Morto
no dia 19/2, o escritor, semiólogo e filósofo italiano Umberto Eco é uma
referência também no Direito. Seu best-seller, O Nome da Rosa, traduzido para
mais de 30 línguas, explora, em meio a um romance com mortes e investigações em
um mosteiro beneditino, também o autoritarismo do Direito. Tal relação foi
discutida no programa Direito e Literatura, conduzido pelo jurista Lenio Streck
(clique aqui para assistir).
O
Tribunal da Igreja retratado no livro remete a uma primeira concepção de
criminologia, segundo o professor e colunista da ConJur Arnaldo Godoy. O
inimigo em tais tribunais "era quem quer que pensasse de modo contrário ao
dogma prevalecente".
No
romance, o inquisidor Bernardo de Guy, dominicano, é abertamente inimigo de
William de Baskerville, representante dos franciscanos. "Sua predisposição
para condená-lo era objetivamente constatada pelo modo como as arguições eram
conduzidas", explica Godoy. Os paralelos que podem ser traçados com os
arbítrios cometidos ainda hoje nos tribunais são muitos. Com o fortalecimento
do Direito Penal do Inimigo e do punitivismo, a obra se torna a cada dia mais
atual.
Morto
nesta sexta-feira, Umberto Eco é também referência no Direito.
Reprodução
Máquina
de lama
Eco
tinha 84 anos e enfrentava um câncer, mas a causa de sua morte não foi
divulgada. Seu último livro, Número Zero, é uma crítica contundente e bem
humorada ao mau jornalismo e à manipulação de informações pela imprensa.
Em
recente entrevista ao canal GloboNews, ao comentar a obra, ele afirma que “para
desacreditar alguém, não é necessário acusá-lo de ladrão, assassino. Basta
dizer as coisas que são realmente verdade e que são normais, mas que jogam uma
sombra de suspeição”, ao explicar o que chama de “máquina de lama” da imprensa.
Os
problemas da desinformação, diz Eco, são ainda maiores do que o que podem
causar à reputação de uma pessoa. “Todo tipo de racismo, fundamentalismo, quase
sempre, se baseia em afirmações falsas”, afirma. O escritor exemplifica,
apontando que Hitler “matou 6 milhões de judeus levando a sério o antigo
Protocolo dos Sábios de Sião”.
Segundo
o jornal Folha de S.Paulo, o pai de Umberto Eco queria que ele fosse advogado,
mas foi contrariado por seu filho, que se matriculou na Universidade de Turim
para estudar Filosofia Medieval.
Leia
a entrevista:
Entrevista
à jornalista Ilze Scamparini, para o programa Milênio — um programa de
entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às
23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras
(15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Umberto
Eco é um italiano que olha a realidade com óculos especiais. Defini-lo como
escritor e crítico literário seria muito pouco. Também seria insuficiente
nominá-lo como linguista, esse piemontês de Alexandria, de fama internacional é
também filósofo e um ensaísta vivaz. Semiólogo, usa a ciência dos símbolos como
um esquema mental. Grande apaixonado pela Idade Média, produziu obras como O
Nome da Rosa, de 1980, um suspense filosófico ambientado no ano de 1327, que
virou best seller e inspirou um filme com Sean Connery. Estudioso do fenômeno
da comunicação, foi um dos primeiros por aqui a falar de linguagem televisiva.
Acompanhou o nascimento da televisão italiana e do pensamento americano sobre a
TV. Um princípio fundamental da sua narrativa é a suspeita, a desconfiança no
que se diz. Umberto Eco põe em discussão qualquer interpretação sobre os fatos.
Na sua casa em Milão ele nos mostrou a edição brasileira de Número Zero, o seu
último livro que cita histórias da época contemporânea para falar de chantagem,
intrigas e de reputações enlameadas dentro da redação de um jornal.
Ilze
Scamparini — O senhor acabou de lançar uma espécie de manual do mau jornalismo.
Criou uma redação de pretensiosos. Essa ideia vem de onde?
Umberto
Eco — Há pelo menos, 30 anos que escrevo artigos e ensaios sobre os vícios do
jornalismo. Uma visão de dentro, porque também escrevo em um jornal. Então, é
um tema familiar para mim.
Ilze
Scamparini — Imagino que o senhor não tenha feito essas observações só na
Itália?
Umberto
Eco — A minha é uma redação de jornalistas fracassados. E, nesse caso, um
exemplo de péssimo jornalismo. Mas, alguns diretores de jornal aqui na Itália
debateram o meu livro e disseram: “Sim, mas alguns desses vícios são também do
grande jornalismo”. E são no mundo inteiro por uma série de razões. De todo o
modo, o jornalismo vive uma crise desde o fim de 1953. Pelo menos, na Itália.
Nos Estados Unidos, um pouco antes, por causa do advento da televisão.
Antigamente, os jornais diziam de manhã o que havia acontecido na noite
anterior. Ou seja, diziam de manhã aquilo que todo mundo já sabia pela
televisão. Isso poderia ter sinalizado o desaparecimento dos jornais como
objeto, como instituição. Mas, os jornais precisaram aumentar o número de
páginas para acolher publicidade, etc. Quando eu era pequeno, os jornais tinham
quatro páginas. Agora, têm sessenta. Então, o que faz um jornal? Ou pode fazer
um aprofundamento, o que exige uma redação forte, uma preparação de
investigações. Ou fofocas. Como os vespertinos ingleses que não fazem outra
coisa a não ser falar da família real. Em alguns casos, como acontece no meu
jornal, o sensacionalismo e a chantagem. Quando eu trabalhava em redação,
existia um personagem na Itália se chamava Pecorelli. Ele tinha uma agência de
notícia. Ele não fazia um jornal, fazia um boletim de notícias. Não era vendido
em banca. Mas acabava nas escrivaninhas de todas as pessoas importantes. Então,
era um sistema de chantagem porque apresentava algumas notícias que ele poderia
vir a divulgar em seguida.
Ilze
Scamparini — E por isso ele foi assassinado?
Umberto
Eco — Foi assassinado. Então, podemos dizer que devia incomodar. Os jornais de
chantagem, do tipo que na Itália se chama “máquina de lama”, existem. Até mesmo
aqueles jornais que se consideram nacionais e bastante sérios. Nesse caso,
coloquei em evidência este problema que é comum a vários tipos de jornalismo.
Por exemplo, a tentativa do jornalista de não manifestar opinião, o que é muito
praticado. A grosso modo, tem-se um fato, descreve-se o fato. Depois dá-se,
entre aspas, a opinião de alguém que passou por ali. Ou seja, dá-se a impressão
de que opinião é separada do fato. Mas quem escolheu a pessoa que dá a opinião?
Ilze
Scamparini — Essa “máquina de lama”... Se eu não me engano, até o senhor foi
vítima dessa “máquina de lama” quando foi a Jerusalém e fez a famosa
declaração, não?
Umberto
Eco — Sim, mas aquela era só uma máquina de estupidez. Porque teve efeito
apenas sobre uma pequena discussão. Melhor, o que é típico da “máquina de lama”
é que para desacreditar alguém, não é necessário acusá-lo de ladrão, assassino.
Basta dizer as coisas que são realmente verdade e que são normais, mas que
jogam uma sombra de suspeição. Então, um jornal que não gostava de mim publicou
um texto assim: “Ontem, Umberto Eco foi visto em um restaurante chinês com um
desconhecido, enquanto comiam com palitinhos.” Não tem nada de mal estar num
restaurante chinês. O personagem era desconhecido para eles e não para mim. Era
um amigo meu. Mas imagine que, a não ser em Milão, Roma ou Bolonha, em suma,
todas as grandes cidades onde existem restaurantes chineses, no resto do país
não tem. Então, para as pessoas, a ideia de alguém com um desconhecido usando
palitinhos em vez de comer massa com grafo, como fazem as pessoas normais, já
transforma tudo em Chinatown, um filme de Polanski. É uma forma de lançar uma
sombra de suspeição. Essas são técnicas refinadas da “máquina de lama”.
Ilze
Scamparini — Para o senhor quais são os danos mais comuns e mais nefastos do
mau jornalismo?
Umberto
Eco — São infinitos. A senhora definiu o meu romance como um manual. E, na
verdade, chegaram a propor usá-lo como manual nas escolas Jornalismo, para
explicar o que não deve ser feito. E os espanhóis querem mesmo trabalhar nesse
sentido. Pense, por exemplo, nas práticas que, aparentemente, são corretas, a
edição. Assim, um jovem mata a namorada em Belo Horizonte. Um outro mata a
mulher em São Paulo. Um outro mata a amante em Salvador. São três fatos
estatisticamente, num país grande como o Brasil, estatisticamente bem normais.
Se todos são postos na mesma página, cria-se um alarme. Se, além disso, todas
essas pessoas são, digamos, da mesma cor, são negros. Então, cria-se, de fato,
uma perseguição racial. Simplesmente colocando as notícias na mesma página.
Então, são técnicas que, algumas vezes, estão arraigadas. Porque vêm
naturalmente para os jornalistas. Três notícias bem parecidas são postas uma ao
lado da outra. Mas se cinco acidentes de carro são postos numa mesma página,
quer dizer que tem alguma coisa que não funciona no motor dos carros. Este é um
elemento mínimo. Mas onde a gente vê como o jornalismo pode ser perigoso mesmo
quando se trabalha corretamente.
Ilze
Scamparini — Mas a política dentro da redação. Isso também pode ser uma coisa
nefasta? A política, o jornalismo contaminado da política partidária.
Umberto
Eco — Só existe um tipo de jornal que não é contaminado. É o jornal de partido.
Porque se sabe que é um jornal de partido, então se sabe como ler e fazer a
filtragem das informações. É claro que cada jornal tem pressão política de
todos os tipos. Vai depender de como eles declaram isso. Os grandes jornais
americanos, quando tem eleição para presidente, dizem: “Nós apoiamos este.” Ok,
estamos entendidos. Na Itália, o problema trágico é que não existem jornais
independentes. Todos são, de algum modo, ligados a bancos, indústria etc. Isso
é muito grave. Não é tanto a política. Um jornal deve fazer política. Se é um
jornal honesto, deixa claro qual é a posição política dele.
Ilze
Scamparini — Os mecanismos revelados pelo livro poderiam ser aplicados em
outros países?
Umberto
Eco — Cabe aos outros países decidirem.
Ilze
Scamparini — O empresário que patrocina o jornal que não será nunca publicado
representa alguém especificamente? Sei que é uma pergunta que fazem bastante.
Umberto
Eco — É uma pergunta que todos me fazem. É Berlusconi? Este comendador
Vimercati. Existem tantos senhores Vimercati em Itália e em toda parte. Quem é
Murdoch? Quem são os donos de jornais, etc. Então, até Vimercati tende a ser um
personagem universal.
Ilze
Scamparini — Já que os fatos se ligam também, o que significa Silvio Berlusconi
na história italiana?
Umberto
Eco — Atualmente, não acho que Berlusconi tenha ainda um grande futuro
político, por causa da idade, por que a situação é diferente. Ele foi ignorado.
Encontrou gente mais esperta que ele. O presidente Renzi é mais esperto que
Berlusconi. E ele achava que era mais esperto. Berlusconi representou por vinte
anos mais um personagem dotado, realmente, de fascínio para muita gente. É um
homem e grande simpatia. De grande poder econômico. E como tinha o controle dos
meios de comunicação de massa pode convencer um país inteiro, por quase vinte
anos, de um programa inexistente: que ele deveria livrar a Itália do comunismo.
Quando o comunismo já havia se liberado sozinho. E já havia acabado. Então,
Berlusconi foi um produto típico da sociedade de massa. Representa uma nova
forma de populismo, de uma política que tem apelo direto com o povo, ignorando
o Parlamento. E sobre populismo, a América Latina tem muito a nos ensinar.
Ilze
Scamparini — Uma cultura que, no fim das contas, ele produziu, ainda está em
vigor.
Umberto
Eco — Mas, certamente, o eleitorado de Berlusconi é ainda de senhores entre
cinquenta e noventa anos, principalmente, os que veem televisão.
Ilze
Scamparini — O senhor escreveu O Nome da Rosa há 35 anos. Até hoje, o livro é
um mito absoluto na literatura e muito fundamental na sua vida de escritor. De
que maneira aquele romance influenciou sua narrativa desde então?
Umberto
Eco — Pelo simples fato de que, até aquele momento, por exemplo, tem o fato de
que eu nunca havia escrito um romance. Costumo brincar que todos os meus livros
anteriores tinham uma sinfonia de Mahler, uma obra de Charlie Parker. Então, a
cada vez, a gente procura encontrar novas soluções estilísticas, etc.
Simplesmente, me aconteceu a desgraça de ter um grande sucesso com o meu
primeiro livro. Sorte seria se o grande sucesso tivesse acontecido no último
livro. Tendo sucesso no primeiro livro, e citei Gárcia Marquez, ele pode ter
escrito tudo o que quis depois, mas as pessoas só lembravam de Cem Anos de
Solidão.
Ilze
Scamparini — O senhor o enxerga como uma coisa negativa?
Umberto
Eco — Sim, porque se eu precisasse escolher entre todos os meus romances qual
deveria salvar e jogar fora os outros, escolheria o Pêndulo de Foucault. Essa é
uma opinião pessoal. De leitor.
Ilze
Scamparini — O Nome da Rosa tem mais de 15 milhões de cópias vendidas. O senhor
sabe [o número] ao certo?
Umberto
Eco — Não se sabe. Alguns dizem quinze. Por quê? Porque a metade do mundo não
tinha, naquela época, um acordo para direitos autorais. Na China, podem ter
impresso uma centena ou um milhão. Não se sabe. Todo o mundo oriental. Mais da
metade são edições piratas. Não pagavam os direitos. Toda a Rússia, o mundo
soviético. Não existia um acordo. Então, não se sabia quanto eles tinham vendido.
Não pagaram os direitos. Então, não se sabe.
Ilze
Scamparini — Um personagem do seu livro Número Zero diz que todos mentem, os
jornais, a TV...
Umberto
Eco — Sempre o Bragaddocio paranoico.
Ilze
Scamparini — Bragaddocio, exatamente. Os intelectuais também mentem?
Umberto
Eco — Essa é a opinião de Bragaddocio.
Ilze
Scamparini — Os fenômenos atuais como imigração, terrorismo, racismo, são,
volta e meia, vítimas de informações erradas?
Umberto
Eco — Naturalmente. Todo tipo de racismo, fundamentalismo, quase sempre, se
baseia em afirmações falsas. Pense, na realidade, Hitler matou 6 milhões de
judeus levando a sério o antigo Protocolo dos Sábios de Sião. É natural que
toda forma de crime na história nasce da desinformação orientada.
Ilze
Scamparini — Os meios de comunicação ao mesmo tempo que podem combater a
censura e defender a democracia podem também produzir coisas danosas a
sociedade. O que o senhor acha?
Umberto
Eco — É como todas as coisas. Os automóveis permitem fazer um monte de coisas
boas, mas também explodem nas estradas. Pense na internet, cheia de defeitos.
Mas, alguém disse que, se no tempo de Hitler existisse internet, a tragédia não
seria possível porque todo o mundo teria tomado conhecimento em cinco minutos.
É preciso, como sempre, ver os aspectos positivos e negativos. Eu li uma vez
que os mecânicos franceses fizeram uma manifestação contra as leis para
diminuir os acidentes na estrada... Com menos acidentes, eles trabalham menos.
Ilze
Scamparini — O senhor desencadeou uma forte reação quando foi duro contra uma
parte da internet.
Umberto
Eco — É dar muita importância a uma coisa óbvia. É ou não verdade que no mundo
existem muitos imbecis? Me parece que sim. Agora, podemos discutir se são a
maioria ou a minoria. Mas existem muitos. No momento em que a internet permite
que todos falem, permite que um grande número de imbecis fale. Então, é preciso
também saber criticar aquilo que está na rede e pronto. Acho que quem protestou
foram eles, os imbecis.
Ilze
Scamparini — A paixão pela Idade Média passou ou ainda vai dar frutos?
Umberto
Eco — Tanto que foram publicados há dois anos todos os meus escritos sobre a
idade média que chegaram a 1.500 páginas. Foi sempre o período que mais me
interessou. Se ainda dará frutos, eu não sei. Como o que vou trabalhar nos
próximos anos ou se ainda estarei vivo nos próximos anos. Mas, de qualquer
forma, já separei uma ótima série de estudo.
Ilze
Scamparini — O senhor escreveu uma bela homenagem para Haroldo de Campos quando
ele morreu. Que relação o senhor teve com os poetas concretistas?
Umberto
Eco — Quando a gente nem se conhecia ainda, eles se ocupavam das mesmas coisas
que eu e outros colegas, a semiótica de Peirce e outras coisas. Por isso,
quando cheguei pela primeira vez ao Brasil... Além disso, através de um
colóquio , quem me convidou foi o Décio Pignatari, eu imediatamente me
encontrei com Haroldo e Augusto de Campos, em todo aquele ambiente. Havia um lugar
que se chamava João Sebastião Bar. Então, me tornei muito amigo de Haroldo. Não
é só isso. Eu tinha publicado... Eu fui ao Brasil acho que em 1963. Eu havia
publicado, em 1962, Obra Aberta. E Haroldo me mostrou um artigo que ele havia
escrito antes de 1962, onde ele falava da Obra Aberta. Nos tornamos, vamos
dizer assim, irmãos. Com muitas ideias em comum. Logo, nos mantivemos sempre em
contato. E então, através deles, todo o grupo se manteve, conheci um pouco. E
assim, a chamada vanguarda brasileira e o mestre deles Oswald de Andrade, etc.
E considero, sobretudo, Haroldo de Campos um ótimo tradutor. Ele traduziu
“Dante” de uma forma, em português do brasileiro que é, realmente sublime. E
ele era uma grande figura.
Ilze
Scamparini — O senhor participou ativamente do Grupo 63, neovanguardista que
negava, violentamente, a trama na literatura. Mas o que aconteceu com a sua
narrativa, que recupera a centralidade da trama?
Umberto
Eco — Aconteceu que já em 1965 — ou seja, o grupo se chamava 63 porque fez a
primeira reunião em 1963. Mas já em 1965, teve um encontro onde dissemos que
tudo bem, que era preciso retornar à narrativa. Uma outra narrativa, diferente
daquela do tempo de Robbe-Grillet, o novo romance e toda essa forma nova de
narrativa. A verdade é que aquilo que mais tarde foi chamado de Modernismo
chegou à página branca, ao quadro monocromático, à cena vazia, ao silêncio
musical. Ou seja, alcançou um ponto de destruição da linguagem anterior...
Ilze
Scamparini — Que era necessário voltar atrás.
Umberto
Eco — Ou então, não se poderia. Depois do quadro branco, não se podia fazer
nada a mais ou a menos. Então, houve um retorno, no sentido de revisitar as
formas tradicionais e modo irônico, meta-linguagem, e tantas coisas sobre as
quais podemos falar. Eu acredito que não poderia ter escrito os meus romances
se não tivesse passado pela experiência do Grupo 63.
Ilze
Scamparini — O senhor afirmou que Tomás de Aquino, milagrosamente, o ajudou a
curar-se da fé. O que restas, professor, apenas a fé no homem?
Umberto
Eco — Não disse isso...
Ilze
Scamparini — Não? É um outro caso de mau jornalismo?
Umberto
Eco — Eu disse que, gradativamente, comecei os estudos de São Tomás enquanto
era um crente e terminei porque já estava abandonando a fé. Não porque havia
sido inspirado por São Tomás. Mas também porque, mesmo quando se faz um
trabalho histórico, objetivo, sobre este personagem, projetei o mundo dele à
distância para observar com o olhar crítico da história. Não era mais o meu
mundo. Era o mundo dele. Mas não é culpa dele. Estive há pouco tempo no quarto
onde ele morreu, em Fossanova. Participei de um congresso sobre a vida de São
Tomás e continuo fascinado pelo gorducho.
Ilze
Scamparini — E como o senhor, um autor de um estudo sobre Tomás de Aquino,
estudioso dos meios de comunicação, vê um Papa comunicador como Francisco?
Umberto
Eco — Bem, eu o vejo como extrema simpatia. Não por acaso é um jesuíta
sul-americano. E não é argentino, é paraguaio. Eram os jesuítas das missões,
dos seiscentos, que armaram os índios contra os espanhóis. Para mim, é assim.
Ele veio deste mundo ali. Não dos jesuítas reacionários franceses dos
oitocentos. Mas dos jesuítas um pouco revolucionários, paraguaios, dos
seiscentos. E, então, assim nasce esse personagem bastante singular.
Ilze
Scamparini — Um papa um pouco laico, não?
Umberto
Eco — Em suma...
Ilze
Scamparini — Mais que os outros...
Umberto
Eco — Ele não tem uma visão de talibã.
Ilze
Scamparini — Muito bem. Muito obrigada, professor.
http://www.conjur.com.br/2016-fev-20/umberto-eco-explorou-autoritarismo-direito-obra
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