“Lula
da Silva ainda é eleitoralmente muito forte. A memória do seu governo nas
classes populares parece que continua presente (mas não sabemos por quanto
tempo)”. Assim o professor e pesquisador Adriano Codato, que coordena o
Observatório de Elites Politicas Sociais do Brasil, avalia a conjuntura
política do país, em um momento grave da presidência de Dilma Rousseff.
Adriano
Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
e pesquisador do CNPq. Atualmente está aqui, na capital francesa, como
pesquisador-associado no Centre européen de sociologie et de science politique
de la Sorbonne (CESSP-Paris) e coordena o Observatório de elites políticas e
sociais do Brasil.
Leia,
adiante, a entrevista de Adriano Codato:
–
Daria para você explicar o que representa hoje a direita no Brasil? Qual é o
seu perfil?
Codato
faz uma análise da conjuntura política brasileira
–
A direita no Brasil está em franca expansão. Essa expansão se dá em três
esferas relacionadas entre si e, principalmente, que se reforçam mutuamente. A
esfera social, a política e a ideológica. Há um movimento social de direita no
Brasil, conservador, autoritário e violento, liderado pelas altas camadas
médias das grandes cidades, que protesta contra as políticas do Partido dos
Trabalhadores (PT) e contra o seu problema mais visível: a corrupção
governamental.
Há,
na esfera política, como na Europa, uma ascensão eleitoral dos partidos de
direita. Mas não dos partidos da velha direita que apoiaram os governos
militares do último ciclo ditatorial (1960-1980). Esses velhos partidos, hoje
com outras siglas (DEM, PP), têm perdido força e votos para micropartidos
oportunistas e para um novo partido de direita (PSD) que sobrevive,
paradoxalmente, graças à sua associação com o governo do PT. Em troca de um
apoio parlamentar, cada vez mais formal, o PSD ganhou dois ministérios com
recursos orçamentários importantes. Apesar de suas diferenças, tanto os velhos
partidos da direita brasileira, como os novos, têm sustentado uma agenda
profundamente conservadora em termos de costumes e direitos.
Liderada
pela figura do pastor-evangélico-deputado, essa direita vem tentando revogar no
Brasil todos os direitos conquistados por uma parte da civilização ocidental no
século XX: os direitos das minorias de gênero, os direitos humanos, os direitos
trabalhistas, o direito penal, a liberdade de escolha, etc. O preocupante, para
as forças progressistas, não digo nem as de esquerda, é que essa agenda
política tem sido cada vez mais assumida por quase todos os partidos do
Congresso Nacional, até porque é preciso lutar em várias frentes e de várias
maneiras para impor esse código reacionário. O grande partido, o PMDB, que é um
conjunto de todas as tendências politicas, que vai do centro até a direita mais
conservadora, lidera a Câmara dos Deputados com um presidente (Cunha) que é a
encarnação perfeita desse movimento.
A
última variante da direita brasileira é a ideológica. Sua ideologia econômica é
neoliberal e ela está presente na cena política brasileira desde os anos 1990.
Em termos partidários, o PSDB é quem sustenta essas posições no “debate
público”. Debate público merece as aspas porque não há, no Brasil, um debate de
posições alternativas sobre o receituário econômico e nem espaço público para
isso. Os grandes oligopólios privados de comunicação (Folha, Estadão, Globo,
UOL, etc.) se encarregam de elaborar e difundir esse discurso hegemônico em
defesa da economia mainstream nos jornais, no rádio, nas TVs, na Internet.
–
O que incomoda a estes setores/organizações de direita ou o que lhes motiva em
ocupar os espaços nas ruas, nas redes sociais que anteriormente eram ocupados
por organizações sociais, por uma militância e pessoas de sensibilidade de
esquerda?
–
Há duas fontes de descontentamento. Uma é mais explícita e consciente, outra
implícita e talvez, frise-se o talvez, inconsciente. O motivo principal é a
corrupção dos governantes e dos políticos do PT. Digo “do PT” porque embora o
PT esteja implicado em tudo, tenha sido fiador e beneficiário desses esquemas
de financiamento político, essa indignação é bastante seletiva. Nem os
movimentos sociais de direita que marcharam contra o governo federal já três
vezes esse ano (em março, abril e agosto), nem a grande imprensa brasileira ou
o Judiciário se interessam muito em enfatizar que outros partidos políticos
estão implicados nos mesmíssimos esquemas de corrupção política coordenados
pelo PT(com destaque para o direitista PPe o heteróclito PMDB). Denúncias sobre
o partido rival, o PSDB, têm sido minimizadas, ignoradas ou deliberadamente
escondidas das manchetes.
Agora,
note-se: a corrupção, contudo, é o grande tema de preocupação das classes
médias brasileiras (profissionais liberais, pequenos e médios empresários,
altos funcionários públicos, etc.), a base social desses novos movimentos de
direita, desde sempre. Tanto é que essa mesma camada social já foi, durante os
anos 1980-1990, o território de caça eleitoral privilegiado pelo PT – isso
quando o Partido dos Trabalhadores fazia da bandeirada “moralização da
política” sua principal arma de crítica aos adversários.
O
outro motivo, menos aparente e menos consciente que pode conduzir uma parte das
pessoas às ruas, decorre do fato de essa classe média tradicional ter de
conviver com dois direitos básicos da cidadania moderna – o direito de votar e
o direito de consumir – garantidos agora às baixas camadas médias, aos
trabalhadores manuais e aos indivíduos que viviam até então à margem do
capitalismo brasileiro. E isso parece ser insuportável. Todavia, isso precisa
ser bem pesquisado.
–
Qual a agenda política dos grupos organizados dessa nova direita? O que leva
uma parte dos jovens aderirem a esta direita reacionária, muito próxima do
fascismo?
–
Há em alguns slogans públicos desses grupos, mas também nos comentários
privados, principalmente nos comentários privados, o que eu chamaria de um
“racismo de classe”. Esta é a minha hipótese. O racismo de classe funciona
conforme a mecânica perversa de todo o preconceito. Enquanto no racismo
tradicional o sentimento de superioridade é dirigido a uma etnia (“raça”)
considerada inferior, seja por razões biológicas, seja por razões históricas, o
racismo de classe se dirige a um grupo por suas características socioeconômicas
e constrói, sobre ele, toda sorte de preconceitos.
Os
“pobres” (isto é, aqueles que ascenderam socialmente ao nível de consumidores)
são, em primeiro lugar, ignorantes porque desconhecem as informações que só
aquela classe média tradicional alega possuir sobre quem são os bons e os maus
políticos. Os pobres são vistos, em segundo lugar, como irracionais, porque as
razões que dirigem seu voto são ilegítimas para as prioridades estabelecidas
por essa classe média autoritária. E são incompetentes, porque, afinal, são
pobres.
É
nesse contexto que a ojeriza da direita ao Bolsa Família (seu
“assistencialismo”), o ódio às Cotas Raciais (para essa direita brasileira, a
sabotagem da “meritocracia”), o espanto diante da abertura dos bens de consumo
privativos das classes médias aos remediados (o “capitalismo”, enfim…) poderia
ser interpretado. Assim, não é uma agenda conservadoraa da direita nacional,
mas reacionária (uma reação contra a transformação da sociedade brasileira) e
fundamentalmente retrógrada (a favor de, se possível, restabelecer a ordem
pré-PT).
As
agressões recentes sofridas pela família de Walquíria Leão Rego, professora de
teoria política da Unicamp que ousou publicar um estudo sobre o Bolsa Família,
são um exemplo muito instrutivo de onde o racismo de classe, que se mistura de
maneira complexa com a crítica à corrupção “do PT”, pode chegar.
–
O PT e a esquerda como reagem a esta reorganização da direita e ao ódio
propagado?
–
O PT, até onde pode acompanhar quem não vive a vida interna do partido, mas vê
de fora, parece pasmado com todas as acusações, denúncias e condenações e
procura sobreviver de alguma maneira, até mesmo se afastando do governo Dilma
Rousseff (um governo de coalizão em princípio liderado pelo próprio PT). A
prisão dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores, a condenação de seu
ex-presidente (Genoíno), do seu principal operador político (Dirceu), dos seus
dois tesoureiros (Vaccari, Delúbio), etc. surpreendeu e indignou parte dos
militantes e, principalmente, a grande maioria dos simpatizantes em 2014 e
agora em 2015. Mal comparando, acredito que poderíamos usar aqui uma analogia
baseada no Modelo de Kübler-Ross das cinco etapas do luto. Primeiro, a
“negação”, quando se imaginou que toda e qualquer acusação contra o partido
fosse uma invenção dos inimigos; depois a“raiva”, dirigida à imprensa, ao
sistema judiciário, à polícia federal; em seguida a “negociação com a
realidade”, afinal todos os partidos políticos no Brasil se financiam através
de esquemas legais e ilegais; seguida da “depressão”, ou seja, aquele
sentimento típico de impotência diante da situação criada pelos próprios
dirigentes do partido. Não sei, entretanto, se já chegamos à fase da
“aceitação”, isto é, muitos erros e erros muito graves foram cometidos e é
necessário fazer a crítica disso. A catástrofe política e econômica do segundo
governo de Dilma Rousseff talvez apresse isso.
–
O PT enquanto partido ainda tem militantes ou se tornou um partido de filiados
sem militantes? Os números de filiados do PT não cessou de aumentar. Saltou de
1.054.671 para 1.587.882 em todo o país, o equivalente a uma variação positiva
de 50,3% entre 2005 e 2015. Como explicar?
–
Lula da Silva ainda é eleitoralmente muito forte. A memória do seu governo nas
classes populares parece que continua presente (mas não sabemos por quanto
tempo). Isto faz com que ele hoje, longe ainda das eleições presidenciais de
2018, já parta de 30% das intenções de voto. Sabemos que brasileiros não se
identificam subjetivamente ou ideologicamente com partidos políticos. Pesquisas
de opinião, agora em 2015, mostraram que 66% da população não têm simpatia por
nenhuma sigla, percentual mais alto desde 1988, conforme o IBOPE. A mesma
sondagem mostrou que, daqueles que têm alguma identidade partidária, 14% são
simpáticos ao PT e 6% ao PSDB. Todavia, em abril de 2013, antes das jornadas de
junho, nada menos que 36% preferiam o PT. Lula é eleitoralmente bem maior que o
Partido que, por sua vez, precisará se reconstruir. E há condições para isso.
Estudo do cientista político Osvaldo Amaral mostrou que o PT, mesmo com a
inevitável parlamentarização do partido, continua permeável à participação de
setores da sociedade civil e aumentou significativamente o número de filiados.
Em 2010, último ano em que Lula governou o Brasil, 10 em cada 1.000 eleitores
estava filiado ao PT. O aumento do número de filiados do Partido dos
Trabalhadores é resultado de duas coisas: primeiro, é o partido que controla o
Executivo federal e que pode distribuir mais prebendas políticas; depois porque
o PT não é mais um partido de um nicho ideológico (como nos anos 1980), mas um
partido que investiu na filiação em massa como forma de ampliar sua presença no
território.
Possivelmente,
um dado ainda mais impressionante que número de filiados é o número de
escritórios políticos (“diretórios”) que o PT consegue manter. Há, segundo
estudo de Bruno Bolognesi, da UFPR, representações do PT em 97% dos 5,5 mil
municípios brasileiros.
Todavia,
a face pública do partido, seus representantes no governo e no parlamento, está
profundamente desgastada em função dos escândalos de corrupção e, ao que tudo
indica, o PT sofrerá a sua maior derrota eleitoral nas eleições municipais em
2016.
Marilza
de Melo Foucher é doutora em Economia, analista politica, jornalista e correspondente
do Correio do Brasil, na França.
Nota
da correspondente: Esta entrevista foi realizada em Paris para o jornal
Mediapart e sofreu pequenas modificações feitas pelo entrevistado para os
leitores no Brasil.
Por
Marilza de Melo Foucher de Paris
http://www.correiodobrasil.com.br/odio-aos-mais-pobres-alimenta-direita-no-brasil/
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