sexta-feira, 28 de agosto de 2015

JOHN LENNON E A REVOLUÇÃO: "NÃO HÁ COMO TOMAR O PODER SEM LUTA"

Em entrevista realizada em 1971, Lennon e Yoko Ono conversaram com os jornalistas Tariq Ali e Robin Blackburn sobre luta de classes, religião e machismo: 'não podemos ter uma revolução que não envolva e liberte as mulheres'

Em 1971, os jornalistas Tariq Ali e Robin Blackburn se encontraram com John Lennon e Yoko Ono em Londres para uma conversa que viria a ser publicada no The Red Mole, jornal produzido pelo Grupo Internacional Marxista, seção britânica da organização trotskista Quarta Internacional.

Os Beatles não mais existiam, e Lennon demonstrava estar muito mais próximo da luta da classe trabalhadora a que pertencia antes da fama. Na entrevista, o músico conta como ele e George Harrison se pronunciaram nos Estados Unidos contra a guerra no Vietnã e discute questões de classe, a luta do movimento negro nos EUA e no Reino Unido e o machismo na esquerda. As críticas à religião e à burguesia e as referências ao conturbado relacionamento com sua mãe e seu pai, presentes nas canções do então recém-lançado álbum John Lennon/Plastic Ono Band (1970), também são abordadas na conversa de quase duas horas entre Lennon, Yoko e os dois jornalistas.

Em artigo escrito para o jornal britânico The Guardian em 2010, Ali rememora o encontro e conta o impacto que a conversa teve em Lennon: "No dia seguinte à entrevista ele me ligou e disse que tinha gostado tanto da conversa que escreveu uma canção para o movimento, e começou a cantá-la pelo telefone: era Power to the People."

Leia a seguir uma tradução da entrevista publicada no site norte-americano CounterPunch, que hoje conta com Ali e Blackburn como colunistas.

Tariq Ali: Seu último álbum [John Lennon/Plastic Ono Band, 1970] e suas declarações públicas recentes, especialmente as entrevistas à revista Rolling Stone, sugerem que seus pontos de vista estão se tornando cada vez mais radicais e políticos. Quando isso começou a acontecer?

John Lennon: Sempre tive certa consciência política, sabe, contra o status quo. É algo bem básico quando você é criado, como eu fui, para odiar e temer a polícia como um inimigo natural, a desprezar o Exército como algo que leva todos embora e deixa-os para morrer em algum lugar.

O que eu quero dizer é que é uma coisa básica da classe trabalhadora, apesar de diminuir quando você envelhece, forma uma família e é engolido pelo sistema.

No meu caso, eu sempre fui uma pessoa preocupada com política, apesar de a religião ter ofuscado este lado nos meus dias de ácido; isso por volta de 1965 ou 66. E aquela religião era o resultado direto de toda aquela merda de superstar – a religião era um escape para a minha repressão. Pensava: "Bom, há algo além da vida, não há? Não é só isso aqui, né?".

Mas sempre fui político, de certa forma, sabe. Nos dois livros que escrevi, ainda que tenham sido escritos num estilo joyceano, há muitas críticas à religião e há uma peça sobre um trabalhador e um capitalista. Tenho satirizado o sistema desde minha infância. Eu fazia revistas na escola e entregava-as por aí.

Eu tinha muita consciência de classe, pode-se dizer até que eu tinha certo rancor, porque eu sabia o que acontecia comigo e sabia sobre a repressão de classe que nos era imposta. Aquilo era uma porra de um fato, mas no meio do furacão do mundo Beatle isso ficou de fora, me distanciei cada vez mais da realidade durante um tempo.

TA: Qual foi o motivo, em sua opinião, para o sucesso do seu tipo de música?

JL: Bom, na época acreditava-se que os trabalhadores tinham ganhado espaço, mas percebo agora, olhando para trás, que é o mesmo acordo fajuto que deram aos negros, era como se permitissem aos negros ser corredores ou boxeadores ou personagens na indústria do entretenimento. É a escolha que é oferecida: agora, a saída é tornar-se uma estrela do pop, que é sobre o que falo no álbum na canção Working class hero. Como contei à Rolling Stone, as mesmas pessoas continuam no poder, o sistema de classes não mudou nada.

Claro, agora há várias pessoas andando por aí com cabelo longo, e alguns jovens moderninhos da classe média com roupas bonitas. Mas nada mudou, exceto que todos nos vestimos melhor, deixando os mesmos desgraçados no comando de tudo.

Robin Blackburn: Obviamente, classe é um assunto que os grupos de rock norte-americanos ainda não abordaram.

JL: Porque todos são da classe média e da burguesia, e não querem mostrar isso. Eles têm medo dos trabalhadores, na verdade, porque nos Estados Unidos os trabalhadores parecem ser basicamente de direita, agarrados a suas posses. Mas se esses grupos de classe média perceberem o que acontece, e o que o sistema de classes fez, está nas mãos deles repatriar as pessoas e sair de toda essa merda burguesa.

TA: Quando você começou a sair do papel imposto a você como um Beatle?

JL: Mesmo durante o apogeu dos Beatles, eu tentava ir na contramão, assim como George. Fomos para os Estados Unidos algumas vezes e [Brian] Epstein [empresário do grupo] sempre tentava nos convencer a não falar nada sobre o Vietnã. Até que chegou uma hora em que eu e George dissemos: "Olha, quando perguntarem da próxima vez, vamos dizer que não aprovamos essa guerra e achamos que eles precisam sair dela". Foi o que fizemos. Naquela época, era algo bem radical a se fazer, especialmente para os "Fab Four". Foi a primeira oportunidade que pessoalmente tive de levantar uma bandeira.

Mas é preciso lembrar que sempre me senti reprimido. Tinha tanta pressão sobre nós que mal tínhamos chance de nos expressar, especialmente com aquele ritmo de trabalho, fazendo turnês sem parar e sempre dentro de um casulo de mitos e sonhos. É bem difícil quando se é César e todos estão dizendo o quão maravilhoso você é, e lhe dão todos os presentes e todas as garotas, é bem difícil sair disso, dizer: "Bom, não quero ser rei, quero ser real". Então de certa forma a segunda atitude política que eu tive foi dizer "os Beatles são maiores que Jesus". Isso realmente mudou o jogo, quase levei um tiro nos Estados Unidos por ter dito aquilo. Foi um grande trauma para todos que estavam nos seguindo. Até então havia essa política silenciosa de não responder às perguntas delicadas, mas sempre li o jornal, sabe, a seção sobre política.

A consciência sobre o que estava acontecendo fez com que eu sentisse vergonha de não dizer nada. Eu explodi porque não conseguia mais jogar aquele jogo, era demais para mim. Claro, ir para os Estados Unidos acumulou ainda mais esse sentimento dentro mim, especialmente porque a guerra era de lá. De certa forma, viramos um cavalo de Tróia. O "Fab Four" foi até o ápice, eles cantaram sobre sexo e drogas, e daí eu comecei a me meter com coisas mais e mais pesadas e foi aí que começaram a nos abandonar.

RB: Não tinha um duplo sentido no que vocês faziam desde o começo?

Yoko Ono: Vocês sempre foram muito diretos.

JL: Sim, bom, a primeira coisa que fizemos foi proclamar nossa “Liverpoolnisse” para o mundo, e dizer: "Tudo bem vir de Liverpool e falar desse jeito". Antes, qualquer um de Liverpool que fizesse sucesso, como Ted Ray, Tommy Handley, Arthur Askey, tinha de abandonar o sotaque para chegar à BBC. Eles eram apenas comediantes, mas era isso que saía de Liverpool antes de nós. Recusamos-nos a entrar nesse jogo. Depois que os Beatles surgiram, todos começaram a fingir sotaque de lá.

TA: De certa forma você estava pensando sobre política até mesmo quando parecia criticar a revolução?

JL: Ah, sim, [a canção] Revolution. Havia duas versões da música, mas os grupos de esquerda só se ligaram na que dizia “count me out” [“me inclua fora dessa”, em tradução livre]. A versão original que ficou no LP também dizia “count me in” [“conte comigo”]; eu coloquei os dois porque eu não tinha certeza. Havia uma terceira versão que era simplesmente abstrata, musique concrète [música concreta], com loops e coisas do tipo, pessoas gritando. Achei que estava pintando em som um quadro da revolução – mas cometi um erro, sabe. O erro foi que [a canção] era antirrevolução.

Na versão lançada como single eu dizia: “When you talk about destruction you can count me out” [“Quando você falar em destruição, me inclua fora dessa”, em tradução livre]. Eu não queria ser morto. Eu não sabia tanto assim sobre os maoistas, só sabia que eles pareciam ser tão poucos e ainda assim se pintavam de verde e ficavam em pé diante da polícia esperando ser apanhados. Eu só achei que aquilo não era muito sutil, sabe. Achava que os revolucionários comunistas originais se organizavam um pouco melhor e não saiam por aí anunciando isso. Era isso o que eu sentia; na verdade, eu estava fazendo uma pergunta. Como alguém que vem da classe trabalhadora, eu sempre me interessei pela Rússia e pela China e em tudo que tinha alguma relação com a classe trabalhadora, ainda que eu estivesse jogando o jogo capitalista.

A certa altura eu estava tão envolvido em toda a merda religiosa que ia por aí me chamando de comunista cristão, mas, como [Arthur] Janov diz, religião é a loucura legalizada. Foi a terapia que me livrou disso tudo e me fez sentir a minha própria dor.

RB: Esse psicanalista que você foi, qual é o nome dele...

JL: Janov …

RB: As ideias dele parecem ter algo a ver com [R. D.] Laing, no sentido de que ele não quer reconciliar as pessoas com suas próprias misérias, ajustá-las ao mundo, mas, em vez disso, fazê-las encarar as causas?

JL: Bom, o lance dele é sentir a dor que está acumulada dentro de você desde a infância. Eu tive de fazer isso para realmente matar todos os mitos religiosos. Na terapia, você realmente sente cada momento de dor da sua vida, é uma dor insuportável, você é forçado a perceber que a sua dor, aquela que lhe faz acordar com medo e com o coração martelando, é realmente sua e não o resultado de alguém lá no céu. É o resultado dos seus pais e do seu ambiente.

Conforme percebi isso, tudo começou a se encaixar. Essa terapia me forçou a me livrar de toda essa merda de Deus. Ao crescermos, todos nós aceitamos muita dor. Apesar de reprimirmos, ela ainda está lá. A pior dor é a de não ser desejado, de perceber que seus pais não precisam de você da forma que você precisa deles.

Quando eu era criança, vivenciei momentos em que não queria ver a feiura, não queria ver que não era desejado. Essa falta de amor entrou nos meus olhos e na minha mente. Janov não somente fala com você sobre isso, mas faz com que você sinta isso. Quando você se permitir sentir outra vez, você fará a maior parte do trabalho sozinho.

Quando você acorda e seu coração bate acelerado, ou suas costas parecem tensas, ou você desenvolve outro problema, você deve deixar a mente ir até a dor e a própria dor irá regurgitar a memória que originalmente fez com que você a suprimisse no corpo. Desse jeito, a dor vai para o canal certo em lugar de ser reprimida outra vez, como acontece quando você toma pílulas ou um banho, dizendo: "Bom, vou superar isso". A maioria das pessoas canaliza a dor em Deus ou na masturbação ou no sonho de se dar bem na vida.

A terapia é como uma viagem de ácido muito lenta que acontece naturalmente no corpo. É difícil conversar sobre isso, sabe, porque – você sente "estou com dor" e parece meio arbitrário, mas a dor agora tem um significado diferente para mim, porque senti fisicamente todas essas repressões excepcionais. Foi como tirar um par de luvas e sentir a própria pele pela primeira vez.

É meio chato dizer isso, mas não acho que dá para entender a não ser que você tenha passado por algo parecido – ainda que eu tenha tentado colocar um pouco disso no álbum. Mas para mim, de qualquer modo, era tudo parte da dissolução da viagem de Deus ou de uma figura paterna. Encarar a realidade em vez de sempre procurar por algum tipo de paraíso.

RB: Você vê a família, em geral, como fonte dessas repressões?

JL: Meu caso é extremo, sabe. Meu pai e minha mãe se separaram e nunca vi meu pai até ter 20 anos, não vi minha mãe muito mais do que isso. Mas Yoko tinha os pais presentes, e foi a mesma coisa...

YO: Talvez haja mais dor quando os pais estão presentes. É como quando você tem fome, sabe, é pior se você tem uma imagem de um sanduíche do que nenhum sanduíche. Não faz bem, sabe. Muitas vezes desejei que minha mãe estivesse morta, assim pelo menos eu teria a compaixão das pessoas. Mas lá estava ela, uma mãe perfeitamente linda.

JL: E a família de Yoko era classe média japonesa, mas é sempre a mesma repressão. Embora eu ache que as pessoas da classe média têm um trauma maior se possuírem pais com boa aparência, sorridentes e embonecados. Estes têm mais dificuldade em dizer: "Adeus, mamãe, adeus, papai".

TA: Qual é a relação de tudo isso com sua música?

JL: Arte é apenas uma forma de expressar a dor. Por exemplo, o motivo pelo qual Yoko faz coisas extremas, de vanguarda, é ela ter passado por dores extremas.

RB: Muitas das canções dos Beatles eram sobre infância...

JL: É, essas eram basicamente eu...

RB: Apesar de serem muito boas, sempre faltava algo...

JL: Isso seria a realidade, esse algo que faltava. Porque eu nunca fui desejado. A única razão pela qual sou famoso é a minha repressão. Nada teria me feito passar por tudo aquilo se eu fosse “normal”...

YO: E feliz …

JL: O único motivo pelo qual segui nessa direção é que eu queria dizer: "E agora, mamãe-papai, vocês me amam?"

TA: Mas aí você atingiu um sucesso inimaginável para a maioria das pessoas…

JL: Jesus Cristo, era só opressão. Tivemos de passar por humilhação atrás de humilhação com as classes médias e o showbiz e Senhores Prefeitos e tudo isso. Eles eram tão condescendentes e estúpidos. Todos tentando nos usar. Foi uma humilhação especial para mim porque eu nunca conseguia ficar calado e sempre precisava estar bêbado ou drogado para neutralizar a pressão. Era um verdadeiro inferno...

YO: Privava-o de qualquer experiência real, sabe...

JL: Era miserável. Quer dizer, a não ser aquela primeira sensação de ter conseguido chegar lá – o entusiasmo do primeiro álbum número um, da primeira viagem aos Estados Unidos. No início tínhamos certo objetivo como ser tão grande quanto Elvis – seguir em frente era o grande foco, mas, na verdade, alcançar o sucesso foi a grande decepção. Percebi que tinha de agradar continuamente o mesmo tipo de pessoa que eu sempre odiei quando criança. Isso começou a me trazer de volta à realidade.

Comecei a perceber que somos todos oprimidos, e é por isso que eu gostaria de fazer algo sobre isso, apesar de não saber bem onde me encaixar.

RB: Bom, de qualquer jeito, política e cultura estão conectadas, não estão? Quer dizer, trabalhadores são reprimidos pela cultura, e não pelas armas, neste momento...

JL: São dopados…

RB: E a cultura que os está dopando pode ser construída ou destruída pelo artista...

JL: É o que tenho tentado fazer nos meus álbuns e nestas entrevistas. O que estou tentando fazer é influenciar todas essas pessoas que posso influenciar. Alcançar todos aqueles que ainda estão sonhando e colocar um grande ponto de interrogação nas suas mentes. Os sonhos de ácido acabaram, é o que estou tentando dizer.

RB: Mesmo no passado algumas pessoas usavam músicas dos Beatles e davam-lhes novas palavras. “Yellow Submarine”, por exemplo, teve várias versões. Numa delas grevistas cantavam “We all live on bread and margarine” ["Todos vivemos de pão e margarina"]; na LSE [Escola de Economia de Londres] tínhamos uma versão que começava com “We all live in a Red LSE” ["Todos vivemos numa LSE vermelha"].

JL: Gostei disso. Eu curtia quando torcidas de futebol cantavam nos primeiros anos “All together now” ["Todos juntos agora"]. Eu também fiquei contente quando o movimento nos Estados Unidos passou a usar “Give peace a chance” [“Dê uma chance à paz”], porque eu realmente tinha escrito a música com aquilo na cabeça. Esperava que em vez de cantarem “We shall overcome”, de 1800 e bolinha, eles usassem algo contemporâneo. Naquela época eu já sentia a obrigação de fazer uma música que as pessoas cantassem no pub ou numa manifestação. Por isso eu gostaria de compor canções para a revolução agora...

RB: Temos apenas algumas canções revolucionárias e elas foram compostas no século 19. Você vê alguma coisa em nossas tradições musicais que poderiam ser usadas na criação de canções revolucionárias?

JL: Quando comecei, o próprio rock'n'roll era a principal revolução para as pessoas da minha idade e do meu contexto. Precisávamos de algo em alto e bom som para penetrar toda a insensibilidade e repressão à qual éramos submetidos enquanto crianças. A princípio tínhamos um pouco de receio de ser imitações de norte-americanos. Mas mergulhamos na música e descobrimos que ela era metade música country branca e ocidental, e metade rhythm and blues negro. A maioria dos estilos vinha da Europa e da África, e agora voltavam para nós. Muitas das melhores músicas do Dylan vieram da Escócia, Irlanda ou Inglaterra. Era como um intercâmbio cultural.

Mas preciso dizer que as canções mais interessantes para mim eram as negras, porque eram mais simples. Elas meio que diziam balance a bunda, ou o pau, o que era de fato uma inovação. E então havia as canções do campo [canções de pessoas negras sobre o trabalho rural], basicamente expressando a dor que sentiam. Elas não podiam se expressar intelectualmente, então tinham de dizer em poucas palavras o que acontecia com elas. E aí havia o blues urbano, e grande parte disso era sobre sexo e brigas.

Muito disso era autoexpressão, mas só nos últimos anos elas se expressaram completamente com o movimento Black Power, como com Edwin Starr [cantor de soul] gravando discos sobre a guerra [do Vietnã]. Antes disso, muitos cantores negros ainda se trabalhavam sobre questão de Deus; muitas vezes era "Deus irá nos salvar". Mas, no meio disso, pessoas negras cantavam abertamente e prontamente sobre sua dor e também sobre sexo, e é por isso que eu gosto dessa música.

RB: Você afirma que o country e a música ocidental vieram de canções folk europeias. Estas canções não tinham um conteúdo bem baixo-astral às vezes, falando só em perder e ser derrotado?

JL: Quando crianças, todos éramos contra as canções folk porque elas eram muito classe média. Eram estudantes universitários com grandes echarpes e um copo de cerveja na mão cantando músicas folk em vozes pretensiosas: “I worked in a mine in New-cas-tle” [“Eu trabalhava em uma mina em New-cast-le”] e essa merda toda. Havia raríssimos cantores folk de verdade, sabe, mas eu gostava um pouco de Dominic Behan [compositor irlandês] e havia coisa boa para ouvir em Liverpool. Eventualmente você ouve discos bem velhos na rádio ou na televisão de verdadeiros trabalhadores da Irlanda ou de algum outro lugar cantando essas canções, e o poder delas é fantástico.

Mas, na maioria das vezes, a música folk é cantada por pessoas com vozes agudas tentando manter vivo algo velho e morto. É meio tedioso, como o balé: um lance de uma minoria sendo mantido por uma minoria. A música folk de hoje é o rock and roll. Apesar de vir dos Estados Unidos, isso não é realmente importante no fim das contas, porque escrevemos nossa própria música e isso mudou tudo.

RB: Seu álbum, Yoko, parece misturar música moderna de vanguarda com rock. Eu gostaria de contar uma ideia que tive ao ouvi-lo. Você integra sons do cotidiano, como do trem, dentro de um padrão musical. Isso parece demandar uma medida estética da vida cotidiana, insistir que a arte não deve ser aprisionada aos museus e às galerias, não?

YO: Exatamente. Quero incitar as pessoas a livrarem-se das suas opressões ao dá-las algo com que possam trabalhar, construir. Elas não deveriam temer criar algo por conta própria, é por isso que faço coisas que são muito abertas, com coisas para as pessoas fazerem, como no meu livro [Grapefruit].

Porque basicamente há dois tipos de pessoas no mundo: pessoas que são confiantes porque sabem que têm habilidade para criar, e pessoas que foram desmoralizadas, que não têm confiança em si mesmas porque alguém disse para elas que não possuem nenhuma habilidade criativa, mas que apenas devem acatar ordens. O establishment gosta das pessoas que não se responsabilizam e não conseguem se respeitar.

RB: Imagino que o controle de trabalhadores seja sobre isso...

JL: Eles não tentaram algo assim na Iugoslávia? Eles estão livres dos russos. Eu queria ir para lá e ver como funciona.

TA: Bom, tentaram. Tentaram romper com o padrão stalinista. Mas, em vez de permitir um controle mais solto dos trabalhadores, adicionaram uma dose alta de burocracia política. Ela tende a sufocar a iniciativa dos trabalhadores, e também regularam todo o sistema através de um mecanismo de mercado que gerou novas desigualdades entre uma região e outra.

JL: Parece que todas as revoluções terminam com um culto a uma personalidade – até mesmo os chineses parecem necessitar de uma figura paterna. Acho que acontece em Cuba, também, com Che e Fidel. Num comunismo estilo ocidental, teríamos de criar uma imagem quase imaginária dos próprios trabalhadores como uma figura paterna.

RB: É uma ideia bem legal: a Classe Trabalhadora torna-se sua própria Heroína. Contanto que não seja uma ilusão reconfortante, contanto que haja um poder real nas mãos dos trabalhadores. Se um capitalista ou um burocrata manda na sua vida, então é preciso compensar com ilusões.

YO: As pessoas precisam confiar nelas mesmas.

TA: Esse é o ponto vital. A classe trabalhadora deve ser incutida com um sentimento de confiança nela mesma. E isto não tem como ser feito só via propaganda, os trabalhadores devem se movimentar, assumir suas próprias fábricas e mandar os capitalistas caírem fora. Isso é o que começou a acontecer em maio de 1968 na França... Os trabalhadores começaram a sentir sua própria força.

Ouça a entrevista na íntegra, em inglês
https://youtu.be/zYlRoG7P_FU

JL: Mas o Partido Comunista não ficou muito contente com isso, não foi?

RB: Não, não ficou. Com 10 milhões de trabalhadores em greve, eles poderiam ter liderado uma dessas manifestações gigantes que aconteceram no centro de Paris e levado a uma ocupação massiva de todos os edifícios e complexos do governo, substituindo De Gaulle com uma nova instituição de poder popular, como a Comuna ou os Sovietes [conselhos operários russos] originais. Isso teria iniciado uma verdadeira revolução, mas o PC francês tinha medo. Eles preferiram negociar no topo do que encorajar os trabalhadores a tomarem iniciativas próprias...

JL: Ótimo, mas tem um problema sobre isso aqui [no Reino Unido], sabe. Todas as revoluções aconteceram quando um Fidel ou um Marx ou um Lenin ou quem fosse, que eram intelectuais, conseguiram chegar aos trabalhadores. Juntaram um bom grupo de pessoas e os trabalhadores pareciam entender que estavam num estado de repressão. Aqui eles ainda não acordaram, ainda acreditam que carros e televisões são a resposta. Você deveria pegar esses estudantes da esquerda e levá-los para conversar com os trabalhadores, você deveria envolver as crianças em idade escolar com o Red Mole [jornal do Grupo Internacional Marxista, onde essa entrevista foi publicada originalmente].

TA: Você está certo, temos tentado fazer isso e devemos fazer mais. Esse novo projeto de lei das Relações Industriais [Industrial Relations Act, tentava centralizar negociações num sindicato formal] que o governo está tentando introduzir está fazendo com que mais e mais trabalhadores percebam o que está acontecendo...

JL: Eu não acho que essa lei funcionará. Não acho que eles conseguirão fazê-la ser cumprida. Não acho que os trabalhadores cooperarão com ela. Pensei que o governo de [Harold] Wilson fosse um grande desapontamento, mas este [Edward] Heath é bem pior. Os movimentos de contracultura estão sendo intimidados, os militantes negros nem podem mais viver em suas próprias casas, e eles estão vendendo mais armas para os sul-africanos. Como Richard Neville disse, a diferença entre Wilson e Heath é mínima, mas é neste mínimo em que vivemos...

TA: Não sei se penso assim; o Partido Trabalhista trouxe medidas de imigração racistas, apoiou a guerra no Vietnã e queria criar uma nova legislação sindical.

RB: Pode ser verdade que vivemos no mínimo de diferença entre o Partido Trabalhista e o Conservador, mas enquanto vivermos assim seremos impotentes e incapazes de mudar qualquer coisa. Se Heath nos forçar para fora desse mínimo, talvez ele nos faça um grande favor sem nem pretender...

JL: Sim, também já pensei nisso. Neste encurralar de forma que tenhamos de descobrir o que está sendo imposto a outras pessoas. Eu fico lendo o Morning Star [jornal comunista] para ver se há esperança, mas ele parece estar no século 19, parece escrito para desistentes liberais de classe média.

Deveríamos tentar alcançar os trabalhadores jovens, porque é nessa idade que você está mais idealista e tem menos medo.

De alguma forma, os revolucionários devem abordar os trabalhadores, porque os trabalhadores não irão abordá-los. Mas é difícil saber por onde começar, todos estamos segurando as pontas. A dificuldade para mim é que me tornei mais real, me afastei da maioria das pessoas da classe trabalhadora. Você sabe que eles gostam é de Engelbert Humperdinck [cantor pop]. São os estudantes que estão comprando nossa música agora, e esse é o problema. Agora os Beatles são quatro pessoas separadas, não temos mais o impacto que tínhamos quando estávamos juntos.

RB: Agora você está tentando nadar contra a correnteza da sociedade burguesa, o que é muito mais difícil.

JL: Sim, eles são donos de todos os jornais e controlam toda a distribuição e divulgação. Quando começamos havia apenas Decca, Philips e EMI que podiam realmente produzir um álbum. Era preciso passar por toda a burocracia para entrar no estúdio e gravar. Você estava numa posição tão humilde, não tinha mais do que 12 horas para fazer um álbum inteiro, que é  como fazíamos nos primeiros anos.

É a mesma coisa agora; se você é um artista desconhecido, você tem sorte de ter uma hora num estúdio. É uma hierarquia e, se você não tiver canções de sucesso, você não será gravado outra vez. E eles controlam a distribuição. Tentamos mudar isso com a Apple, mas no fim fomos derrotados. Eles ainda controlam tudo. A EMI matou o nosso álbum Two Virgins porque eles não gostaram. No último disco eles censuraram as letras das músicas impressas no encarte. Ridículos e hipócritas da porra. Eles são obrigados a me deixar cantá-las, mas não ousam deixar que você as leia. Insano.

RB: Apesar de você alcançar menos pessoas agora, talvez o efeito seja mais concentrado.

JL: Sim, acho que pode ser verdade. Para começar, as pessoas da classe trabalhadora reagiram contra a nossa abertura com relação a sexo. Elas têm medo da nudez, estão reprimidas dessa forma também, além das outras. Talvez tenham pensado: "Paul é um cara bacana, ele não faz bagunça".

E também quando me casei com Yoko, recebemos cartas racistas horríveis, sabe, me avisando que ela cortaria minha garganta. A maioria dessas cartas vinha de pessoas do Exército que vivem em Aldershot [cidade no sul da Inglaterra]. Militares.

Agora os trabalhadores são mais amigáveis conosco, então talvez isso esteja mudando. Parece-me que os estudantes estão semiacordados, o suficiente para tentar acordar seus irmãos trabalhadores. Se você não transmite sua própria consciência, ela então se fecha outra vez. Por isso que é necessário que os estudantes se envolvam com os trabalhadores e os convençam de que não estão falando besteira. E, claro, é difícil saber o que os trabalhadores estão realmente pensando porque a imprensa capitalista sempre cita porta-vozes como Vic Feather [secretário geral da TUC, uma central sindical do Reino Unido, de 1969 a 1973.]

Então a única possibilidade é falar com eles diretamente, especialmente os trabalhadores mais jovens. Precisamos começar com eles, porque eles sabem que são contrários. É por isso que falo de escola no álbum. Gostaria de incitar as pessoas a quebrar paradigmas, desobedecer na escola, mostrar a língua, insultar as autoridades.

YO: Somos realmente muito sortudos, porque podemos criar nossa própria realidade, eu e John, mas sabemos que a coisa mais importante é comunicar-se com os outros.

JL: Quanto mais encaramos a realidade, mais percebemos que a irrealidade é a agenda do dia. Quanto mais reais nos tornamos, mais porrada levamos, então, de certa forma, isso nos torna mais radicais, é como ser encurralado. Mas seria melhor se houvesse mais de nós.

YO: Não podemos nos comunicar com as pessoas de forma tradicional, especialmente com o establishment. Deveríamos surpreender as pessoas dizendo coisas novas de formas completamente novas. Este tipo de comunicação pode ter um poder fantástico, desde que você não faça só o que esperam que você faça.

RB: Comunicação é vital para construir um movimento, mas, no fim, é impotente, a não ser que você também tenha desenvolvido o poder do povo.

YO: Acho muito triste quando eu penso sobre o Vietnã, onde parece não haver nenhuma escolha além da violência. A violência tem se prolongado há séculos, perpetuando a si mesma. Na época atual, com a comunicação tão rápida, deveríamos criar uma tradição diferente, tradições são criadas todos os dias. Cinco anos agora é como 100 anos antes. Estamos vivendo numa sociedade que não tem história. Não há precedente para este tipo de sociedade, então podemos quebrar os velhos padrões.

TA: Nenhuma classe dominante em toda a história abriu mão do poder voluntariamente e não vejo nenhuma mudança neste sentido.

YO: Mas a violência não é apenas algo conceitual, sabe. Eu vi um programa sobre esse garoto [soldado] que tinha voltado do Vietnã, ele perdeu o corpo da cintura para baixo. Ele era só um pedaço de carne, e ele disse: "Bom, acho que foi uma boa experiência".

JL: Ele não queria encarar a verdade, ele não queria pensar que tudo tinha sido em vão...

YO: Mas imagine a violência, ela pode atingir seus filhos...

RB: Mas, Yoko, as pessoas que lutam contra a opressão são atacadas por aquelas que não têm interesse algum na mudança, aquelas que querem proteger seus poderes e suas riquezas. Olhe para as pessoas em Bogside [bairro católico na periferia de Derry] e Falls Road [a rua principal da zona oeste de Belfast, predominada pela classe trabalhadora] na Irlanda do Norte, eles foram atacados impiedosamente pela unidade especial da polícia porque começaram uma manifestação pelos seus direitos. Numa noite, em agosto de 1969, sete pessoas foram mortas e milhares arrancadas de seus lares. Eles não tinham direito de se defender?

YO: É por isso que se deve tentar lidar com esses problemas antes de situações como essa acontecerem.

JL: Sim, mas o que você faz quando acontece, o que você faz?

RB: Violência por parte do povo contra seus opressores é sempre justificada. Não pode ser impedida.

YO: Mas, de certa forma, essa nova música mostrou que as coisas poderiam ser transformadas por novos canais de comunicação.

JL: Sim, mas, como eu já disse, nada mudou de verdade.

YO: Bom, alguma coisa mudou e mudou para melhor. Tudo o que estou dizendo é que talvez possamos fazer uma revolução sem violência.

JL: Mas não há como tomar o poder sem luta...

TA: Essa é a questão crucial.

JL: Porque, quando se trata do âmago da questão, eles não deixarão as pessoas terem nenhum poder, eles lhes darão todos os direitos para se apresentar e dançar para eles, mas nenhum poder real...

YO: A questão é, mesmo depois de uma revolução, se as pessoas não tiverem nenhuma confiança nelas mesmas, elas terão novos problemas.

JL: Depois da revolução há a dificuldade de manter as coisas rodando, de acertar todos os pontos de vista diferentes. É natural que revolucionários tenham diferentes soluções, que se dividam em grupos diferentes e então aprimorem-se, essa é a dialética, não é? Mas, ao mesmo tempo, eles precisam se unir contra o inimigo, para solidificar a nova ordem. Eu não sei qual é a resposta; obviamente, Mao está consciente do problema e deixa a bola rolando.

RB: O perigo é que, uma vez criado um estado revolucionário, uma nova burocracia conservadora tende a se formar ao redor dele. Esse perigo parece aumentar quando a revolução é isolada pelo imperialismo e há escassez de materiais.

JL: Assim que o novo poder domina, eles precisam estabelecer um novo status quo só para manter as indústrias e os trens funcionando.

RB: Sim, mas uma burocracia repressora não necessariamente faz funcionar indústrias e trens de uma forma melhor que os trabalhadores poderiam sob um sistema de democracia revolucionária.

JL: Sim, mas todos temos instintos burgueses dentro de nós, todos nos cansamos e sentimos a necessidade de relaxar um pouco. Como você mantém tudo funcionando e mantém o fervor revolucionário aceso depois de ter alcançado o que você se propôs a alcançar? Claro que Mao conseguiu segurar lá na China, mas o que acontecerá depois que Mao partir? Ele também usa o culto à personalidade. Talvez isso seja algo necessário, como eu disse, todos precisam de uma figura paterna.

Mas eu estou lendo Khrushchev Remembers [memórias de Nikita Khrushchev, líder soviético que implementou políticas de “desestalinização” da URSS]. Eu sei que ele é meio jovem, mas ele parece achar que ter feito uma religião ao redor de uma pessoa foi ruim; esta não parece ser parte da ideia comunista fundamental. Mas as pessoas não deixam de ser pessoas, essa é a dificuldade.

Se tomássemos o poder na Grã-Bretanha, então teríamos o trabalho de limpar a burguesia e manter as pessoas num estado de mente revolucionário.

RB: Na Grã-Bretanha, se não conseguirmos criar um novo governo popular – e aqui isso basicamente significaria ter o poder nas mãos dos trabalhadores – um governo realmente controlado pelas massas e que responda às massas, então não poderíamos fazer a revolução em primeiro lugar. Só um governo que realmente pertença aos trabalhadores, até nas raízes, poderia destruir o estado burguês.

YO: Por isso será diferente quando a geração mais jovem assumir.

JL: Eu acho que não precisa de muito para fazer os jovens seguirem adiante. Seria preciso lhes dar um governo livre para poder atacar os conselhos locais ou destruir as autoridades escolares, assim como os estudantes que romperam com a repressão nas universidades. Já está acontecendo, mas as pessoas precisam se unir mais.

E as mulheres também são muito importantes, não podemos ter uma revolução que não envolva e liberte as mulheres. É tão sutil a forma com que ensinam a superioridade masculina.

Eu levei um tempo para perceber que a minha masculinidade estava excluindo Yoko em certas áreas. Ela é uma ativista roxa pela liberdade das mulheres e me mostrou rapidamente onde eu estava errado, mesmo quando eu achava que estava apenas agindo naturalmente. Por isso sempre me interesso em saber como os autoproclamados radicais tratam as mulheres.

RB: Sempre houve pelo menos o mesmo tanto de machismo na esquerda do que em qualquer outro lugar – embora a ascensão do movimento pela liberdade das mulheres tenha ajudado a resolver isso.

JL: É ridículo. Como se pode falar sobre poder para o povo se não perceber que o povo tem dois sexos.

YO: Não há como amar alguém sem estar numa posição de igualdade com essa pessoa. Muitas mulheres se apegam a homens por medo ou insegurança, e isso não é amor, basicamente é o motivo pelo qual algumas mulheres odeiam homens...

JL: E vice-versa…

YO: Então se você possui uma escrava dentro de casa, como você espera fazer a revolução fora dela? O problema para as mulheres é que se tentamos ser livres, então naturalmente nos tornamos solitárias, porque muitas mulheres estão dispostas a se escravizarem, e os homens geralmente preferem isso. Então você sempre corre o risco: "Será que vou perder o meu homem?" É muito triste.

JL: Claro, Yoko já era bem ligada ao movimento de liberação das mulheres antes de eu conhecê-la. Ela teve de batalhar pelo seu caminho em um mundo de homens – o mundo da arte é completamente dominado por homens – então ela estava cheia de fervor revolucionário quando nos conhecemos. Nunca houve dúvida: tínhamos de ter uma relação 50-50 ou não havia relação, eu aprendi rapidamente. Ela escreveu um artigo sobre mulheres na revista Nova mais de dois anos atrás no qual ela dizia: "As mulheres são os pretos do mundo".

RB: Claro que todos vivemos em um país imperialista que explora o Terceiro Mundo, e até mesmo a nossa cultura está envolvida nisso. Houve um tempo em que as músicas dos Beatles estavam direto na Voice of America [rádio oficial do governo americano]...

JL: Os russos diziam que éramos robôs capitalistas, o que éramos, suponho...

RB: Eles foram bem idiotas em não ver que era algo diferente.

YO: Vamos encarar esse fato: os Beatles foram a música folk do século 20 dentro do contexto capitalista; eles não podiam fazer nada diferente se quisessem se comunicar dentro desse contexto.

RB: Eu estava trabalhando em Cuba quando Sgt. Pepper foi lançado e foi assim que eles começaram a tocar rock na rádio pela primeira vez.

JL: Bom, espero que eles vejam que o rock and roll não é a mesma coisa que a Coca-Cola. À medida que nos afastamos do sonho isso deve ficar mais fácil: é por isso que eu estou fazendo declarações cada vez mais pesadas agora, e tentando sacudir a imagem de adolescente da moda.

Quero atingir as pessoas certas, e quero dizer o que tenho a dizer de forma simples e direta.

RB: Seu último álbum me pareceu muito simples de início, mas as letras, os ritmos e as melodias se juntam numa complexidade que é percebida aos poucos. Como a faixa “My mummy's dead” [“Minha mamãe está morta”], que ecoa a canção de ninar “Three blind mice” e trata de um trauma de infância.

JL: O tom que faz isso; foi este tipo de sensação, quase como um poema haiku no Japão, que eu acho fantástico. Obviamente, quando você se livra de toda uma seção de ilusões da sua mente, o que resta é uma grande precisão.

Yoko estava me mostrando alguns desses haiku no original. A diferença entre eles e [Henry Wadsworth] Longfellow [poeta americano] é imensa. No lugar de um longo poema todo florido, o haiku diria "flor amarela em tigela branca na tábua de madeira", o que lhe dá o retrato completo, na verdade...

TA: Como você acha que podemos destruir o sistema capitalista aqui na Grã-Bretanha, John?

JL: Acho que só conscientizando os trabalhadores da real situação infeliz em que estão, destruindo o sonho que os circunda. Eles acham que estão num país maravilhoso, com liberdade de expressão. Eles têm carros e televisões e não querem pensar que tem algo a mais para viver. Eles estão preparados para deixar que os chefes mandem neles, para ver suas crianças fodidas pela formação que recebem na escola. Eles estão sonhando o sonho de outra pessoa, nem é deles mesmos. Eles deveriam perceber que os negros e os irlandeses estão sendo intimados e reprimidos e que eles serão os próximos.

Assim que começarem a se conscientizar de tudo isso, podemos começar a fazer algo. Os trabalhadores podem começar a assumir o controle. Assim como Marx disse: "A cada qual, segundo suas necessidades". Acho que isso funcionaria bem aqui. Mas também teríamos de infiltrar o Exército, porque eles são bem treinados para matar a todos nós.

Precisamos começar tudo isso a partir de onde somos oprimidos nós mesmos. Acho que é falso, vazio, dar aos outros enquanto a sua própria necessidade é grande. A ideia não é reconfortar as pessoas, não é fazê-las se sentir melhor, mas fazê-las se sentir pior, para constantemente encararem as degradações e humilhações às quais são submetidas para conseguir o que chamam de um salário digno.

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