Segundo
Niéde Guidon, falta de recursos financeiros para dar continuidade ao projeto
que vem sendo desenvolvido nos últimos 40 anos no Piauí tem tornado impossível
manter funcionários, veículos e máquinas necessários para os trabalhos
Depois
de 40 anos desenvolvendo pesquisas e buscando fundos para manter o Parque da
Serra da Capivara, no Piauí, que tem “a maior concentração de sítios com
pinturas rupestres do mundo, um meio ambiente muito rico, ainda não
completamente estudado e monumentos geológicos fantásticos”, a arqueóloga Niéde
Guidon é categórica ao afirmar que não vislumbra “nenhum” futuro para os
projetos que vêm sendo desenvolvidos até então.
A
falta de recursos financeiros para dar continuidade ao projeto que vem sendo
desenvolvido nas últimas quatro décadas tem tornado impossível “manter um corpo
permanente de funcionários, os veículos e máquinas necessários para os trabalhos”,
informa. Na avaliação de Niéde, a atual situação do Parque da Serra da Capivara
é o claro exemplo de que “o problema é que no Brasil há muitas leis, mas não
são fornecidos recursos para que as mesmas sejam aplicadas. E geralmente os
parques nacionais nunca recebem o necessário para sua manutenção. Por exemplo,
aqui na Serra da Capivara, há somente dois funcionários e cerca de 23 guardas,
mas estes são terceirizados”.
Na
entrevista a seguir, a arqueóloga conta sua trajetória desde que iniciou suas
pesquisas no Museu do Ipiranga (quando à época organizou uma exposição sobre
pinturas rupestres do Brasil), sua dedicação e sua luta para preservar os 50
sítios com pinturas rupestres que encontrou no Piauí e seu desapontamento com
os rumos que esse projeto vem tomando nos últimos anos. “Construímos um parque
de primeiro mundo, único nas Américas, e tudo vai ser destruído!”, lamenta.
Niéde
Guidon é graduada em História Natural pela USP e especializou-se em arqueologia
pré-histórica pela Sorbonne, França. Desde 1973 integra a Missão Arqueológica
Franco-Brasileira, concentrando no Piauí seus trabalhos, que culminaram na
criação do Parque Nacional Serra da Capivara. Atualmente é Diretora Presidente
da Fundação Museu do Homem Americano.
Confira
a seguir trechos da entrevista.
Em
que consistiu seu projeto para a proteção da Serra da Capivara, quando a
senhora veio da França para o Brasil? Pode nos falar do início dessa
experiência e sobre qual era sua expectativa com esse projeto quando se mudou
para o Brasil?
Niéde
Guidon: Em 1963 eu trabalhava no Museu do Ipiranga e organizei uma exposição
sobre as pinturas rupestres do Brasil. Naquela época somente as de Minas Gerais
eram conhecidas. Um visitante pediu para falar com o responsável e me chamaram.
Ele me mostrou fotos dizendo que na região onde morava havia o mesmo tipo de
pinturas de índios. Vi que eram diferentes das de Minas e ele me explicou que
existiam no sudeste do Piauí, no município de São Raimundo Nonato e me explicou
como vir até aqui.
Nas
minhas férias, em dezembro, vim de carro, mas as chuvas haviam sido violentas e
uma ponte do rio São Francisco havia rodado e foi impossível passar.
Em
1964 deixei de trabalhar no Museu e em 1965 me mudei para a França, onde
comecei a trabalhar na pesquisa arqueológica e fiz concurso passando a ser
professora da École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris.
Em
1973 consegui recursos para uma primeira missão de pesquisa no Piauí. Dessa
missão participaram duas colegas da USP. Descobrimos mais de 50 sítios com
pinturas rupestres. Graças a esses resultados consegui recursos para uma nova
missão em 1975 e, em 1978, para uma missão interdisciplinar, da qual
participaram cientistas brasileiros e franceses, arqueólogos, geólogos,
botânicos, zoólogos, antropólogos.
Com os resultados dessas missões a França decidiu criar a Missão Permanente do Piauí, financiada pelo Ministère des Affaires Etrangères, e fui chefe dessa Missão até minha aposentadoria. Atualmente ela é dirigida por um colega professor em Paris, Eric Boeda, que continua a vir durante os meses de férias na França, com seus alunos.
Diante
dos resultados da missão de 1978, os pesquisadores participantes fizeram um
relatório dirigido ao governo brasileiro, solicitando que fosse criado um
parque nacional para proteger a região, rica em vestígios arqueológicos, mas
também com riquezas naturais que deviam ser protegidas.
O
Parque Nacional Serra da Capivara foi criado em 1979, mas durante mais de 10
anos foi um parque no papel, sem nenhum funcionário nem proteção.
Diante
dessa situação os pesquisadores que vinham anualmente fazer pesquisa aqui
decidiram criar a Fundação Museu do Homem Americano, com a finalidade de
proteger o parque e construir um museu na cidade para abrigar as coleções de
vestígios arqueológicos e paleontológicos resultantes das escavações. A
Fundação foi criada em 1986.
As
pesquisas continuaram, eu anualmente vinha com meus alunos e, finalmente, em
1990 sugerimos ao Itamaraty que fosse pedido o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade face aos resultados das pesquisas, escavações, datações. Em 1991 a
Unesco incluiu a Serra da Capivara na lista dos sítios tombados.
O
governo brasileiro solicitou, então, ao governo francês que eu fosse emprestada
para preparar o projeto para a proteção desse patrimônio. A França concordou e,
em 1992, eu vim, comissionada para cá, onde estou até hoje.
Que
iniciativas foram tomadas no sentido de proteger o Parque da Serra da Capivara
ao longo desses anos em que o projeto está em funcionamento?
A
Fundação, em 1989, conseguiu o apoio da Fundação Banco do Brasil e fizemos a
primeira passarela no Boqueirão da Pedra Furada. Somente em 1995 conseguimos
recursos, a fundo perdido, do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a
infraestrutura. A partir daí começou nossa luta constante para conseguir
recursos para completar e manter a infraestrutura turística e de proteção. Pela
Lei Rouanet conseguimos apoios importantes (Vale, CHESF), sendo o maior o da
Petrobras.
Em
que consistia a parceria entre Brasil e França em relação ao Parque da Serra da
Capivara? Essa parceria ainda existe?
A
parceria com a França é para a pesquisa e continua até hoje.
Censos
dos últimos 50 anos mostram que avanços no acesso a educação e renda não
diminuem disparidade racial no Brasil
Ativistas
temem que rótulos sem 'alerta T' incentivem uso de transgênicos em produtos
brasileiros
O
governo federal às vezes ajudou, mas nunca de maneira a nos outorgar um
orçamento fixo que permitisse a manutenção do corpo de funcionários necessário
para manter a proteção do parque. O governo estadual colaborou algumas vezes,
inclusive nos enviou recursos em 2014 e 2015 para tentar impedir que um maior
número de funcionários perdesse o emprego.
Quais
têm sido as principais dificuldades em manter o projeto desenvolvido no Parque
até então?
A
impossibilidade de manter um corpo permanente de funcionários, os veículos e
máquinas necessários para os trabalhos.
Que
avaliação faz das políticas públicas ambientais brasileiras para áreas como a
do Parque da Serra da Capivara? Em relação à fiscalização e manutenção de
parques, quais são os principais desafios?
O
problema é que no Brasil há muitas leis, mas não são fornecidos recursos para
que as mesmas sejam aplicadas. E geralmente os parques nacionais nunca recebem
o necessário para sua manutenção. Por exemplo, aqui na Serra da Capivara, há
somente dois funcionários e cerca de 23 guardas, mas estes são terceirizados.
Qual
a importância científica do Parque, considerando seus sítios arqueológicos e
paleontológicos? Nesse sentido, pode nos dar um panorama de quais foram as
principais pesquisas realizadas no Parque da Serra da Capivara, tanto em
relação às pinturas rupestres quanto à paleontologia e arqueologia?
Neste
parque temos a maior concentração de sítios com pinturas rupestres do mundo, um
meio ambiente muito rico, ainda não completamente estudado, monumentos
geológicos fantásticos. A fauna, até cerca de 4.000 anos atrás, tinha animais
gigantescos, como a preguiça gigante, o Toxodonte e outros.
Muitas!
A Universidade de São Paulo, a Fiocruz, a Universidade Federal de Pernambuco, a
Universidade Federal do Piauí, a Universidade Federal do Vale do Rio São
Francisco, o Instituto Butantã e muitas outras.
Qual
é o legado e o patrimônio cultural e ambiental do Parque da Serra da Capivara?
Único
e imenso! As pesquisas mostraram que os povos que aqui viviam tinham tecnologia
e cultura idêntica às dos povos da Europa e da África. O meio ambiente é único,
caatinga, mas nos vales profundos e úmidos do planalto ainda há espécies
animais e vegetais típicas da floresta amazônica, enquanto na planície ainda
sobrevivem espécies da mata atlântica.
Qual
é a situação do Parque da Serra da Capivara neste momento?
Com
menos de 50 funcionários e, das 28 guaritas, somente 12 funcionando, estamos
vendo o fim se aproximando.
Que
relação a população que vive no entorno tem com o Parque?
Ótima,
eles sabem que do parque depende o futuro de todos!
Recentemente
a senhora declarou que o projeto para proteção da Serra da Capivara foi “um
fracasso total”. Por que faz essa avaliação?
Porque
lutamos muito, construímos um parque de primeiro mundo, único nas Américas, e
tudo vai ser destruído!
Que
futuro vislumbra para o Parque da Serra da Capivara?
Nenhum.
Patricia
Fachin | Instituto Humanitas Unisinos | São Leopoldo
Entrevista
original publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/41292/com+maior+concentracao+de+sitios+com+pinturas+rupestres+do+mundo+parque+da+serra+da+capivara+esta+perto+do+fim+diz+arqueologa.shtml?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
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