Uma
pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde trouxe dados sobre a obesidade
infantil no Brasil e a alimentação das crianças que gerou alarme e preocupação.
A
entrevista é de Mariana Della Barba, publicada pela BBC Brasil, 26-08-2015.
Entre
os dados que mais chamaram atenção está o fato de que 32,3% das meninas e
meninos brasileiros menores de 2 anos tomam refrigerante e suco de caixinha e
que 60,2% deles comem bolacha recheada, biscoitos e bolos prontos.
Mas
para o endocrinologista brasileiro Walmir Coutinho, que preside a World Obesity
Federation (organização que reúne profissionais e organizações de mais de 50
países), esses dados alarmantes são só a ponta de um iceberg que é a epidemia
de obesidade.
Um
problema que, segundo ele, pode levar o Brasil a se tornar o país mais obeso do
mundo em 15 anos - e as crianças brasileiras estão na mira.
O
médico aponta o dedo para "ações insuficientes do governo", para
"escolas omissas", para o marketing que bombardeia crianças com
propagandas ligadas a alimentos nada saudáveis - e alerta para os danos físicos
e psicológicos nas crianças obesas.
Eis
a entrevista.
O
que significa ter metade das crianças pequenas brasileiras comendo bolachas e
boa parte delas bebendo refrigerante e suco artificial?
Esses
dados dão a medida de uma tendência que outros estudos já haviam mostrado. O
consumo excessivo de alimentos e bebidas pouco saudáveis estão hoje é um
problema seríssimo no Brasil. E, se continuarmos nesse ritmo de crescimento da
obesidade, seremos o país com mais obesos do mundo em 15 anos.
E
esse risco também atinge as crianças?
Certamente.
A obesidade infantil no Brasil é um cenário muito preocupante, em que algumas
ações foram tomadas mas elas ainda estão longe de serem suficientes. É preciso
se fazer muito mais. Para começar, nossas crianças são alvo de uma pressão
exagerada da mídia e do marketing que incentivam o consumo desses produtos.
Mas
e ações não diretamente ligada a crianças, como a que ocorreu em um jogo
recente do Corinthians (jogadores causaram polêmica ao usar meiões de uma
campanha em parceria com uma rede de fast food), também são prejudiciais?
Claro,
porque de uma maneira ou de outra isso acaba atingindo as crianças que estão
assistindo ao jogo. Nossa organização prega uma ética nas ações de marketing e
isso envolve não direcionar essas campanhas a crianças.
Olhando
o lado da alimentação da criança brasileira, quem são os principais vilões
atualmente?
Há
os vilões invisíveis, especialmente suco de fruta artificial e iogurte. O pai e
a mãe acham que estão dando algo saudável para as crianças, mas são produtos
que tem muitíssimo açúcar. Fora isso, é preciso lembrar que os alimentos mais
baratos são os que mais engordam.
E
como isso é prejudicial?
É
um fenômeno chamado de transição nutricional, em que as pessoas que conseguem
superar a falta de alimentos começam a ter acesso aos produtos mais baratos,
que costumam ser altamente industrializados. Sair do supermercado com saquinho
de batata frita, salgadinhos, biscoitos e chocolates é mais barato do comprar
frutas e verduras. A população de baixa renda também costuma ter menos tempo e
infraestrutura para praticar atividade física.
Quais
alternativas que poderiam mudar esse cenário? Taxar alimentos poucos saudáveis,
como aconteceu na França, com a chamada "taxa da nutella"?
Eu
vejo com bons olhos essas iniciativas, mas pra que elas sejam mais justas e
mais efetivas, o valor arrecadado com esses impostos deve ir diretamente para o
subsídio de alimentos saudáveis. Sem isso, não adianta.
E
punir os pais, é uma alternativa? Há casos em que inclusive pais perderam
temporariamente a guarda de filhos obesos, por serem acusados de não fazerem o
suficiente para a criança emagrecer.
Esse
tipo de medida é muito polêmica, não só no que diz respeito à obesidade, mas
também a outros tipos de negligência. Mas o outro lado da moeda é que há
crianças obesas cujos pais não têm nenhuma culpa, no casos de uma tendência
genética, por exemplo. Então, acho que só seria efetiva se fosse analisado caso
a caso detalhadamente.
Agora,
falando de atividade física. As crianças brasileiras também estão sendo
negligenciadas nesse aspecto?
Claro.
Basta ver que tipicamente nas escolas só se tem atividade física uma vez por
semana. Isso é inaceitável. Além disso, a violência urbana faz com que muitas
crianças fiquem presas em casa, na frente da TV, não conseguem ir a pé nem de
bicicleta para a escola.
Quais
os principais impactos em alguém que passa pela infância sendo obeso?
O
impacto na saúde da criança é mais conhecido. A obesidade traz problemas graves
como hipertensão arterial muito alta, problemas osteoarticulares em partes do
corpo como joelho, coluna e tornozelo, além de asma e diabetes.
Mas
também é o lado psicológico, que muitas vezes é subvalorizado. As pessoas não
se dão conta do impacto psicológico de apelidos dados a essas crianças, do
isolamento que elas vivem, e de estereótipos como o menino gordinho que só pode
jogar no gol, por exemplo. São situações que causam traumas que podem ser
levados para a vida adulta.
Mas
afinal, de quem é a culpa, das escolas, dos pais, do governo?
O
desafio da obesidade no mundo é comparável ao do aquecimento global, por sua
complexidade e por envolver diversos fatores e atores. Governo, comunidade
científica, pais e a sociedade como um todo.
É
claro que, no Brasil, a escola tem culpa. Muitas são extremamente omissas. Se,
por um lado, alguns Estados já têm leis proibindo a venda de guloseimas e
refrigerantes nas escolas, por outro, há escolas que vão no caminho contrário.
No Rio, a lei que proíbe refrigerante só vale nas públicas. Em muitas das
particulares, a pressão do dono da cantina fez com que o refrigerante fosse
liberado.
E
o governo?
Todos
os níveis do governo precisam estar envolvidos, incluindo o Legislativo e o
Judiciário. O governo tomou algumas medidas interessantes, mas são
insuficientes. E algumas das ações que têm por objetivo o aquecimento da
economia acabam prejudicando o cenário da obesidade no país.
Um
exemplo é a redução dos impostos de carros e geladeiras - itens que trazem
conforto mas que estão relacionados à obesidade. É preciso pensar na saúde
pública quando se quer estimular as vendas.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/546202-brasil-pode-se-tornar-pais-mais-obeso-do-mundo-em-15-anos
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