Um
instrumento semelhante à delação premiada não funcionaria bem no Direito Civil,
devido à natureza privativa dessa área, afirmou à revista Consultor Jurídico o
professor de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo Nelson Nery Jr., sócio do Nery Advogados.
Ele
explicou que o instituto é eficaz no Direito Criminal por causa do caráter
público das ações penais, o que permite que o Ministério Público — responsável
pelos processos — possa se comprometer a pleitear penas menores para o
colaborador e a deixar de oferecer outras denúncias. Já no campo civil, por
mais que alguém confessasse atos ilícitos, não seria possível impedir que um
terceiro prejudicado fosse à Justiça cobrar reparações.
Nery
Jr. apontou que a confissão é o instituto cível que chega mais perto da delação
premiada. No entanto, ela só vale para o acusado confesso, e não afeta outros
suspeitos, destacou o processualista. Ele ainda lembrou que, em caso de fatos
indivisíveis, a assunção individual de culpa não vale por si só, e precisa ser
repetida pelos outros réus para gerar efeitos no processo.
O
criminalista (e candidato à presidência da seccional paulista da Ordem dos
Advogados do Brasil) Sergei Cobra Arbex, sócio do Zulaiê Cobra Ribeiro Sociedade
de Advogados, também tem dúvidas quanto à transposição da colaboração premiada
para o Direito Civil. De acordo com ele, o instituto não será bem-sucedido no
Brasil — tanto na área criminal quanto em qualquer outra — enquanto a cultura
jurídica e social do país não mudar.
O
principal problema na aplicação do instrumento na operação “lava jato” é o uso
de prisões provisórias como forma de forçar o investigado a firmar acordo de
delação, disseram os dois advogados. Para Cobra, mesmo que a informação dada
pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, esteja correta, e apenas 21%
das colaborações do caso tenham sido fechadas quando o acusado estava preso, o
número não deve ser comemorado, pois representa um percentual relevante de
pessoas que foram coagidas a cooperar com a Justiça.
Na
visão de Nery Jr., a prisão preventiva só deve ser imposta quando estiverem
evidentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Se não for
assim, “ela fica banalizada, e vira panaceia para todos os males”, avaliou o
professor da PUC-SP.
E
as ilegalidades decorrentes dessas detenções podem acabar sendo
contraproducentes para a operação. Como exemplo disso, Nery Jr. lembra que
quando estourou a operação satiagraha, em 2008, escreveu um artigo elencando as
irregularidades da prisão do banqueiro Daniel Dantas e das evidências coletadas
pela Polícia Federal. Três anos depois, com entendimento semelhante ao do
processualista, o Superior Tribunal de Justiça anulou as investigações e
condenações do caso devido ao uso de provas ilícitas.
Modelo
que não se encaixa
Embora
a delação premiada seja um instituto importado dos EUA, o sistema penal de lá —
no qual os promotores têm mais poder e podem negociar penas — não daria certo
no Brasil, opinam Nery Jr. e Cobra. Segundo o especialista em processo civil, o
MP daqui não está aparelhado como seu equivalente norte-americano para
investigar. Com esse déficit, os promotores brasileiros acabam tendo que
recorrer a “atalhos ilícitos”, como grampos e invasões de casas e escritórios.
O
candidato ao comando da OAB-SP tem visão semelhante, e entende que a má
qualidade da Justiça no Brasil impediria que o modelo dos EUA atingisse por
aqui o nível que tem naquele país.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.conjur.com.br/2015-out-24/jurista-nelson-nery-jr-critica-uso-delacoes-premiadas?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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