Por
terem suas conversas telefônicas ilegalmente divulgadas ao público pelo juiz
federal Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente
Dilma Rousseff (PT), os ministros Jaques Wagner e Nelson Barbosa, o prefeito do
Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e os demais envolvidos nos áudios podem
processar a União por danos morais. E se o Estado concluir que Moro agiu com
dolo ou culpa, pode exigir que ele reponha aos cofres públicos os eventuais
valores gastos com as indenizações.
A
Administração Pública responde objetivamente pelos danos causados por seus
agentes, conforme estabelece o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição. O juiz
da “lava jato”, ao divulgar o conteúdo dos grampos feitos em aparelhos ligados
a Lula, violou o artigo 8º da Lei das Interceptações Telefônicas (Lei
9.296/1996), que determina o sigilo das gravações e transcrições.
E
a justificativa de Moro para essa medida, de que o interesse público prevalece
sobre a intimidade, não se sustenta, opina o criminalista Rogério Taffarello.
“O texto legal não permite exceções ao sigilo que se impõe ao produto da
interceptação. Ao contrário do que alguns afirmam, não há espaço aqui para
supor que o interesse público faria ceder de forma absoluta a garantia
individual: a análise de proporcionalidade entre os interesses em jogo foi
feita pelo legislador, que aqui estabeleceu uma regra e não um princípio, e ela
só não seria integralmente aplicável se não estivesse vigente ou fosse
inconstitucional. Dessa forma, as gravações no processo penal só podem ser
acessadas por investigadores, acusadores, defensores e juiz”.
Com
essa medida, o juiz federal expôs indevidamente a privacidade do ex-presidente
e de seus interlocutores. E esse ato ilícito já gerou efeitos negativos aos
envolvidos. Dilma foi acusada de nomear Lula ministro da Casa Civil apenas para
que ele ganhasse foro privilegiado e fugisse de Sergio Moro. Isso serviu de
fundamento para o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes para
suspender a posse do petista no cargo.
Além
de ainda não ter assumido a pasta, o ex-presidente também foi criticado por
tentar interferir nas investigações contra ele. Isso porque Lula declarou que o
novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, deveria cumprir “papel de homem”
quanto à “lava jato”, disse a Dilma que a Suprema Corte está “totalmente
acovardada” e pediu que Jaques Wagner conversasse com a presidente sobre a
ministra Rosa Weber, que julgaria um pedido de suspensão das investigações
sobre dois imóveis atribuídos ao líder do PT, um triplex em Guarujá (SP) e um
sítio em Atibaia (SP) — o qual Rosa acabou negando. O decano do STF, Celso de
Mello, rebateu essas afirmações, classificando-as de “reação torpe e indigna,
típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem disfarçar o temor
do império da lei e de juízes livres e independentes”.
Outro
que se prejudicou com a divulgação de conversas privadas foi Eduardo Paes, que
brincou com Lula dizendo que ele tinha “alma de pobre”, pois Atibaia, onde ele
é acusado de ter um sítio, se fosse no estado do Rio, não seria uma área nobre
como Petrópolis ou Itaipava, e sim em Maricá, “uma merda de lugar”. Depois das
críticas, o prefeito carioca teve que pedir desculpas públicas à população da
cidade. Além disso, foram revelados diálogos de pessoas que não eram
investigadas – como Jaques Wagner, Nelson Barbosa e o presidente do PT, Rui
Falcão – e que em nada contribuíam para o processo – como papos entre a mulher
de Lula, Marisa, e o filho deles Fábio Luís sobre os panelaços, e entre o
ex-presidente e seu irmão Vavá, com assuntos mundanos.
Por
causa dos prejuízos que sofreram pela exposição irregular de suas conversas,
Lula, Dilma e os demais interlocutores podem processar a União, explica o
jurista Lenio Streck, que aponta que “pesados danos ocorreram às imagens da
presidente e do ex-presidente”. Também nessa linha, o ex-presidente da
seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil Antonio Cláudio Mariz
de Oliveira ensina que qualquer um que se sentir abalado moralmente pela
divulgação de fatos de sua vida privada poderá reivindicar compensação.
E
se o Estado – depois de pagar as indenizações – entender que Sergio Moro agiu
com dolo ou culpa ao levantar o sigilo dos áudios, poderá mover ação regressiva
contra ele. Nesse caso, o juiz federal pode ser condenado a ressarcir a
Administração Pública os valores que ela eventualmente gastar com as reparações
pelos danos morais, analisa o professor de Processo Penal da USP Gustavo
Badaró.
O
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal
da PUC-SP Guilherme Nucci concorda que cabe indenização pela disponibilização
de conversas privadas “que nada interessam à sociedade”. Contudo, ele avalia
que o Estado – e Sergio Moro, consequentemente – não responde pela divulgação
de diálogos de autoridades, o que garante ser um ato legítimo. Isso porque o
interesse público, previsto no artigo 93, IX, da Constituição, prevalece sobre
o sigilo das escutas estabelecido pelo artigo 8º da Lei das Interceptações
Telefônicas.
Crime
ou não?
Devido
à divulgação da conversa entre Lula e Dilma ocorrida após o fim da autorização
para as escutas, Sergio Moro pode ter que responder por crimes e violações
funcionais, analisam especialistas. Na visão de Badaró e de um advogado
criminalista ouvido pela ConJur, a conduta do juiz – quebrar sigilo de Justiça
– se enquadra no delito do artigo 10º da Lei das Interceptações Telefônicas.
Já
Streck entende que Moro, por saber que estava lidando com uma prova ilícita –
como ele mesmo assumiu posteriormente – “assumiu o risco” de cometer o crime do
artigo 325 do Código Penal (revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e
que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação). O jurista também
opina que o juiz da “lava jato” violou “no mínimo” seis artigos da Resolução 59
do Conselho Nacional de Justiça, especialmente o artigo 17.
Mais
uma vez, Nucci discorda dos dois e afirma que Sergio Moro não cometeu crime.
Segundo o professor da PUC-SP, o sigilo telefônico de Lula foi quebrado de
forma regular, pois existiam no processo provas que apontavam a ocorrência de
crime e indícios de autoria. E ele garante que o juiz não pode praticar o
delito do artigo 10 da Lei das Interceptações Telefônicas.
“O
artigo 10 abrange, basicamente, quem é estranho ao processo criminal (ou
investigação) e não tem poderes para determinar a interceptação. Parece-me que
o caso é mais simples, visto ter sido feita a referida interceptação a mando de
quem detinha legitimidade para tanto.”
O
criminalista Mariz de Oliveira tem entendimento semelhante, e argumenta que
esse dispositivo não se aplica ao caso por ter havido regular autorização
judicial para as escutas.
Efeitos
para as investigações
As
conversas de Lula que foram gravadas até as 11h13 da quarta-feira (16/3) –
quando Sergio Moro decretou o fim das escutas — não perdem sua validade
processual por terem sido divulgadas, avaliam os especialistas em Direito Penal
ouvidos pela ConJur. Entretanto, eles declaram que o diálogo de Lula e Dilma
captado às 13h32 do mesmo dia é prova ilícita, e não pode ser usada.
Mas
a divulgação irregular desse áudio “já produziu danosos efeitos midiáticos”,
diz Mariz de Oliveira. Gustavo Badaró, por sua vez, afirma que a confirmação da
ligação por Dilma permite que o conteúdo dela seja valorado judicialmente.
Por Sérgio Rodas
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2016-mar-22/autoridades-grampos-divulgados-moro-podem-pedir-indenizacao
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