Nunca
se viu tanta delação premiada no Brasil. Essa frase tem povoado incontáveis
conversas no seio da população brasileira.
A
delação premiada consiste num acordo celebrado, de um lado, pelo investigado,
acusado ou condenado e, de outro, pelo Estado. Esse acordo se perfaz com a
confissão ou com informações relevantes do agente criminoso, que negocia com o
Estado benefícios que reduzam sua pena ou lhe propiciem até a obtenção do
perdão judicial.
Nossa
legislação contempla a delação premiada, também denominada colaboração
premiada, desde a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072, de 1990). Durante muitos
anos discutiu-se o formato da delação premiada. Somente com a promulgação da
Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei 12.850, de 2013), é que se
desenhou um procedimento mais completo sobre a delação premiada.
A
delação premiada, como prevista hoje em nosso ordenamento, estabelece a
necessidade de sua efetividade, vale dizer, que seja relevante e propicie
resultado, identificando autores do delito e provas do próprio crime, estrutura
da organização criminosa e seu “modus operandi”, de maneira a dar suporte a uma
condenação judicial. Deve também ajudar na prevenção de novos crimes e na recuperação
do produto delituoso.
A
lei estabelece que a negociação, que é o cerne da delação premiada, não pode
ter a participação do magistrado que, ao depois, deverá homologá-la. O acordo,
portanto, deve ser realizado entre o delator e o agente do Estado, vale dizer,
o Delegado de Polícia e/ou o representante do Ministério Público, sempre com a
presença do Advogado.
Esse
acordo que, pode-se dizer, é um verdadeiro contrato, deve trazer as condições
propostas, negociadas e estabelecidas pelas partes, devendo ainda o delator se
compromissar a dizer a verdade e renunciar seu direito constitucional ao
silêncio.
Nunca
é demais reiterar que a palavra do delator não é prova judicial, mas somente
informação, pois necessita, para se tornar prova processual, que outros
elementos probatórios venham corroborar o que foi informado.
Assim,
a palavra do delator que não encontre, durante a instrução, elementos de prova
a convalidá-la, não poderá servir de fundamento para uma sentença condenatória.
Importante destacar que não se fala aqui da mentira, pois neste caso a delação
premiada será rescindida.
A
delação premiada, todavia, somente se aperfeiçoa, produzindo o resultado
pretendido, quando da sentença, oportunidade na qual o magistrado examinará a
eficiência do acordo, e se tudo o que fora pactuado foi realmente cumprido.
Convém
destacar que o juiz que proferirá a sentença, não está obrigado aos termos do
acordo, podendo decidir, independentemente do que fora acordado. Aqui, sem
dúvida, reside outro ponto de fragilidade e desconfiança quanto ao instituto.
Uma
das principais regras a ser observada é a da voluntariedade, pois a delação
premiada não pode ser compelida ao delator, que jamais poderá ser forçado a
delatar. A voluntariedade está intimamente ligada à origem da delação premiada,
pois o delator deve agir movido pelo sentimento de arrependimento ou de
colaboração com a Justiça, afastando-se da prática criminosa.
Imenso
debate se trava hoje sobre esse ponto, pois a voluntariedade deve significar
que a delação será feita livremente, negociada sem pressões ou ameaças, isto
tudo num ambiente de liberdade para decidir.
Como
afirmar que alguém que realiza uma delação premiada possa fazê-la de forma
voluntária, se este alguém que já é alvo de uma investigação, ou de um processo
criminal, encontra-se preso cautelarmente?
É
inegável que o homem preso preventivamente está submetido a uma enorme carga
emocional que o oprime, submetido a uma das mais doloridas e sofridas
experiências de um ser humano. Não é por acaso que a humanidade buscou o pior
castigo para punir alguém na supressão de sua liberdade.
Ora,
como alguém que não pode ir e vir livremente, que é submetido ao convívio
nefasto do cárcere, que sofre as humilhações do aprisionamento, que suporta a
vergonha da cadeia para seus parentes e amigos, que muitas vezes enfrenta a
superlotação carcerária e até sevícias físicas e sexuais, como alguém submetido
a essa pressão psicológica pode preservar sua voluntariedade?
Por
óbvio que o espírito da voluntariedade inexiste nesse ambiente e compromete a
iniciativa da delação premiada, que é buscada para se obter a liberdade.
Nem
se vislumbra aqui a odiosa prática de se deliberadamente prender para forçar a
delação premiada, pois tal representaria um crime estatal tão nefasto quanto o
crime que se deseja combater, inadmissível num Estado Democrático de Direito,
onde todos, Estado e cidadãos, devem se submeter às leis.
Assim,
o instituto da delação premiada não é um mal em si mesmo, até porque
representa, na sua essência, uma alternativa para a defesa, todavia, é preciso
aperfeiçoá-lo, e a proposta que apresentamos, é a proibição da oportunidade da
delação premiada para aquele que se encontra preso cautelarmente, pois dessa
forma se estaria preservando a obrigatória voluntariedade, que hoje é tão
questionada no Brasil.
http://www.conjur.com.br/2015-jul-29/luiz-durso-delacao-premiada-nao-forcada-estado?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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