“Neodesenvolvimentismo
se esgotou”
Do
Brasil de Fato, reprodução parcial
Liderança
do MST, maior movimento popular do campo no Brasil, João Pedro Stedile vê um
cenário difícil e complexo para a classe trabalhadora, “um período de confusões
que não se resolverá a curto prazo”.
Para
ele, as dificuldades de cenário fazem com que, “de um lado, o povo vê todos os
dias a burguesia tomando iniciativas contra ele, e um governo inerte e incapaz.
E de nossa parte, não conseguimos chegar até a “massona” com nossas propostas,
até porque a mídia é controlada pela burguesia”.
Em
entrevista ao Brasil de Fato, Stedile apontou como enxerga as movimentações do
governo, das elites e dos setores populares. Criticou o ajuste fiscal que o
segundo mandato de Dilma vem implementando e reconheceu a necessidade e os
desafios em se elaborar uma proposta política alternativa unitária ao que está
posto: “se o governo não mudar de rumo, ele continuará se afundando ainda mais
na impopularidade e na incapacidade de sair da crise”.
Confira
a entrevista abaixo:
Brasil
de Fato – Como você está vendo o cenário político brasileiro?
João
Pedro Stedile – O Brasil está passando por um período histórico muito difícil e
complexo. O que temos debatido nas plenárias dos movimentos populares é que
estamos passando por três graves crises.
Uma
é a crise econômica, com a economia paralisada, a falta de crescimento da
indústria e sinais de desemprego e queda da renda da classe trabalhadora.
Outra
é a crise social, cujos problemas, sobretudo nas grandes cidades, como a falta
de moradia, de transporte público, aumento da violência contra a juventude nas
periferias e de milhões de jovens que não estão conseguindo entrar na
universidade apenas aumentam. Os 8 milhões de jovens que se inscreveram no
ENEM, por exemplo, disputaram 1,6 milhões de vagas. E os que não entraram, para
onde vão?
A
última é a grave crise política e institucional, em que a população não
reconhece a legitimidade e a liderança nos políticos eleitos. Isso se deve ao
sistema eleitoral, que permite que as empresas financiem seus candidatos. Para
se ter uma ideia, apenas as dez maiores empresas elegeram 70% do parlamento. Ou
seja, a democracia representativa foi sequestrada pelo capital, e isso gerou
uma hipocrisia dos eleitos e uma distorção política insuperável.
Isso
se reflete nas pautas que o parlamento adota e nas ideias que eles defendem,
que não tem nada a ver com seus eleitores. Vejam só um caso: na sociedade
brasileira temos 51% de mulheres. Foi apresentado um projeto para garantir 30%
de representação feminina, mas eles bloquearam. E, com isso, vamos manter
apenas as atuais 9%!
Como
você avalia as propostas que predominam no debate público para superar esse
cenário?
As
classes dominantes, aqueles que detêm o poder econômico na nossa sociedade, são
muito espertas. Não à toa que eles governam há 500 anos. Eles perceberam a
gravidade da crise, e por isso abandonaram o pacto de alianças de classe com os
trabalhadores, representado pela eleição de Lula e Dilma, que resultou no
programa neodesenvolvimentista.
O
neodesenvolvimentismo, enquanto programa de governo, se esgotou. Os setores da
burguesia que faziam parte e se beneficiavam deste programa caíram fora, e
agora apostam num outro programa.
O
programa deste setor para sair da crise é basicamente a defesa do Estado
mínimo, utilizando-se de máscaras como a diminuição de ministérios, menos
ingerência do estado na economia, na retirada de direitos trabalhistas – com o
objetivo de que o custo da mão de obra diminua e se retome as altas taxas de
lucro, podendo competir melhor no mercado mundial com seus concorrentes.
O
terceiro elemento é o realinhamento da economia e da política externa aos
Estados Unidos. Por isso criticam as políticas dos Brics, da Unasul, do
Mercosul e defendem abertamente a volta da Alca.
Esse
é o programa da classe dominante para sair da crise. Não é outra coisa que a
volta do neoliberalismo. E para alcançar estes objetivos acionam seus
operadores políticos nos espaços em que detém hegemonia completa, como é o caso
do Congresso Nacional, do Poder Judiciário e da mídia burguesa.
Estes
três poderes estão atuando permanentemente e de forma articulada entre si para que
este programa seja implementado. E o partido ideológico que está costurando
essa unidade entre os três espaços é a Rede Globo.
O
governo tem tomado diversas iniciativas de política econômica, medidas
provisórias e ajuste fiscal. Como os movimentos estão vendo estas iniciativas?
Para
nós, o governo Dilma não entendeu a natureza da crise instalada, nem o que está
acontecendo na sociedade brasileira. Tampouco a disputa ideológica que foi
travada no segundo turno das eleições, uma tremenda luta de classes.
O
governo errou ao montar um ministério muito dependente de partidos
conservadores, que inclusive votam contra o governo no parlamento. Chega a ser
esquizofrênico. Talvez seja o pior ministério desde a nova república, e está
resumindo a crise a um problema de déficit no orçamento.
Ora,
o déficit no orçamento é apenas consequência da crise, e não adianta tomar
medidas paliativas. Como explicou bem o professor Belluzzo, “o motor da
economia pifou, e o governo está preocupado com a lataria do carro”.
Por
incrível que pareça, todas as MPs e as iniciativas que o governo tomou não só
não resolvem as crises citadas, como tendem a agravá-las, porque ficam na
aparência dos problemas e não vão às causas.
Pior,
muitas das medidas, em especial as da economia, vão na direção do programa da
burguesia, ou seja, retiraram direitos dos trabalhadores. Aumentar a taxa de
juros é tudo que o setor hegemônico dos capitalistas querem: ganhar dinheiro
com o rentismo e com a especulação.
Se
o governo não mudar de rumo, não mudar sua política econômica e não tomar
iniciativas que coloquem o debate na sociedade, da necessidade de uma reforma
política profunda, ele continuará se afundando ainda mais na impopularidade e
na incapacidade de sair da crise.
Nessa
conjuntura complexa, há possibilidade de golpe?
As
classes dominantes, os capitalistas, os empresários e a direita, enquanto campo
ideológico, são muito diversos numa sociedade tão complexa como a nossa. Por
mais que a Globo se esforce para dar unidade a eles, não conseguem ter consenso
na forma de ver os problemas e nas propostas para a saída da crise.
É
certo que tem setores mais radicais da direita que querem o golpe, o
impeachment, até pelo parlamento. Mas acredito que uma confusão institucional
não interessa aos setores empresarias.
O
que eles querem é que o governo assuma o programa deles. Só isso. Por outro
lado, os mesmos motivos para ter processos de impeachment para Dilma poderiam
ser aplicados aos governadores Geraldo Alckmin (PSDB), Beto Richa (PSBD), etc,
o que criaria uma confusão generalizada.
Infelizmente
acho que o governo caiu nessa armadilha. E mesmo assumindo o programa da classe
dominante, as três crises não se resolvem. Por isso estamos num período de
confusões que não se resolverá a curto prazo.
E
qual a proposta dos movimentos populares diante dessa situação?
De
parte dos movimentos populares a situação também é complexa. Os movimentos e as
forças populares, que englobam todas as formas organizativas, como partidos,
sindicatos, movimentos sociais, pastorais, etc, não tem tido capacidade de
organizar uma plataforma comum, um programa unitário de saída da crise.
Temos
ideias gerais, em teoria, como, por exemplo, o entendimento de que apenas
sairemos da crise econômica se o governo abandonasse o superávit primário e, ao
invés de pagar R$ 280 bilhões de juros por ano, investisse esses recursos
públicos na indústria para gerar emprego, em obras públicas de transporte,
moradia e na educação.
Já
na crise política, só iremos superá-la se tivermos uma reforma política
profunda. São ideias gerais, em torno de reformas estruturais necessárias.
Porém, é preciso construir um programa que unifique todos os setores sociais e
dê unidade às ações de mobilizações de massa.
Por
ora, apenas os setores organizados da classe trabalhadora estão se mobilizando.
A “massona” do povo está quieta, assistindo assustada pela televisão as
notícias da crise e da falta de alternativas.
De
um lado, o povo vê todos os dias a burguesia tomando iniciativas contra ele, e
um governo inerte e incapaz. E de nossa parte, não conseguimos chegar até a
“massona” com nossas propostas, até porque a mídia é controlada pela burguesia.
Como
você está vendo o processo da operação Lava-Jato e as denúncias de corrupção
que envolvem as empresas e a Petrobras?
Há
muitos aspectos que envolvem esse tema. Claro que há pessoas e empresários que
se apropriaram pessoalmente desses recursos e até enviaram recursos para o
exterior, e portanto são corruptos.
Mas
a corrupção na sociedade brasileira é muito mais ampla. Está presente na gestão
de recursos públicos, que envolvem políticos de todos os partidos e outros
setores sociais.
Quando
um professor da USP com dedicação exclusiva abre um escritório de consultoria,
ou um segundo emprego, ele também está sendo corrupto. Mas tudo isso apenas
resolveremos com processos de participação popular na gestão dos recursos
públicos e métodos permanentes de fiscalização por parte da sociedade.
Mas
o caso mais patético da Lava-jato é que ficam culpando este ou aquele. O problema
de fundo é o método das eleições. Enquanto houver financiamento das empresas
nas campanhas eleitorais haverá Lava-jato.
A
solução real não é apenas querer prender fulano ou beltrano, é mudar o sistema.
Precisamos de uma reforma política profunda. O Congresso já deu várias provas,
inclusive nas últimas semanas, que não quer mudar nada. A única saída seria
convocarmos uma assembleia constituinte exclusiva, que faça a reforma do
sistema político brasileiro.
Claro
que a realização de um plebiscito popular, que legalize a convocação da
assembleia, somente virá se as massas forem às ruas e lutarem pela assembleia
constituinte. Ou seja, vai depender de uma nova correlação de forças. Mas essa
é a única saída política para combater a corrupção.
Também
é importante ressaltar que todas as entidades de advogados , juízes e juristas
tem denunciado os abusos de poder do Juiz Sérgio Moro, extrapolando suas
funções e se utilizando, em conluio com os meios de comunicação, do vazamento
de informações, das delações premiadas e prisões com claro viés partidário.
Não
se vê a mesma divulgação, empenho e nenhuma prisão nos casos semelhantes de
corrupção dos trens de São Paulo, por exemplo, ou no caso do chamado mensalação
mineiro, ou mesmo das falcatruas praticadas pelo governo Aécio/Anastasia nas
empresas estatais de Furnas e Cemig, em Minas Gerais.
O
juiz Moro tem se prestado a alimentar um ódio da classe média contra os
petistas, como se todos estivessem envolvidos com corrupção, todos fossem
culpados, quando o verdadeiro culpado é o sistema eleitoral, que eles não
querem mudar.
E
como você avalia o projeto do senador Serra (PSDB), que retira a Petrobras do
pré-sal?
O
projeto do Serra, em debate no Senado, é a prova mais cabal de como os
parlamentares da direita aplicam o programa da burguesia no Congresso Nacional
para sair da crise.
O
projeto retira da Petrobras a prioridade da exploração do pré-sal. É tudo o que
as empresas transnacionais precisam, já que não será mais necessário gastar com
pesquisa, já que se sabe onde está o petróleo. Não há nenhum risco, basta ir lá
e buscá-lo.
Num
país continental como o nosso, o Estado brasileiro não tem nenhuma condição de
fiscalizar o que essas empresas fariam em alto-mar, nem para onde e quanto
petróleo levariam.
Se
a Petrobras está passando por dificuldades financeiras e não pode operar todos
os poços, é preferível que se vá mais devagar com a exploração das reservas,
garantindo que o povo brasileiro tenha controle sobre elas.
E
claro, é preciso que os trabalhadores da Petrobras tenham maior participação na
gestão da empresa, senão acontece com o que passou o minério de ferro, quando
Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce e entregou de graça aos
capitalistas estadunidenses.
Hoje,
são exportados bilhões de toneladas de ferro por ano, e o povo brasileiro não
tem nenhum benefício com essa riqueza natural, embora pela constituição ela
deveria ser utilizada em beneficio do bem estar de todo população.
Espero
que o Senado tenha juízo em barrar esse projeto, ou mesmo que a presidenta vete
depois, e que os petroleiros se mantenham a mobilização e a luta em defesa da
Petrobras.
Quais
as iniciativas que os movimentos populares estão tomando para se posicionar
nessa conjuntura?
Estamos
fazendo todos os esforços para construir plenárias unitárias entre todas as
frentes de massa, sobretudo nos estados, e estimular os setores organizados a
lutarem. Em alguns estados essa unidade é mais notória, como aconteceu na luta
dos professores no Paraná e em Minas Gerais.
Em
nível nacional, as centrais sindicais, em especial a CUT (Central Única dos
Trabalhadores), tem feito um esforço de coordenar as iniciativas de mobilização
da classe trabalhadora em defesa de seus direitos.
E
há uma disposição, caso avance o projeto de terceirização, de realizarmos uma
greve geral em todos os setores da economia, para brecar essa medida que faz
parte do projeto da burguesia.
Acho
que já há uma unidade muito grande e disposição de luta em defesa dos direitos
dos trabalhadores, mas ainda não avançamos para construir um programa
alternativo para a classe.
http://www.viomundo.com.br/denuncias/joao-pedro-stedile-partido-da-globo-costura-a-alianca-para-levar-o-brasil-de-volta-ao-estado-minimo.html
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