A
Lava Jato atravessou definitivamente o Rubicão, com a história da condução
coercitiva de Lula para prestar depoimento.
A
nota de Moro – transferindo a responsabilidade do pedido ao Ministério Público Federal,
conclamando por tolerância e compreensão “em relação ao outro lado” mostra o
risco de se colocar a estabilidade política do país na dependência de um grupo
de investigadores provincianos, conduzidos pelas cenouras do Jornal Nacional.
Mas
fornece elementos que levam a um desfecho imprevisível para nosso jogo de
xadrez.
Peça
1 - A estratégia dos vazamentos
Moro
quebrou o sigilo de todos os inquéritos e a Lava Jato montou uma agência de
notícias com jornais parceiros. Qualquer notícia – pedalinhos, barquinhos,
estátuas de Cristo Redentor – serve para alimentar as manchetes criando o clima
de incriminação de Lula. Os vazamentos vão em um crescendo até que a prisão ou
condenação de Lula se torne irreversível.
Depois,
quando estoura a operação seguinte, a Zelotes, em um passe de mágica
procuradores e delegados da Lava Jato fornecem assessoria e monta-se a segunda
perna de ataques, em cima da teoria inverossímil da compra da MP da indústria
automobilística.
É
evidente que a estratégia de criminalização de Lula transcende a Lava Jato.
Peça
2 - O legalismo formal
Afim
de dar uma aparência legal a esse jogo, os personagens comportam-se da seguinte
maneira:
a. Em off, procuradores e delegados montaram a
rede de vazamentos incessantes de informações com veículos parceiros. Mas há a
preocupação de não dar nenhuma entrevista em on sobre os inquéritos.
b. Todos os passos da Lava Jato são no sentido
de incriminar Lula, valendo-se até de pedalinhos e barquinhos e MPs aprovadas
por unanimidade no Congresso. Nas manifestações formais, Moro faz questão de
salientar a condição de Lula, de não ser réu e ser convocado apenas na condição
de depoente. Mata dois coelhos: reforça a aparência de republicanismo nos
inquéritos – essencial para manter o controle das investigações e a legitimação
da operação - e fornece argumentos para o Ministro Cardozo manter a presidente
Dilma Rousseff tranquila.
c. O PGR dá toda sustentação à Lava Jato, não
coloca nenhum óbice aos vazamentos, permite que a Zelotes adira à estratégia de
delenda Lula. Mas no plano formal – por exemplo, o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) – coloca um procurador sério, que impede os arroubos pró-impeachment
de Gilmar Mendes. O impeachment precisa se revestir de aparência de legalidade.
d. Quando vazam documentos críticos,
recorre-se aos estratagemas das organizações burocráticas. Chega a denúncia ao
Ministro da Justiça, Cardozo encaminha à Polícia Federal e dá sua missão por
cumprida. Formalmente, não pode ser acusado de ignorar a denúncia. Depois,
basta deixar a denúncia mofar nos escaninhos da PF, como ocorreu na denúncia
falsa de Veja, na véspera das eleições.
Essa
peça é central, na hora de se analisar os próximos passos da Lava Jato, depois
do episódio da condução coercitiva. A base dela é o formalismo legal.
Peça
3 - O ponto fora da curva
Dada
a abrangência e o ritmo frenético dos vazamentos, a Lava Jato foi deixando
vestígios pelo caminho. No palpitante episódio dos pedalinhos Tico e Teco do
sítio de Atibaia, passaram a informação para a Folha, que deu o “furo”.
Procuradores e delegados curitibanos chegaram ao sítio antes mesmo que a edição
do jornal chegasse em Curitiba. Ou, no caso da condução coercitiva de Lula, o
diretor da revista Época, em plena madrugada, comemorou a operação.
Ou,
pior, quando disseminaram acusações sobre a offshore dona de apartamentos no
prédio do tríplex e, quando constatado que atingiriam apenas a Rede Globo, da
noite para o dia sumiram com o tema e concentraram nos pedalinhos de Atibaia.
A
nota de Moro mostra que não se trata de um tresloucado, mas apenas de um
sem-noção. Hoje, caiu na real, tratou de se calçar, disfarçando suas intenções
com apelos à paz. Quando o próprio Gilmar Mendes reconhece os abusos, é que se
exagerou em demasia.
E
daqui para frente? Há duas certezas: Moro sofrendo de insônia até o dia das
manifestações, sabendo que qualquer tragédia recairá sobre ele. A segunda, sobre a operação presunção de
isenção.
Peça
4 – algum episódio que devolva à operação a presunção de isenção.
Esta
é minha única certeza, tal a dificuldade de traçar cenários.
Há
diversas possibilidades. A que me parece mais forte é alguma delação envolvendo
Aécio Neves, para devolver à Lava Jato – e à PGR – a presunção da isenção.
Provavelmente nada que leve Rodrigo Janot a aprofundar investigações, mas o
suficiente para criar alguma marola.
Aécio
se tornou peça disfuncional no jogo. É imaturo, desinformado, voluntarioso,
deixou passar a intenção de até demolir a economia, em busca do impeachment, e
seria um desastre na presidência. É o álibi ideal para o PGR resgatar um pouco
da imagem de isenção.
Nas
últimas semanas consolidou-se um arco de aliança entre os quatro probos do
Congresso – Renan Calheiros, Romero Jucá, José Serra e Eduardo Cunha – em torno
da agenda econômica, depois da bem-sucedida prospecção de petróleo e da
reaproximação com o vice Michel Temer. O único inconveniente – o quarto probo,
Eduardo Cunha – deverá ser expelido nos próximos dias, deixando de contaminar o
arco do impeachment.
Com
o domínio que tem sobre o Congresso e a presidente, é possível que o novo
“centrão” mantenha a posição cômoda de administrar uma presidente refém. Em
última hipótese, tenta-se o impeachment ungindo Temer na presidência.
Obviamente, teriam que combinar com os russos.
Peça
5 – Lula pagando para ver.
Ao
reagir à Lava Jato e anunciar que percorrerá o país em campanha, Lula deu
xeque, estreitando as jogadas de Moro.
Há
duas possibilidades em jogo: ou a prisão de Lula ou o recuo da Lava Jato e
operações correlatas. Não há meio termo, não há mais espaço para esse
lusco-fusco de palavras amenas respaldando a perseguição.
E
aí dependerá da chamada consciência jurídica do país, a capacidade das figuras
referenciais ficarem acima do jogo político, do medo, dos interesses pessoais,
analisarem os desdobramentos do próximo passo da Lava Jato e se posicionarem. E
terem a hombridade de externalizar sua indignação. A história cobrará não
apenas dos que insuflaram esses conflitos, mas dos que abriram mão da biografia
e se eximiram de defender a democracia.
Nesses
momentos de catarse, há um claro clima de intimidação.
Na
semana passada estive no STF e me surpreendeu o clima de paranoia real e a
inibição de um deles, figura referencial, devido a ataques baixos sofridos.
Alguns juristas e Ministros do STF romperam a cortina do medo, mas são poucos.
Papel
relevante terão as associações em jogo – ANPR (Associação Nacional dos
Procuradores da República) e a AJUFE (Associação dos Juízes Federais).
Precisarão se desprender do corporativismo e analisar as consequências da
radicalização não apenas para o país, mas para a própria legitimação de ambas
as corporações. Procuradores e delegados passam, Ministério Público e Polícia
Federal prosseguem. O MPF e a PF daqui a dez anos – e a própria democracia brasileira
- dependerão do que ocorrer agora: ou serem os alicerces da democracia social
ou novas-velhas polícias políticas.
Caso
a Lava Jato tenha chegado a um ponto de não-retorno, e Moro e os procuradores
levem até o fim suas arbitrariedades, não é necessário ser nenhum jogador de
xadrez para analisar as consequências:
1. Clima de guerra em todo o país.
2. Como efeito da guerra, ataques contra todos
os dissidentes, seja recorrendo à violência nas ruas ou à intimidação policial
– como ocorreu com as ameaças do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima
contra blogs não alinhados que divulgaram vazamentos não autorizados.
3. Um clima de vale-tudo disputando o butim da
presidência.
4. Mais adiante, quando algum novo grupo
conseguir a hegemonia política, o primeiro passo será retirar as prerrogativas
do Ministério Público e enquadrar a Polícia Federal.
Do
alto das pirâmides institucionais, muito acima dos holofotes do Jornal
Nacional, há uma história construída pelos Bonifácio, Nabuco, Rebouças,
Patrocínio, Rui, Clóvis, Vitor, Ulisses, Brossard.
Eles
são a referência, não o âncora do Jornal Nacional. Espera-se que os
protagonistas da história atual tenham a grandeza de se mirar nas referências
maiores.
http://jornalggn.com.br/noticia/a-lava-jato-atravessou-o-rubicao
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