos das operações de
crédito. Estando correto esse raciocínio, a União só poderia contratar os seus
serviços com bancos privados, o que, decerto, é absurdo que demonstra o
equívoco do caminho hermenêutico que levou a tal conclusão, e que, portanto,
não deve ser adotado.” (grifos nossos). Daí a espirituosa afirmação do autor,
no sentido de que somente uma “pedalada hermenêutica”[10] poderia enquadrar a
conduta da Presidente da República (pelas “pedaladas fiscais”) como crime de
responsabilidade; além de corretamente destacar que não é a violação da Lei de
Responsabilidade Fiscal que constitui crime de responsabilidade, mas somente
aquelas violações que a Lei do Impeachment reconhece como tais. Remete-se aqui
à íntegra do referido parecer, aqui já disponibilizado (em nota do início deste
parágrafo), que esmiúça amplamente as questões e refuta pontualmente as alegações
da denúncia de impeachment acerca deste e outros temas.
Mas,
ainda que se entenda que não haveria aqui uma analogia, mas uma verdadeira
“operação de crédito” (o que, como visto, não há), há outra questão. O crime de
responsabilidade em questão fala em operação de crédito junto a “entes
federativos”. Entes federativos são a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, conceito este que não abarca “bancos públicos”. Novamente, a
taxatividade inerente aos crimes e, portanto, aos crimes de responsabilidade
não admite a equiparação interpretativa de bancos públicos e entes federativos.
Se a Lei de Responsabilidade admite essa equiparação, a Lei do Impeachment não
a admite – e não consta nesta que qualquer violação à Lei de Responsabilidade
Fiscal constitua crime de
responsabilidade. Tão somente a violação à lei orçamentária, embora
estritamente nos termos em que a Lei 1079/50, assim se considera. Portanto,
somente as hipóteses nela tipificadas taxativamente como crimes de
responsabilidade o são. Daí a improcedência também desta alegação da denúncia
(ao passo que não se pode, por “alquimia hermenêutica”, querer transformar dois
mandatos em apenas um sem alteração constitucional formal nesse sentido, vale
ressaltar).Sendo que o próprio Presidente da Câmara dos Deputados, dois meses
antes de receber a denúncia, havia afirmado que as “pedaladas” não constituíam
crime de responsabilidade[11] (a mostrar, novamente, que se trata de decisão
puramente política, e não técnica, a de receber a denúncia por este
fundamento).
Ademais,
é preciso lembrar que o TCU, ao deliberar dessa forma, alterou entendimento
sedimentado em sentido oposto – que considerava regulares tais procedimentos
adotados pela Chefe do Executivo, assim como o fez quando ações similares foram
praticadas por muitos dos ex-Chefes do Executivo anteriores. Ora, nada impede
que o TCU proceda a um “overruling”, sem embargo, ele não pode frustrar a
legítima expectativa de comportamento formada anteriormente. Sua mudança
poderia vir como uma sinalização de que, no futuro, tais ações não seriam mais
aceitas, mas não “mudar as regras do jogo” durante o mesmo. Afinal, como disse
o Ministro Roberto Barroso em um julgamento do STF[12], considerando que a
norma jurídica é fruto da interpretação de textos normativos (embora
respeitados os limites semânticos do texto), a mudança da jurisprudência
implica em mudança do Direito vigente e, portanto, precisa respeitar o
princípio da segurança jurídica e seu subprincípio da confiança legítima, donde
evidente que, tendo a Presidência confiança na jurisprudência anterior do TCU,
não pode ser condenada por fazer justamente o que era permitido pela referida
jurisprudência anterior.
Invoca-se,
ainda, a questão dos “decretos não-numerados”, que abriram créditos extraordinários
incompatíveis com a Lei Orçamentária, hipótese que defende a denúncia ser
enquadrável no crime de responsabilidade previsto no art. 10, n. 6 da Lei do
Impeachment. Mas, ainda que assim se pense, há uma questão fundamental a
considerar: posteriormente, foi aprovado projeto de lei que alterou a Lei
Orçamentária, por assim dizer, “recepcionando” os decretos não-numerados em
questão (referimo-nos à aprovação do PLN 5/2015). Ora, se o bem jurídico
protegido é o respeito à Lei Orçamentária e esta é posteriormente alterada pelo
Congresso Nacional, no curso do mesmo exercício financeiro, para ratificar os
decretos não-numerados que abriram os créditos extraordinários, então temos
aqui a ratificação parlamentar e a consequente ratificação da Lei Orçamentária.
Se o bem jurídico é a preservação da Lei Orçamentária e se esta posteriormente
ratifica os créditos extraordinários anteriormente em desacordo com ela, então
a conduta deixou de ser considerada criminosa. Temos aqui, no mínimo,
verdadeira abolitio criminis, ante a ratificação parlamentar e legal em
questão: não por revogação do tipo penal, mas pelo seu bem jurídico não ter
sido violado, ante a adequação da lei orçamentária aos créditos
extraordinários, em verdadeira ratificação – e, se houve ratificação da lei
orçamentária, não se pode seriamente dizer que teria havido crime de
responsabilidade contra a lei orçamentária… Ora, seria um teratológico e
incompreensível formalismo exacerbado continuar considerando criminosa uma
conduta de violação da lei orçamentária por abertura de créditos
extraordinários com ela incompatíveis se a própria lei orçamentária é alterada
para ratificar os créditos extraordinários em questão e tornar aqueles, assim,
com ela compatíveis – até porque, como bem destaca o já citado parecer de
Ricardo Lodi, os créditos suplementares se referem a mudanças nas metas de
superávit primário, que são feitas inicialmente por lei orçamentária de ano
anterior, donde a aprovação da alteração das metas efetivamente convalidaram os
decretos de abertura de créditos extraordinários em questão (convalidação esta
que se deu, como visto, pela aprovação do PLN 5/2015), autor este que conclui
(no item 45 de seu parecer) que “Se assim não fosse, as dificuldades econômicas
supervenientes à elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias não poderiam ser
enfrentadas pelo Governo, pois, justamente em um quadro de escassez de
recursos, é que se mostra preciso rever as prioridades entre fazer o superávit
primário ou atender as despesas previstas em outras rubricas orçamentárias,
que, provavelmente, deverão ter que sofrer uma equalização, à luz da nova
situação fiscal. De todo modo, essa é uma decisão que pertence ao Parlamento, e
isso foi preservado no caso concreto”. Além do que, mais uma vez, é preciso
lembrar que também essa prática vem sendo executada repetidamente por vários
ex-Chefes do Executivo – gerando, pois, legítima expectativa de comportamento
–, sem que nunca tivesse sido questionada ou pior, que se caracterizasse tal
ato como crime, donde o princípio da segurança jurídica e seu subprincípio da
confiança legítima restam violados pelo casuísmo de aplicação seletiva dessa
hipótese contra a atual Presidente da República. Bem como violado o princípio
da isonomia, ao se visar a aplicação seletiva de um crime de responsabilidade
contra inimigo(a) político(a), como evidentemente é o caso (se historicamente
isso foi tolerado de outros, no mínimo teríamos que ter aqui um “pure
prospective overruling” para aplicar tal novo entendimento somente para
processos futuros, ante os citados princípios da segurança jurídica e da
confiança legítima).
Cite-se,
ainda, fato que não consta (pelo menos ainda) do pedido de impeachment, mas que
ganhou enorme repercussão nos últimos dias, a saber, o teor da conversa da
Presidente Dilma com o ex-Presidente Lula, em grampo objeto da Operação Lava
Jato, pelo qual aquela disse que enviaria um “termo de posse” para este usar
apenas caso precisasse (e nada mais). Primeiro, é preciso discutir a legalidade
dessa gravação, já que o próprio juiz Sérgio Moro reconheceu que a gravação foi
feita após ele ter determinado o fim do grampo, embora inexplicavelmente não
tenha visto ilegalidade nisso[13]. Ora, se não havia mais autorização legal
para o grampo, este constitui prova ilícita, a qual, portanto, não pode motivar
condenação nenhuma, seja por crimes comuns, seja por crimes de
responsabilidade: e pouco importa se o Governo admitiu a conversa
posteriormente, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, que obviamente
abarca a “confissão extrajudicial”, que é, afinal, meio de prova – e aqui cabe
citar preciso artigo de Lenio Streck[14], pelo qual ele corrobora a questão da
ilicitude da prova em questão (ora, tendo sido determinado o fim do grampo,
gravações posteriores a tal decisão judicial não podem ser consideradas).
Segundo, cabe considerar que em hipótese alguma um juiz poderia divulgar ao
público uma interceptação telefônica envolvendo a Presidente da República, pelo
simples fato de que ele não tem competência alguma para fazê-lo, devendo tão
somente remeter, sob sigilo, a questão ao STF, ainda que a intercepção telefônica
fosse, em princípio, regular, o que, de fato, não era (somente o STF poderia
eventualmente decidir sobre divulgar tal conversa, por ser o juiz natural de
conversas interceptadas junto a autoridades). O que significa, mais uma vez,
que um impeachment motivado nisto seria inconstitucional, no mínimo, pela
vedação constitucional ao uso de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI c/c
X e XII, ambos da CF/88, além, é claro, do que dispõem a lei 9.296/96, art. 9.º
e 10, e a Resolução n. 59/2008 do CNJ, com redação dada pela Resolução n.
217/2016, at. 17).
Mas,
superado este aspecto, no mérito dita gravação também não constitui prova
nenhuma de crime de responsabilidade contra o funcionamento do Poder
Judiciário. Afirma a mídia que a Polícia Federal interpretou essa fala da
Presidente Dilma ao ex-Presidente Lula como uma espécie de recado a este para
se tornar ministro apenas se vislumbrasse receio de ter sua prisão decretada
por Sérgio Moro, para transferir sua competência ao STF. Convenhamos, trata-se
de uma teratológica ilação pautada pura e simplesmente no subjetivismo
(achismo) dos policiais em questão. A explicação da Presidência da República,
também divulgada na mídia, é, no mínimo, defensável (senão verossímil): assinar
o “termo de posse” apenas se Lula não pudesse comparecer pessoalmente a
Brasília para tanto (a se entender que isso constituiria uma irregularidade
formal eventualmente passível de anular a posse, tal é irrelevante para fins de
“provar” dolo da Presidente da República, como muitos querem fazer crer). Ao
passo que, em Direito Penal (e, portanto, em crimes de responsabilidade), vige
notoriamente a máxima do in dubio pro reo, donde, sem outras provas, essa
gravação sozinha não tem o condão de provar uma tentativa de atentar contra o
funcionamento do Poder Judiciário – seria teratológico entendimento em
contrário. Ao passo que a conduta concreta em questão, de supostamente simular
ato jurídico com o fim de alterar competência, também não se encontra previsto
nas taxativas hipóteses legais de crimes de responsabilidade – até porque, é
bom que se diga, haja vista o “burburinho” causado, a transferência do foro de
julgamento em nada altera a competência do inquérito que está ora em curso: a
autoridade policial continua competente para continuar a investigação. Ou será
que estamos admitindo que o STF não é capaz de conduzir um Inquérito e,
eventualmente, uma ação penal?
Além
disso, cabe dizer que não há aqui sequer irregularidade do ponto de vista
“administrativo”, o que contudo, não encontra correspondência às hipóteses
legais para um pedido de impeachment. A nomeação de Ministros de Estado é, nos
termos do art. 84, I, da CF/88, ato de governo e não constitui um ato
administrativo propriamente dito, não estando, em princípio sujeita, sequer, ao
controle judicial. A nomeação de Ministros(as) de Estado é ato privativo do(a)
Presidente da República, estando submetida tão somente às condicionantes do
disposto no art. 87 da CF/88.
Absurdo
dizer-se que a “renúncia fiscal” da Copa do Mundo seria crime de responsabilidade.
Primeiro, foi uma das condições para o Brasil poder receber a Copa do Mundo.
Contudo, o principal é que tal foi feito por lei que, como tal, foi obviamente
aprovada pelo Congresso Nacional. Logo, não se tratou de ato da Presidente da
República, por se tratar de uma lei aprovada pelo Parlamento e por ela
sancionada.
Em
suma, de acordo com o que se apurou até o momento, não há crime de
responsabilidade cometido pela Presidente da República, como, aliás, atestaram
pareceres de diversos juristas de peso da nossa comunidade jurídica[15] – e,
sem crime de responsabilidade, o impeachment é inconstitucional, por violação
do princípio presidencialista, porque impeachment não é sinônimo de voto de
desconfiança parlamentarista. Inconstitucional, ainda, por violação do art. 85,
parágrafo único, da Constituição, que remete à lei (recepcionando a Lei
1.079/50 – como já mais de uma vez se manifestou o STF tanto no procedimento
envolvendo o ex-Presidente Collor, quanto no procedimento atual) a definição (taxativa)
dos crimes de responsabilidade – e isso independente da natureza penal ou não
deles, pois se a Constituição remete à lei a sua definição, então evidentemente
dita lei, até por seu caráter sancionatório, deve ser interpretada de forma
estrita e restritiva.
Portanto,
pode o(a) Presidente da República impetrar mandado de segurança perante o
Supremo Tribunal Federal para que este barre ou nulifique processo de
impeachment em tramitação sem que haja fato enquadrável hipoteticamente como
crime de responsabilidade a justificá-lo. Obviamente, o juízo de mérito sobre
se a pessoa praticou ou não fato enquadrável como crime de responsabilidade e
se deverá ou não sofrer impeachment por isso é decisão soberana do Senado – a
questão é que, como não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa
(Gadamer/Streck), não se pode dizer que um fato que não constitui crime de
responsabilidade seja enquadrado como crime de responsabilidade, simplesmente
por uma vontade política, o que, mais uma vez, configuraria abuso de poder,
razão pela qual não pode o Senado decretar o impeachment sem que haja hipótese
de crime de responsabilidade em tese cometido pelo(a) Presidente da República.
O mesmo vale para a Câmara, que não pode dar início a processo de impeachment
se, em tese, os fatos apontados na denúncia não correspondem a crime de
responsabilidade (o que vale também para o Senado, quanto ao recebimento da
denúncia).
Aí
entra a competência do Supremo Tribunal Federal: impedir que tramite ou
declarar a nulidade de eventual decretação de impeachment sem que o fato que o
ensejou constitua crime de responsabilidade. Do contrário, o instituto do
impeachment terá sido equiparado ao instituto do voto de desconfiança
parlamentarista, o que seria teratológico e, assim, manifestamente
inconstitucional, absurdo e abusivo.
Muito
se fala do impeachment de Collor, no sentido de que este foi condenado por
crime de responsabilidade, mas depois foi absolvido pela Justiça, quanto a
crimes comuns. A questão, no entanto, era que estava pelo menos defensável que
as condutas de Collor se enquadrassem em hipótese de impeachment. É
absolutamente normal que a Justiça Penal seja mais rigorosa que a Justiça
Política (a do processo de impeachment) na averiguação da ilicitude de
determinados fatos (aliás, é o que acontece entre as Justiça Civil e Criminal:
esta é mais rigorosa que aquela, donde aquela pode considerar uma conduta
contra a honra de outrem como dano moral e esta não considerar tal conduta como
“crime contra a honra”, por exemplo). Nunca se esqueça, ademais, que o STF,
quando julgou Collor por crime comum, excluiu do rol de provas certos
documentos obtidos pela Polícia Federal de forma ilícita – o ex-Presidente foi
absolvido por falta de provas, por questão (prova obtida por meio ilícito) que,
aliás, pode voltar a ter significativa importância no atual procedimento.
A
questão é que é preciso que seja pelo menos defensável o enquadramento da
conduta como crime de responsabilidade para que seja cabível o processo de
impeachment – e, como visto, tal não é defensável no caso da Presidente Dilma
Rousseff. Basta ver que os noticiários diversas vezes afirmaram que seria a
crise econômica ou sua superação que seria “decisiva” para saber se a
Presidente Dilma sofreria ou não o impeachment: ora, o decisivo é ela ter
praticado ou não um crime de responsabilidade! É uma surreal inversão de
valores querer que haja impeachment sem crime de responsabilidade. Não se pode
decretar o impeachment por uma “desastrosa política econômica” ou algo do
gênero sem que a lei taxativamente preveja tal hipótese como crime de
responsabilidade. Há, obviamente, um forte componente político (discricionário)
na decisão parlamentar de iniciar e depois de decretar o impeachment de um(a)
Presidente da República, isso é inevitável: mas, para que seja admissível tal
julgamento, é preciso que haja fato tipificado como crime de responsabilidade
comprovadamente praticado pelo(a) Presidente da República para que seja
juridicamente possível o pedido de impeachment. Do contrário, impeachment terá
sido equiparado a voto de desconfiança parlamentarista sem previsão
constitucional que o autorizasse – e como o regime de governo é definido pela
Constituição, há uma reserva de Constituição, e não de lei, para uma tal
desnaturação normativa da natureza jurídica do presidencialismo, que tem em sua
essência a não-destituição do(a) Chefe de Governo por simples crise política ou
perda de apoio parlamentar, mas apenas quando este(a) tenha comprovadamente
praticado conduta enquadrável, em tese, como crime de responsabilidade, nas
taxativas hipóteses legais.
Em
sede de conclusão, cabe a reiteração da tese já afirmada: deve o STF declarar a
nulidade de eventual decretação de impeachment sem que o fato que o ensejou
constitua crime de responsabilidade, ou mesmo impedir a tramitação de um tal
processo. Do contrário, o instituto do impeachment terá sido equiparado ao
instituto do voto de desconfiança parlamentarista, o que seria teratológico e,
assim, manifestamente inconstitucional e absurdo. Parece haver interesse de
agir para parar a tramitação de processo de impeachment sem crime de
responsabilidade a qualquer momento. Mas, certamente, o interesse de agir
existirá pelo menos quando for afastado(a) o(a) Presidente da República, quando
do recebimento da denúncia pelo Senado (que, pela decisão do STF na ADPF 378,
pode não receber a denúncia – algo normal nos processos penais em geral, nos
quais o recebimento da denúncia é uma decisão que admite o seu não-recebimento,
diga-se de passagem, sendo compatível com o bicameralismo que se entenda dessa
forma em processos tão dramáticos, excepcionais e sensíveis à democracia como o
é o processo de impeachment).
Ou
seja, Supremo Tribunal Federal deve garantir a supremacia da Constituição, do
Estado Democrático de Direito ao rejeitar o Direito Penal do Inimigo e impedir
a quebra das regras do jogo, constitucionalmente impostas, àqueles que boa
parte da opinião pública (sic) considera execráveis (e a menção ao Direito
Penal do Inimigo se justifica devido à absurda necessidade de se reafirmar que
elas valem a todas e todos, mesmo àquelas e àqueles de quem se discorda ou
mesmo não se gosta etc.). Esse é o preço de vivermos em um Estado Democrático
de Direito, que tem em si inerente o respeito à Constituição. Não interessa
aqui, do ponto de vista jurídico, se alguém considere Dilma e o PT “bandidos”
(sic), ou se considera uma “cara-de-pau” a alegação de ausência de provas
contra ela, o ex-Presidente Lula etc. Quem acusa tem que provar e não há provas
de participação da Presidente Dilma em atos concretos de corrupção e não se
aplica o “não tinha como não saber” fora da responsabilidade civil e
trabalhista (não se aplica a impeachment). Pedaladas (sic), na forma como
praticadas, não são crime de responsabilidade (o seriam se fossem verdadeiras
operações de crédito e com “ente federativo”, não com “banco público”, e não
cabe analogia por crime de responsabilidade ser matéria penal, cf. STF) e
decretos não-numerados foram referendados pela aprovação do Congresso de tais
gastos governamentais (abolitio criminis: absolve-se acusados quando a conduta
é legalizada). É preciso levar o Direito a sério. Esse é o único intuito deste
artigo quando se propôs a demonstrar que o Direito pátrio não enquadra as
condutas da Presidente da República como crimes de responsabilidade, não se
podendo ainda admitir teratologias na tentativa de se “forçar” a incidência
apenas por um “ato de vontade” do intérprete, como bem sabe a jurisprudência
uníssona que diz que, embora não caiba, como regra, atacar decisão judicial por
mandado de segurança, isso é excepcionalmente cabível, quando a decisão seja
teratológica – a analogia é perfeita para demonstrar o Supremo Tribunal Federal
não pode considerar como válida a imputação a um(a) Presidente da República de
uma conduta como crime de responsabilidade quando seja indefensável o
enquadramento de tais condutas como tal. Essa é a questão.
Notas
e Referências:
[1]
Sobre isso, ver BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes, BACHA E SILVA,
Diogo e CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo. “Em
primeiro lugar, o impeachment é processo de responsabilização política,
constitucional, do Presidente da República, próprio do sistema presidencialista
de governo, em que se visa conferir um mecanismo de preservação do equilíbrio
na relação entre os poderes Legislativo e Executivo, bem como limitar o abuso
de poder. Não pode, portanto, conferir ao impeachment a mesma finalidade que a
moção de desconfiança ou censura, própria dos sistemas parlamentaristas, ou mesmo
a revogação dos mandatos eletivos por parte dos eleitores, como o recall (…) A
questão, portanto, é de responsabilização política, isto é, constitucional, de
atribuição de um fato concreto ao Presidente da República, fato este que atente
contra a Constituição e, por isso, esteja previamente definido em lei especial
federal”. Disponível em
http://emporiododireito.com.br/o-impeachment-e-o-supremo-por-alexandre-gustavo-melo-franco-bahia-diogo-bacha-e-silva-e-marcelo-andrade-cattoni-de-oliveira/
[2]
Cf. GALUPPO, Marcelo Campos. Impeachment: o que é, como se processa e porque se
faz. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 178, afirma que uma das hipóteses
objeto de controle judicial é “A condenação com base em lei diversa da lei
1079/50”. Além disso, Galuppo lembra que “o princípio da legalidade estrita não
permite que a conduta seja tipificada ad hoc. Consequentemente, compete aos
deputados [estaduais] federais, senadores e vereadores dizer apenas se o ato ou
omissão da autoridade processada corresponde a uma conduta típica (da Lei 1.079
de 1950 ou do Decreto-Lei 201, de 1967), mas não definir o que se entende por
conduta típica”. Galuppo lembra a lição de José Rubens Costa, para quem o
judiciário “examina regularidade formal e material do julgamento”. Nesses termos,
“sequer se pode falar em discricionariedade no julgamento do impeachment por
parte dos julgadores, seja por senadores, seja por deputados ou ainda por
vereadores, porque a discricionariedade diz respeito a um juízo de oportunidade
e conveniência (ideias avessas à de julgamento)”.
[3]
O Ministro Relator ratificou trecho do parecer da Procuradoria-Geral da
República, segundo o qual “A regra estadual impugnada veicula nítida norma
penal incriminadora, em patente violação ao parágrafo único do artigo 85 e no
inciso I do artigo 22 da Constituição da República. Consoante estabelecem estes
dispositivos, compete à União legislar sobre matéria de Direito Penal,
especialmente sobre lei que venha a definir crimes de responsabilidade e as
respectivas normas que venham a regulamentar seu processo e julgamento” (STF,
ADI 2592, pp. 03-04 do voto do Ministro Relator – grifos nossos).
[4]
Este julgado cita o MS 21.623, no qual o então Ministro Moreira Alves (Relator)
cita doutrina de sua autoria, na qual afirmou o seguinte: “é difícil
sustentar-se, no Brasil, que esses crimes, em face das nossas Constituições,
inclusive da atual, não tenham acentuado caráter de infrações penais. Com
efeito, ao contrário do que sucede nos Estados Unidos da América do Norte, a
nossa Constituição, aludindo a crimes de responsabilidade e estabelecendo
genericamente as limitações do legislador, exige, no parágrafo único do artigo
85, que esses crimes sejam definidos em lei especial, o que implica dizer que
os submete ao princípio constitucional penal que ‘não há crime sem lei anterior
que o defina’ (art. 5º, primeira parte). Por isso mesmo, em termos mais
recentes, em diversas representações de inconstitucionalidade, sob o império da
Constituição de 1946 (onde havia a mesma vigência), esta Corte declarou
inconstitucionais dispositivos de Constituições estaduais, sob o fundamento que
não competia ao Estados definir crimes de responsabilidade de Governadores e de
Secretários de Estados, por competir, privativamente, à União legislar sobre
direito penal. A legislação federal seguiu essa orientação, razão porque a lei
federal nº 1079, de 10 de abril de 1950, definiu os crimes de responsabilidade
dos Governadores e de Secretários de Estado […] A maioria da doutrina se
orientou no mesmo sentido (Revista de Direito Administrativo – 192 – ps.
274/275)” (STF, ADI-MC 1879, pp. 03-04 do voto do Relator – grifos nossos).
[5]
Sobre isso, ver BARRETO LIMA, Martonio, CATTONI, Marcelo e STRECK, Lenio. Não
há elementos jurídicos para impeachment de Dilma, rebatem juristas. In: Revista
Consultor Jurídico, 04 de fevereiro de 2015. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2015-fev-04/nao-elemento-juridico-impeachment-dilma-dizem-advogados.
[6]
Esta também é a posição de Pedro Lessa, lembrada, também defendida, por
GALUPPO,Marcelo. Impeachment: o que é, como se processa e porque se faz. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 35 e 36, assim como a de Marcelo Neves (parecer
disponível em http://www.vermelho.org.br/noticia/273806-1). “E sua natureza
penal”, afirma Galuppo, “implica a necessidade de se adotar uma perspectiva
garantista”.
[7]
Cf.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/12/impeachment-confira-a-integra-da-decisao-de-eduardo-cunha.html
(acesso em 21.03.2016). O link leva à outro, que direciona à íntegra da decisão
de recebimento da denúncia.
[8]
Sobre o tema, o artigo de RIBEIRO, Ricardo Lodi. Pedaladas hermenêuticas no
pedido de impeachment de Dilma Roussef. In: Revista Consultor Jurídico,, 04 de
dezembro de 2015.. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2015-dez-04/ricardo-lodi-pedaladas-hermeneuticas-pedido-impeachment
“não é possível enquadrar na acepção do termo operações de crédito, o
nascimento de débitos com instituições financeiras decorrentes do
inadimplemento de obrigações contratuais, como a ausência de repasses de
recursos para o pagamento de prestações sociais pelos bancos públicos”
[9]
Para uma síntese do parecer, vide:
http://www.conjur.com.br/2015-dez-08/parecer-encomendado-lider-rede-solidariedade-defende-dilma
(último acesso em 21.03.2016). O parecer, disponibilizado na referida matéria,
encontra-se disponível em
http://s.conjur.com.br/dl/parecer-ricardo-lodi-impeachment-dilma.pdf (último
acesso em 21.03.2016).
[10]
Cf. RIBEIRO, Ricardo Lodi. Pedaladas hermenêuticas no pedido de impeachment de
Dilma Rousseff. In: Revista Consultor Jurídico, 04.12.2015. Disponível em:
.
(último acesso em 21.03.2016)
[11]
Cf. http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/12/impeachment-confira-a-integra-da-decisao-de-eduardo-cunha.html
(acesso em 21.03.2016).
[12]
Não obstante a crítica que dois dos coautores deste artigo fizeram a dito
julgamento, por evidente não se discordou desta parte notória da hermenêutica
contemporânea. Eis o referido artigo: BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco.
BACHA E SILVA, Diogo. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Supremo viola igualdade
com decisões diferentes sobre renúncia. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-mai-13/stf-viola-igualdade-decisoes-diferentes-renuncia-mandato
(último acesso em 21.03.2016).
[13]
Sobre isso, ver
http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/moro-reconhece-erro-grampo-dilma-lula-nao-recua
(acesso em 21.03.2016)
[14]
STRECK, Lenio Luiz. Nas escutas, juristas se mostram mais moristas do que o
próprio Moro. In: Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2016. Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2016-mar-21/lenio-streck-escutas-juristas-revelam-moristas-moro
(acesso em 21.03.2016).
[15]
Ver, e.g., Parecer de André Ramos Tavares, disponível em: ;
Parecer de Gilberto Bercovici, disponível em:
,
e Parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato,
disponível em:
.
Vale a pena ver também, sobre o descabimento técnico-jurídico quanto à ausência
de configuração de crime de responsabilidade, entre outros: Manifesto dos
Juristas contra Impeachment ou Cassação de Dilma. Disponível em
;
NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Parecer. Disponível em
e RIBEIRO, Ricardo Lodi. Pedaladas
hermenêuticas no pedido de impeachment de Dilma Rousseff. In: Revista Consultor
Jurídico, 04.12.2015. Disponível em: .
(último acesso a todos em 21.03.2016)
http://emporiododireito.com.br/supremo-tribunal-federal-deve-barrar/
Nenhum comentário:
Postar um comentário