O
uso de uma "fórmula mágica" para resolver problemas complexos traz
como resultado a criação de mais problemas. Na busca por atalhos para atingir o
tão alardeado "fim da impunidade" no Brasil, atropelos têm colocado
em risco o direito de defesa, essencial para que o cidadão não seja um refém do
Estado e da "vontade popular" — que clama por punições mais graves a
cada nova notícia de crime hediondo.
O
cenário é apontado por advogados que, sob condição de anonimato, apontam o
descumprimento de prerrogativas na famosa operação “lava jato”, que completa 15
meses na próxima quarta-feira (17/6).
O
próprio Supremo Tribunal Federal já concluiu que ao menos uma parte das prisões
preventivas determinadas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro — responsável
pelos processos da “lava jato” em Curitiba — foi irregular, mandando soltar dez
acusados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já derrubou outras
duas prisões decretadas pelo juiz.
Advogados
do caso dizem que o juiz atua como se fosse um representante do Ministério
Público — em uma das situações apontadas como graves, o responsável por julgar
o caso começou a responder uma pergunta destinada a um delator. Moro negou acesso de advogados a provas e a
audiências e rejeitou perícia para avaliar se houve, afinal, superfaturamento
em obras da Petrobras. Ele nega agir para prejudicar os réus.
As
defesas apontam ainda que a Polícia Federal fez interceptações telefônicas de
autoridades com prerrogativa de foro. Os grampos mostraram trocas de mensagens
entre o doleiro Alberto Youssef e os então deputados André Vargas (ex-PT-PR) e
Luiz Argôlo (SDD-BA). Assim, a investigação deveria ter sido encaminhada ao
Supremo Tribunal Federal.
O
ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, manteve os autos na primeira
instância, acatando o argumento de que os envolvidos com prerrogativa de foro
não haviam sido identificados durante as investigações. Advogados, no entanto,
apontam que Argôlo trocou mais de 1,4 mil mensagens com Youssef, pivô da
operação, e insistem que a PF sabia da identidade dos deputados.
Também
há críticas sobre a condução de todos os processos ser no Paraná, já que parte
dos crimes apontados ocorreu no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, por
exemplo.
Quem
acompanha o caso já brinca com o "voluntarismo" de Moro. No fim de
maio, quando dirigentes da Fifa foram presos em um hotel em Zurique, na Suíça,
correu em conversas e mensagens pelo celular o comentário de que o juiz ia
chamar para si as investigações, porque alguma conexão deveria haver com o caso
de corrupção mais citado no Brasil nos últimos meses.
Veja
as situações mais criticadas:
Antecipação
de pena
Sem
julgamento, réus foram ou são mantidos presos em caráter preventivo por mais de
cinco meses. As decretações de prisões e recebimentos de denúncia já concluem
que houve a atuação de um grupo criminoso.
Para
justificar a prisão de executivos de empreiteiras, o juiz avaliou ser
necessário “advertir com o remédio amargo as empreiteiras de que essa forma de
fazer negócios com a Administração Pública não é mais aceitável”. No caso do
ex-diretor da Petrobras Renato Duque, baseou-se na possibilidade de que fugisse
do país, “por pretensamente possuir recursos financeiros no exterior, não
declarados”.
As
decisões também usam como justificativa a necessidade de manter a ordem pública
e evitar novos crimes. Mas, nas duas situações, o STF já declarou que medidas
cautelares seriam suficientes. “Decretar ou não decretar a prisão preventiva
não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser
visto como antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade”, declarou o
ministro Teori Zavascki.
Prisão
baseada na imprensa
Com
base em recortes de jornal, o juiz decretou a segunda prisão preventiva de três
réus. Motivo: uma notícia de que advogados de empresas tiveram um encontro com
o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
“Embora
os episódios ainda não tenham sido totalmente esclarecidos, trata-se, a ver
deste juízo, de uma indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das
empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo
judicial”, afirmou Moro.
Para
o TRF-4, porém, não há provas de que reuniões tentaram interferir no processo,
colocando risco ao seu andamento ou às investigações. Mesmo que existissem, o
colegiado avaliou que a solução não seria prender alguém. E, ainda que isso
fosse eficiente, os réus não poderiam responder por atos de terceiros.
Disparidade
de armas
Defensores
alegam não ter as mesmas ferramentas que o Ministério Público Federal: apontam
tratamento desigual nos prazos, ausência nos autos de provas produzidas na
investigação (inclusive delações) e dificuldade de localizar documentos citados
nas denúncias (as acusações falam em procedimentos que não eram acessíveis).
Em
17 de novembro de 2014, um grupo de advogados solicitou acesso a todos os
termos de delações premiadas. Ficou sem resposta ao menos até 23 de janeiro. No
dia 18 de novembro, a PF pediu a prorrogação da prisão temporária de alguns
suspeitos. Fez o protocolo às 16h05 e recebeu a primeira resposta em 14
minutos. Às 20h38 do mesmo dia, Moro decretou as prisões.
Na
oitiva das testemunhas de acusação, que são praticamente as mesmas para as
cinco ações penais relacionadas às empreiteiras, só puderam entrar os advogados
que constavam na lista de acusados, e não aqueles que atuam nos processos
correlatos. O MPF, porém, participou de todas elas; teve cinco oportunidades
diferentes de formular questões, enquanto a defesa teve apenas uma chance.
Conhecimento
prévio de deputados
Interceptações
de telefones celulares de Alberto Youssef mostram mais de mil conversas com
André Vargas e Luiz Argôlo (que era identificado como LA nas mensagens). Apesar
de as conversas com Argôlo terem começado em setembro de 2013, a PF disse que
só conseguiu descobrir quem era o dono da linha em maio de 2014, dois meses
depois que a operação foi deflagrada. Para advogados, a afirmação “não parece
crível”.
Limitação da verdade
O
juiz do caso proibiu que os principais delatores — Alberto Youssef e Paulo
Roberto Costa — citassem nomes com prerrogativa de foro, durante audiência em
outubro. Para defensores, isso mostra
como ele tentou impedir a remessa dos feitos ao Supremo.
Investigações
limitadas
O
juiz rejeitou pedido de perícias para que fosse checado se houve ou não
superfaturamento nos contratos da Petrobras — o que advogados apontam como
essencial para saber se houve ou não um esquema de corrupção. O procedimento,
segundo Moro, “refoge à capacidade da Polícia Federal”, sendo necessário
“contratar empresa especializada, com trabalho para meses ou anos”.
Complemento
ao trabalho do MPF
As
perguntas feitas por Sergio Moro nas audiências também foram alvo de críticas.
Embora juízes tenham o direito de fazer questionamentos às testemunhas,
advogados afirmam que boa parte do que Moro fazia servia para complementar o
trabalho do MPF.
“Como
funcionava esse ‘clube’ [de empreiteiras]?” “Essa vantagem que era paga aos
diretores [da Petrobras] então era necessária para que fossem convidadas as
empresas [escolhidas]?” “A propina era paga para que eles respeitassem a
indicação das empreiteiras?” “Nos aditivos tinha mais propina?” “Então era
burlada a licitação da Petrobras, na prática?”, foram algumas das perguntas.
Quando
um delator admitiu nunca ter presenciado a entrega de uma lista de empreiteiras
que deveriam vencer contratos da Petrobras, um dos advogados questionou como
ele sabia que essa indicação existia. Moro interrompeu com um “porque...”. O
advogado não gostou: “Vossa Excelência vai responder por ele?”
O
juiz também já fez uma espécie de “homenagem” aos responsáveis pela operação.
Ao decretar a prisão de executivos, disse que a organização que fraudava a
Petrobras “só foi descoberta após grande esforço de investigação da Polícia
Federal e do Ministério Público Federal, com auxílio da Receita Federal, e, em
parte, em decorrência da colaboração de criminosos”.
Como
pensa o juiz
O
juiz Sergio Fernando Moro já respondeu às críticas nas próprias decisões que
vem proferindo. Sobre as prisões preventivas, nega tentar antecipar penas.
“Encontra-se evidenciado risco à ordem pública, caracterizado pela prática
habitual e reiterada e que se estende ao presente, de crimes de extrema
gravidade em concreto, entre eles lavagem e crimes contra a Administração
Pública, o que impõe a preventiva para impedir a continuidade do ciclo delitivo
e resgatar a confiança da sociedade”, afirmou em novembro de 2014.
Moro
nega ainda conceder privilégios ao MPF. “Tributo, não obstante, tais alegações
mais uma vez como mero excesso retórico das defesas”, escreveu em janeiro. Ele
também disse que os advogados tiveram acesso integral a todos os documentos e
que o conteúdo das delações só demorou a ser disponibilizado quando estava no
STF. Ao impedir que advogados participassem de audiências, usou como
justificativa “o tamanho físico da sala”.
O
juiz afirmou que os grampos de deputados só foram feitos “fortuitamente” e
encaminhados ao STF assim que se identificou quem eram os citados. “Repudio
(...) a especulação fantasiosa da defesa de que teria havido ‘deliberada ocultação
da identidade de deputados federais no curso das investigações’.”
Sobre
o impedimento de que relatores citassem agentes como prerrogativa de foro, diz
ainda que “comete a defesa vários equívocos de interpretação”, pois apenas
preservou a autoridade do Supremo, que decretara sigilo em colaborações citando
políticos.
Para
ele, a perícia de preços em contratos da Petrobras é desnecessária pois a
denúncia só fala em crimes de lavagem
de dinheiro, corrupção, associação criminosa e uso de documento falso, que
continuariam existindo “quer os preços sejam ou não compatíveis com o mercado”.
E, sobre as perguntas feitas nas audiências, disse que “o papel do juízo é
esclarecer contradições”.
http://www.conjur.com.br/2015-jun-11/atalhos-condenar-lava-jato-direitos
Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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