Para
a médica cubana, filha do revolucionário Che Guevara, “a medicina tem que
buscar benefícios para o povo” e oferecer “a possibilidade de se viver com dignidade”.
Do
Saúde Popular
A
médica cubana Aleida Guevara conhece bem os embates, nos âmbitos econômico e
político, para se garantir o direito à saúde aos cubanos. Para ela, não foi
novidade ver a reação negativa das entidades médicas à chegada de profissionais
cubanos para participar do Programa Mais Médicos para o Brasil. “Os conselhos
de medicina da América Latina, de maneira geral, reagem de maneira muito
desagradável e nos fazem pensar que não são verdadeiros profissionais de saúde,
mas mercenários da saúde”, declarou em entrevista ao Saúde Popular, em Havana,
capital cubana.
A
filha do guerrilheiro revolucionário Che Guevara aponta que, além de prover
assistência médica, os mais de 11 mil profissionais da ilha caribenha que atuam
no Brasil simbolizam um modelo de medicina baseado na prevenção e na
solidariedade. “Você pode ser útil em qualquer lugar do planeta. Isso é o que
aprendemos e tratamos de levar à prática”, apontou.
Nesta
entrevista, dividida por tópicos, Aleida fala sobre as especificidades do
modelo de medicina de Cuba e explica como a saúde se tornou prioridade para o
Estado cubano a partir da revolução.
Saúde
é viver com dignidade
Em
1953, quando do assalto ao Quartel Moncada, Fidel [Castro] foi preso e, como
era advogado, fez sua própria defesa, na qual ele falou dos problemas de Cuba e
dos projetos que eles queriam fazer se tomassem o poder, e um dos projetos mais
importantes era dar saúde ao povo. Aqui, como em grande parte da América Latina
naquela época, e infelizmente em outros países ainda hoje, era comum a morte de
um ser humano por doenças que podem ser curáveis, pois o médico ficava muito
distante do lugar em que vivem [essas pessoas]. Crianças podem morrer por uma
simples diarreia, por uma desidratação. Essas eram coisas que existiam em Cuba.
Com
o triunfo da revolução, Fidel Castro torna realidade o projeto que defende em a
“História me absolverá”. Ele escreve tudo que se deveria fazer no processo
revolucionário em Cuba e o primeiro é dar saúde ao povo. Se você quer um povo que
tenha possibilidade de trabalhar, criar, resistir a situações difíceis, tem que
ser um povo forte, saudável.
Meu
pai [Che Guevara] dizia que o médico devia fazer isso possível. Não só por uma
ação como médico, mas por uma ação da coletividade. Meu pai falava da medicina
na comunidade, que deve criar um estado de saúde para os indivíduos. Não é
somente não ter uma lesão física, uma doença, mas saúde como um conceito mais
amplo. Uma saúde no sentido de que se tenha dignidade, trabalho, moradia, que
se possa ter um lugar para desfrutar da vida. Isso é o que dá saúde para o ser
humano. É ter a possibilidade de viver com dignidade.
Medicina
cubana: prevenção e solidariedade
Nós
[cubanos] nos demos conta que era muito mais fácil prevenir uma doença do que ter
que curá-la. A medicina cubana se caracteriza, sobretudo, pela prevenção.
Prevenimos doenças, mas, ao mesmo tempo, tem um caráter internacionalista. Ou
seja, nós nos formamos no curso de medicina já com a consciência de que se pode
ajudar o ser humano em qualquer parte do mundo. Você pode ser útil em qualquer
lugar do planeta. Isso é o que aprendemos e tratamos de levar à prática. A
medicina cubana tem como características fundamentais a prevenção e o caráter
internacionalista.
A
ajuda ao Brasil
A
presidenta Dilma [Rousseff] pediu esta ajuda à Organização Mundial da Saúde
[OMS]. O Brasil não contacta Cuba diretamente, mas sim a OMS. Há uma
necessidade, o Brasil é um país imenso e os médicos infelizmente são uma elite,
são formados para ter consultórios. Existem alguns em hospitais públicos e
alguns muito bons, mas infelizmente não é a maioria e não é suficiente para
atender toda a população. Vocês têm muitos médicos, mas o problema é que muitos
deles não querem ficar nos lugares mais difíceis. Diante disso, a presidenta
viu a necessidade de pedir ajuda. É somente isso. A OMS decidiu que Cuba era um
país que poderia oferecer esta ajuda massivamente. Tem muitos médicos nossos
também na Venezuela, cerca de 10 mil, outros 2 mil na Bolívia e assim em outras
partes do mundo.
Conselhos
de medicina e os médicos cubanos
No
início, foi tremendo para os nossos médicos, porque as reações dos conselhos de
medicina da América Latina são brutais, porque são de elite. Pensam que os
médicos que vão trabalhar nas zonas mais pobres, nas zonas mais difíceis, podem
‘roubar’ clientes. Nisso é que erram, porque nós não temos clientes, nós
atendemos pacientes. O cliente é aquele que paga, o paciente é aquele devemos
atender, a pessoa que precisa de assistência médica. Nós não perguntamos quanto
tem de dinheiro, isso não nos interessa. O que nos interessa é servir ao ser
humano. Essa é a diferença entre muitos médicos no Brasil e os médicos cubanos.
Nós servimos ao povo e, segundo Che Guevara, é o único amo a que devemos respeito.
Uma
parte do dinheiro que OMS paga a Cuba vai para nossos hospitais, para
desenvolver mais nossa medicina e, também, para ajudar na vida dos médicos que
ficam aqui. Quando se vão esses médicos para outros lugares, os que ficam aqui,
às vezes, precisam trabalhar o dobro, porque temos que fazer o trabalho do que
se foi. Do ponto de vista econômico, o Estado trata de compensar os que estão
trabalhando internamente no país. Normalmente, não temos problema com isso
porque temos um povo muito solidário. Quando um cubano começa a dizer que quer
mais dinheiro, ou que o exploram, já não é mais cubano. Nós educamos nossa
gente, sobretudo, pela solidariedade. Nossos profissionais sabem que muito do
dinheiro que ele ganha, neste momento, não vai ao seu bolso, mas vai ao Estado
para compensar todas as necessidades que temos em saúde, educação e em
bem-estar social do povo.
Mercenários
da saúde
O
conselho de médicos [da Argentina] não permite que os cubanos trabalhem em
território argentino. A Operação Milagre é uma das ações que a Alba [Aliança
Bolivariana para os Povos da Nossa América] desenvolveu com quase 5 milhões de
pacientes operados gratuitamente de catarata, para devolver-lhes a visão.
Apesar de tudo isso, [o conselho] não quer que médicos cubanos trabalhem lá.
Temos que trabalhar pela fronteira da Bolívia por culpa deste conselho de
medicina, que não é médico realmente, é um grande reacionário. A medicina não
pode buscar benefício para o médico. A medicina tem que buscar benefício para o
povo e, neste sentido, os conselhos de médicos da América Latina, de maneira
geral, reagem de maneira muito desagradável e nos fazem pensar que não são
verdadeiros profissionais de saúde, mas mercenários da saúde.
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