ARTIGO
DE SERGIO MORO DÁ RAZÃO A VACCARI
Em
artigo sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos, juiz da Lava Jato cita mestres
que criticam tentativa de obter confissões a partir de coerção “por meios
físicos ou psicológicos.”
por
Paulo Moreira Leite, em seu blog
O
novo pedido do Ministério Público para a prorrogação da prisão preventiva de
João Vaccari Neto na carceragem de Curitiba permitirá aos brasileiros acompanhar
a coerência das ideias e da postura do juiz Sérgio Fernando Moro, responsável
pela Lava Jato.
É
possível que, no momento em que você lê estas linhas, Moro já tenha dado sua
decisão. Minha opinião é que o Ministério Público venha a ser atendido e Vaccari
continue apodrecendo na prisão, sem que existam provas para ser incriminado,
sem uma sentença judicial que justifique o encarceramento por um período que já
dura dois meses. O problema é que, num artigo acadêmico de 2001, disponível na
internet, o próprio Moro oferece argumentos que mostram por que Vaccari e boa
parte dos presos da Lava Jato devem ser soltos imediatamente.
Estou
falando do texto Caso Exemplar: Considerações sobre a Corte Warren. Num artigo
de 18 páginas, Moro faz um balanço da atuação de Earl Warren, o mais influente
juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos no pós-guerra. Moro dedica bons
parágrafos do texto a comentar o célebre caso Miranda x Arizona, um episódio
marcante na luta pelas liberdades civis e pela defesa dos direitos individuais.
A conclusão de Moro é que a corte “andou bem” e você tem motivos de espanto
quando recorda o que acontece na 13a. Vara Criminal de Curitiba.
O
caso Ernesto Miranda é assim. Acusado de ter raptado e estuprado uma moça em
Phoenix, no Arizona, Ernesto Miranda foi levado uma delegacia e, horas depois
de interrogatório, assinou uma confissão de culpa não apenas por este crime,
mas por dois outros que lhe eram atribuídos. Três anos depois da condenação, a
Suprema Corte entrou no caso por duas razões.
A
primeira, explica Moro, foi para “garantir ao acusado o exercício do real
direito da proteção contra a auto-incriminação.” O que se queria, em resumo, é
impedir que o reu fosse levado a fazer confissões naquele ambiente de delegacia
no qual os suspeitos são levados a se auto-criminar de maneira não “totalmente
voluntária”, como demonstrou o advogado de Miranda. A segunda razão, nas
palavras de Moro, é “coibir a extração forçada por meios físicos ou
psicológicos, de confissões em casos criminais. ” Eufemismos à parte, estamos
falando de tortura. A sentença da Corte, favorável a Miranda, foi assim:
“Concluímos
que sem salvaguardas próprias o interrogatório sob custódia de pessoas
suspeitas ou acusadas de crime contém pressões que operam para minar a vontade individual
de resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria em outra
circunstância. Para combater essas pressões e permitir uma oportunidade ampla
do exercício do privilégio contra a autoincriminação, o acusado deve ser
adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses direitos deve ser
completamente honrado.”
Vamos
entender o que a Suprema Corte dos Estados Unidos está dizendo: o Estado não
tem o direito de “minar a vontade individual de resistir” para obrigar um
acusado a “falar quando não o faria em outra circunstância.” É preciso impedir
que o prisioneiro sofra “pressões” e tenha assegurado o “privilégio” contra a
autoincriminação. A Corte deve garantir que o exercício desses direitos deve
ser “completamente honrado.”
O
artigo de Moro lembra outro juiz da Suprema Corte, Tom Clark. Numa sentença de
1949, quando eram comuns as pressões por medidas arbitrárias, capazes de
garantir prisões de qualquer maneira — típicas da Guerra Fria — Clark defendeu
os direitos dos prisioneiros de forma sintética e profunda. Enfrentando
argumentos de outros juízes, que alegavam que um prisioneiro não podia ser
solto só “porque a polícia não trabalhou direito,” Clark rebateu:
“O
criminoso sai livre, se assim deve ser, mas é o Direito que o deixa livre. Nada
pode destruir um governo mais rapidamente que seu insucesso em obedecer suas
próprias leis, ou pior, sua desconsideração da guarda de sua existência.”
Em
seu voto, Clark lembrou a lição de outro mestre da Suprema Corte, Louis
Brandeis, em outra definição preciosa que Sergio Moro faz questão de preservar
no artigo:
—
Nosso governo é o mestre poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal
ensina todo povo pelo seu exemplo. Se o governo torna-se infrator da lei, cria
ele próprio o desrespeito a mesma, incita cada um a tornar-se a própria lei e
portando, à anarquia.
O
Código Penal Brasileiro regulamenta a prisão preventiva em seu artigo 312 e
estabelece que poderá ser decretada como “garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal”.
Mas
há uma condição: “quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria.” Preste atenção na condição. Lembre também da frase da
Suprema Corte segundo a qual é preciso impedir pressões que “operam para minar
a vontade individual de resistir.” Pense na frase: “é o Direito que deixa
livre.”
É
preciso dizer algo a mais?
Sim.
O principal argumento favorável ao abuso nas prisões preventivas no Brasil
deixou de ser jurídico para se tornar político. Pode-se dizer que é uma forma
de populismo rebaixada, essa escola política que tenta justificar o massacre de
um cidadão remediado porque a condição dos indigentes e miseráveis é ainda
pior.
Costuma-se
defender o regime da Lava Jato com o argumento de que 37% de todos as pessoas
detidas em nosso sistema carcerário não tem uma condenação e aguardam
julgamento.(O dado é real e foi confirmado em pesquisa pelo professor Anderson
Lobo da Fonseca, de São Paulo).
Como
acontece com os acusados da Lava Jato, a maioria é presa com o argumento
genérico de que representa uma ameaça “a ordem pública”, quando é fácil
perceber que uma prisão nessas circunstâncias, pode ser um estímulo a desordem,
como assinalou Louis Brandeis.
Quando
os acusados enfim enxergam a luz do dia e tem têm direito a um julgamento, 40%
dos detidos em regime provisório acabam absolvidos ou recebem penas menores do
que já cumpriram. Há algum benefício nisso? A Justiça ficou melhor?
A
menos que se queira fazer teoria só para americano ler, é bom rever as prisões
preventivas da Lava Jato.
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/paulo-moreira-leite-artigo-do-juiz-moro-sobre-a-suprema-corte-dos-eua-e-so-para-americano-ler.html#at_pco=smlwn-1.0&at_si=55afe33d0dd0794c&at_ab=per-14&at_pos=0&at_tot=1

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