Em
belíssima entrevista, veiculada na revista eletrônica Consultor Jurídico, o
advogado Alberto Toron afirmou, com a clareza e lucidez que lhe são peculiares,
que “ou respeitamos as formulas do processo ou nem precisamos do processo! E
voltamos para a barbárie”.
Merece
ainda ser destacada outra afirmação do advogado: “Do mesmo jeito que é
importante ter segurança contra a criminalidade, é importante ter segurança
contra o arbítrio dos agentes estatais, contra a prepotência dos agentes
estatais. O papel do advogado é exatamente esse, conter o arbítrio”.
O
constitucionalista Luís Roberto Barroso — muito antes de ser ministro do
Supremo Tribunal Federal — afirmava que “a repressão à criminalidade é uma
necessidade imperativa de qualquer sociedade. Deve ser efetivada com presteza,
seriedade e rigor. Mas há limites muito nítidos”, sendo que “qualquer
transigência, aqui, é o sacrifício do Direito no altar das circunstâncias” (O
País das Provas Ilícitas, in Jornal do Brasil).
Os
brasileiros precisam entender que submeter um juiz aos limites da lei e da
Constituição Federal não é nenhum atentado contra a garantia da independência
judicial. É a Constituição Federal que assegura a todos, indistintamente, a
garantia de um processo justo, onde sejam assegurados o contraditório e ampla
defesa (artigo 5º, LV da CF), rejeitadas as provas obtidas por meios ilícitos
(artigo 5º, LVI da CF) e motivadas as decisões judiciais (artigo 93, IX da CF).
O
poder de punir do Estado não pode ser exercido de forma arbitrária. A Justiça
Penal “não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade,
limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados”. (STF,
Ap. 307-3, Ilmar Galvão, DJ 13.10.95).
Não
podemos admitir que o processo penal retorne aos tempos da inquisição, quando
as execuções públicas eram apreciadas — e aplaudidas — pela população. E nem
que o combate à corrupção sirva de fundamento para que aqueles que se julgam do
“bem” busquem, a qualquer custo, a punição de quem consideram do “mal”.
Podemos
não gostar do PT, do PMDB, de Lula, Dilma ou de Eduardo Cunha. Mas isso não
significa dizer que devemos aplaudir quando as garantias dos cidadãos — e de
seus advogados — são violadas. Hoje as vítimas dos abusos são os políticos, os
empreiteiros, os vilões do momento. Amanhã pode ser um de nós, um familiar, ou
um amigo.
Hoje
o acusado é preso para forçar uma delação premiada. Amanhã, diante da
resistência em fazer a delação, talvez mandem prender a mãe, o pai, avós ou os
filhos menores desse mesmo acusado. Talvez até uma tortura leve, quem sabe uns
choques elétricos. Afinal, meras irregularidades — eufemismo agora utilizado
para as ilegalidades — devem ser toleradas no combate à corrupção.
As
normas que regem o processo penal foram editadas em beneficio de todos. Servem
para proteger culpados e inocentes. São limites ao poder punitivo do Estado,
que não pode tudo no combate ao crime.
É
preocupante a troca de funções hoje existente: a imprensa passou a julgar e a
Justiça a exercer o papel de sua informante. Já existem pessoas avaliando a
culpa dos acusados com base em pesquisa de opinião pública. Uma loucura
completa.
Lembro
que Toron, 15 anos atrás, já advertia que “com esta forma de pensar, esquece-se
que, numa sociedade edificada sobre a base da dignidade humana, estampada na
Constituição como valor reitor (artigo 1º, III, da CF/1988) e que presume a
inocência do cidadão (artigo 5º, LVII, CF/88), não se pode conviver com a
execração pública, degradação e linchamento moral dos cidadãos, ainda que
abastados, como forma de exercício do poder, tal qual se fazia sob o
absolutismo. Por outras palavras, o que ontem se combateu como opressão
dirigida aos segmentos desfavorecidos, porque afrontoso aos Direitos Humanos,
não pode, perversamente, vir validado e aplaudido hoje, como se fosse a
“democratização do direito penal” ou a da cobertura da imprensa, que agora
também atinge os ricos” (Notas sobre a mídia nos crimes de colarinho branco e o
Judiciário: os novos padrões. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol.
36/2001 | p. 257 - 272 | Out - Dez / 2001).
Os
brasileiros precisam refletir sobre esses temas. Não é a má utilização do
processo penal que fará o Brasil melhorar. O processo penal é meio de proteção
do cidadão contra os arbítrios do Estado. Não podemos esquecer disso.
Parabéns
Toron. E parabéns à ConJur.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-mar-23/nao-ma-utilizacao-processo-penal-brasil-melhorar
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