Muitas
vezes a intoxicação pode continuar se manifestando de forma silenciosa até o
fim da vida, tendo como resultado, por exemplo, o aparecimento de um câncer”,
alerta a toxicologista.
Da IHU On-Line
Quando
o assunto é agrotóxico e saúde, a discussão tem de ser feita a partir da
perspectiva da “prevenção para evitar que um dano à saúde se estabeleça”, diz
Karen Friedrich à IHU On-Line. Além da prevenção, frisa, “seria importante
incentivar iniciativas como o incentivo às práticas agroecológicas”, já que o
Brasil é considerado o campeão de uso de agrotóxicos há sete anos.
Na
entrevista a seguir, concedida por telefone, Karen explica que alguns fatores
contribuem para que agrotóxicos já banidos em outros países continuem sendo
utilizados nas lavouras brasileiras. Entre eles, ela menciona a forma como
esses produtos são analisados no Brasil, individualmente, sem considerar que
durante a aplicação nas lavouras há umuso combinado de vários tipos de
agrotóxicos.
Além
disso, destaca, a estrutura dos órgãos de vigilância e fiscalização é
“precária”, o que impede o acompanhamento das populações expostas, para
verificar quais são os riscos do contato com essas substâncias. “Outras ações
importantes deveriam ser feitas a partir do Estado, para melhorar a capacitação
dos médicos e profissionais da saúde, possibilitando o diagnóstico das pessoas
contaminadas e, consequentemente, o tratamento, quando possível”, sugere.
Apesar
da resistência brasileira em banir esses produtos, Karen informa que
instituições nacionais, a exemplo doInstituto Nacional do Câncer – INCA,
desenvolvem campanhas e parcerias com o Instituto Internacional de Pesquisa em
Câncer - IARC da Organização Mundial da Saúde – OMS, que faz “avaliações e
revisões sistemáticas sobre alguns agrotóxicos”.
“Os
estudos feitos pelo IARC mostram que os agrotóxicos que usamos no Brasil
apresentam enorme potencial de desenvolvimento de câncer em seres humanos.
Dentre eles, o glifosato foi classificado como carcinógeno humano, assim como o
malathion, que é muito usado também em campanhas de saúde pública [pulverizado
em campanhas de combate ao mosquito da dengue], e o herbicida 2,4-D, que foi
classificado como possível carcinógeno humano”, alerta.
Karen
Friedrich possui graduação em Biomedicina pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro - UNIRIO, mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é
servidora pública do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde -
INCQS da Fundação Oswaldo Cruz e professora assistente da UNIRIO.
Que
discussão é importante ser feita quando se trata da relação entre agrotóxicos e
saúde?
Da
ótica da saúde, sempre temos de trabalhar com a prevenção para evitar que um
dano à saúde se estabeleça. Só que a estrutura dos órgãos de vigilância e
fiscalização das populações expostas é precária, e por isso temos poucas
iniciativas bem-sucedidas que trabalham com a prevenção e com a promoção da
saúde no que se refere aos agrotóxicos.
Então,
o ideal é que sempre se evite o uso de agrotóxicos, porque deste modo estamos
protegendo a população trabalhadora do campo, aqueles que residem no campo e
aqueles que consomem alimentos que foram produzidos com agrotóxicos. Portanto,
no caso da prevenção, essa deveria ser a medida principal.
Na
questão da promoção da saúde, seria importante incentivar iniciativas como o
incentivo às práticas agroecológicas, para buscar a produção de alimentos sem o
uso de venenos e visando também uma lógica de justiça ambiental e social nos
sistemas produtivos. Nesse sentido, a reforma agrária é uma política importante
que deve ser fortalecida no país, pois desse modo restringiremos modelos de
produção dependentes do uso de agrotóxicos.
A
outra vertente, que diz respeito ao tratamento daqueles que já estão
intoxicados e que foram expostos ao agrotóxico, deveria se voltar às ações para
fortalecer os centros de notificação de agrotóxicos, para poder mapear os
locais onde existem maiores casos ou maior propensão ao aparecimento de casos
de intoxicação. Por isso, é importante fortalecer as estruturas de vigilância.
Nesse
sentido, outras ações importantes deveriam ser feitas a partir do Estado, para
melhorar a capacitação dos médicos e profissionais da saúde, possibilitando o
diagnóstico das pessoas contaminadas e, consequentemente, o tratamento, quando
possível. Sabemos que, independentemente do tipo de intoxicação que ocorre, o
tratamento é apenas sintomático, e dificilmente se reverte uma intoxicação,
porque são poucos os agrotóxicos que têm “antídotos”. Muitas vezes esses danos
podem continuar se manifestando de forma silenciosa até o fim da vida, tendo
como resultado, por exemplo, o aparecimento de um câncer ou um dano hepático
renal bastante grave.
Qual
é a relação entre o consumo de agrotóxicos e as causas de câncer?
Estudos
experimentais científicos tanto com animais de laboratório como com populações
expostas, realizados em outros países, mostram uma relação clara entre o uso de
agrotóxicos e o aparecimento de câncer. Instituições que têm conhecimento na
área de pesquisa de câncer, como o Instituto Internacional de Pesquisa em
Câncer - IARC da Organização Mundial da Saúde – OMS, fizeram avaliações e revisões
sistemáticas sobre alguns agrotóxicos, e esses estudos mostram que os
agrotóxicos que usamos no Brasil apresentam enorme potencial de desenvolvimento
de câncer em seres humanos.
Dentre
eles, o glifosato foi classificado como carcinógeno humano, assim como o
malathion, que é muito usado também em campanhas de saúde pública [pulverizado
em campanhas de combate ao mosquito da dengue], e o herbicida 2,4-D, que foi
classificado como possível carcinógeno humano. Portanto, temos estudos
científicos de organismos internacionais e nacionais, como oInstituto Nacional
do Câncer – INCA, que estão se posicionando quanto ao risco do uso dos
agrotóxicos desenvolverem câncer.
Como
o agrotóxico ainda é permitido, mesmo depois do resultado dessas pesquisas?
Quando
se registra um produto, se coloca a questão de por que a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – Anvisa permite que se use agrotóxicos que causam câncer.
Na verdade, quando a Anvisa libera o registro de um agrotóxico, ela faz essa
avaliação a partir dos estudos que são apresentados pelas empresas. Então, são
estudos experimentais, bem conduzidos, os quais acreditamos serem idôneos, mas
que têm suas limitações.
A
primeira limitação é que eles expõem um único agrotóxico naquele estudo,
enquanto no dia a dia o ser humano é exposto a uma mistura de vários
agrotóxicos. Por isso os estudos epidemiológicos, que têm sido realizados nos
Estado Unidos e Canadá, estão apontando a associação entre agrotóxicos e
câncer, porque eles estão estudando o agrotóxico na sua realidade de uso, que
considera justamente uma mistura de agrotóxicos.
Além
do câncer, que outros impactos o uso e a exposição aos agrotóxicos causam à
saúde?
Existem
aqueles efeitos mais imediatos, que podem ocorrer logo após a exposição. Então,
em geral o trabalhador do campo, que está mais exposto ao produto, faz relatos
frequentes de intoxicações agudas, que causam dor de cabeça, vômitos, diarreia
e até o óbito. Além disso, existem os efeitos mais tardios, que são o câncer,
alterações hormonais, alterações reprodutivas, que são relacionadas,
cientificamente, ao uso de agrotóxicos.
Como
o Dossiê da Abrasco está repercutindo entre os setores de saúde e vigilância
sanitária no país? Como essa discussão acerca da relação entre consumo de
agrotóxico e implicações à saúde tem sido discutida no país?
O
Dossiê foi lançado no final do mês de abril, e várias instituições, como o
Ministério Público e Fóruns Estaduais, têm demandado da Abrasco o lançamento e
a divulgação do Dossiê. Para nós, essa tem sido uma surpresa, especialmente
quando percebemos que pessoas que trabalham com a área da saúde ou que são
representantes do Estado têm poucas informações sobre os danos dos agrotóxicos.
Então,
o Dossiê traz, de um lado, alguns estudos científicos para contribuir com
informações para essas pessoas que trabalham na área da saúde, ressaltando que
esses estudos não estão esgotados, porque existem mais estudos apontando os
prejuízos dos agrotóxicos. Essas informações podem ser úteis para que os órgãos
do Estado tomem ações não só em nível federal, mas também os municípios e os
estados possam tomar ações para coibir alguns agrotóxicos em seus territórios.
De
outro lado, o Dossiê também traz uma discussão sobre a fragilidade do processo
de registro dos agrotóxicos no Brasil e em outros países, apresentando dados de
contaminação por agrotóxicos na água, na água da chuva, no leite materno —
muitas pessoas não têm conhecimento disso, porque, às vezes, essas informações
estão publicadas apenas em artigos científicos. Além disso, o Dossiê também
traz uma abordagem muito interessante sobre os territórios que estão
suscetíveis aos danos dos agrotóxicos, e aí há depoimentos de pessoas que falam
sobre os impactos que elas têm sentido e identificado.
Como
o debate sobre o uso de agrotóxico na agricultura e os riscos à saúde tem sido
feito em outros locais do mundo?
O
Brasil é o maior consumidor mundial e tem uma grande fragilidade regulatória em
relação aos agrotóxicos. Por isso sabemos que há fragilidade nos laboratórios
analíticos, fragilidade em relação ao número de pessoas que trabalham nos
órgãos de Estado para darem conta do volume de trabalho. De fato, a situação do
Brasil é a pior no cenário internacional em relação ao uso de agrotóxicos. Mas,
ainda assim, em outros países existem organizações, até análogas à campanha
permanente contra os agrotóxicos, e existem organizações e grupos de
pesquisadores que têm se posicionado contra alguns agrotóxicos como, por
exemplo, oglifosato, que apresenta riscos à saúde.
Alguns
agrotóxicos já foram proibidos em vários países, mas ainda são comercializados
no Brasil. Esse é um fato importante, porque mostra que as autoridades
regulatórias internacionais já reconheceram os danos à saúde e proibiram o uso
dessas substâncias, enquanto nós continuamos usando esses agrotóxicos.
http://www.mst.org.br/2015/08/25/brasil-tem-o-pior-cenario-do-mundo-em-relacao-aos-agrotoxicos-adverte-especialista.html
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