Essa
é a avaliação da toxicologista Karen Friedrich sobre aos alimentos contaminados
por agrotóxicos.
Por
Patrícia Fachin
Da
IHU On-Line
A
atualização do Dossiê da Abrasco referente aos alimentos contaminados por
agrotóxicos, não só indica que 70% dos alimentos analisados foram cultivados
com o uso de inseticidas, como informa que o glifosato, “o agrotóxico mais
usado no Brasil”, não foi analisado nos testes e, portanto, a expectativa é de
que “a contaminação seja muito maior”, disse Karen Friedrich, em entrevista
concedida à IHU On-Line por telefone.
De
acordo com a toxicologista, “é possível fazer testes” com o glifosato,
inclusive “porque a própria empresa,
quando
registra um agrotóxico, tem a obrigação de repassar a tecnologia da metodologia
para órgãos e laboratórios públicos que irão fazer essa análise”, explica, ao
informar que não sabe por quais razões tais testes não foram realizados pela
Anvisa.
Karen
esclarece que os efeitos à saúde, do ponto de vista toxicológico, foram
analisados em dois grupos: os agudos e os crônicos. “O agudo é aquele que
ocorre logo após uma exposição a uma dose alta de agrotóxico; e o efeito
crônico é aquele que ocorre em uma exposição em doses muito pequenas ao longo
da vida”, resume. Segundo ela, embora os herbicidas sejam liberados para a
comercialização, um dos principais dilemas está relacionado ao fato de que “os
agrotóxicos são testados individualmente, mas, na prática, há mistura de
agrotóxicos”. Isso significa dizer, “que um determinado efeito que não se
manifestou no teste com um animal de laboratório, a partir de uma única
molécula, um único agrotóxico, na vida real, onde há misturas e onde um
agrotóxico pode potencializar o dano do outro, causará efeitos na saúde das
pessoas”. Na avaliação da pesquisadora, isso ocorre por conta de uma “limitação
técnica do registro de agrotóxicos”.
A
outra limitação que possibilita o uso crescente desses produtos no país é
“política”. “As agências que regulamentam os agrotóxicos, tanto a Anvisa como o
Ibama, são agências que têm um quadro de funcionários muito pequeno. Enquanto
nos Estados Unidos, para fazer o mesmo trabalho, há centenas de pessoas, aqui
são 20, 30 ou 40, que além de fazerem o registro são responsáveis também por
fazer a revisão do registro, o que é um outro problema no Brasil”, pontua.
Karen informa ainda que em países da Europa e nos EUA, a revisão das moléculas
presentes nos agrotóxicos é feita a cada 10 ou 15 anos, enquanto no Brasil “não
existe esse tempo limite. (...) Uma molécula que está em uso desde a década de
1950, 1960, ainda hoje é utilizada no Brasil, sem ter sido feita uma revisão
dos estudos realizados anos atrás”, adverte.
Karen
Friedrich é graduada em Biomedicina pela Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO), mestre e doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de
Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente integra o quadro
do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde - INCQS, da Fundação
Oswaldo Cruz e da UNIRIO, onde leciona. É docente permanente do Programa de
Pós-Graduação em Vigilância Sanitária da Fiocruz. Também é membro do GT Saúde e
Ambiente da Abrasco.
Confira
a entrevista.
Quais
são os dados mais relevantes e preocupantes do “Dossiê Abrasco — um alerta
sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde”, sobre a relação entre agrotóxico e
saúde?
O
Dossiê foi constituído, inicialmente, em três partes, as quais foram publicadas
em 2012, e neste ano publicamos uma quarta parte, que é uma atualização do que
aconteceu de 2012 para cá. Fizemos uma atualização da questão da segurança
alimentar, por meio dos dados de contaminação de resíduos de agrotóxicos em
alimentos, e verificamos que o percentual de alimentos que têm agrotóxicos é
bastante elevado. Sabemos que ao menos 70% do que foi analisado tinha
agrotóxico, sendo 30% a 35% deles em níveis considerados irregulares.
Ressaltamos que o glifosato — que é o agrotóxico mais usado no Brasil — não foi
analisado pela Anvisa. Então, temos a expectativa de que a contaminação seja
muito maior.
Na
parte quatro do Dossiê, apresentamos ainda alguns relatos de situações que
aconteceram de lá para cá: há dois casos que são muito graves e emblemáticos.
Um deles é a pulverização aérea de agrotóxicos sobre uma escola municipal rural
em Rio Verde – GO, que ocorreu em 03-05-2013, há dois anos e, à época, 93
pessoas foram intoxicadas, entre alunos, professores, diretor e outros
funcionários do colégio. Os efeitos da contaminação foram bastante graves logo
após o acidente e até hoje professores e alunos contaminados ainda manifestam
os sintomas dessas intoxicações. Tivemos notícias de que eles não estão sendo
atendidos de modo adequado no serviço de saúde. Com isso, revelamos que a pulverização
aérea é uma prática muito ameaçadora à vida e ao meio ambiente.
O
segundo caso crítico que relatamos foi uma pulverização aérea de agrotóxicos
sobre uma aldeia indígena, em Mato Grosso. Nessa região havia quatro casos de
suspeita de óbito de crianças indígenas por contaminação de agrotóxicos. A
prática de pulverização é muito disseminada no Brasil e é algo que condenamos,
porque ela tem um limite que deve ser seguido, quer dizer, o avião só pode
passar numa área com distância de 500 metros de qualquer agrupamento, qualquer
local de circulação de pessoas, como, por exemplo, estradas. Mas, mesmo quando
a pulverização obedece a esses limites, existem relatos e estudos científicos
mostrando que o vento carreia e os agrotóxicos chegam a agrupamentos humanos.
Trata-se, portanto, de uma prática muito ameaçadora à saúde.
Os
efeitos que apontamos no livro são aqueles que estão cientificamente
comprovados e associados aos agrotóxicos. Classificamos os efeitos, do ponto de
vista toxicológico, em dois grupos: os agudos e os crônicos. O agudo é aquele
que ocorre logo após uma exposição a uma dose alta de agrotóxico; e o efeito
crônico é aquele que ocorre em uma exposição em doses muito pequenas ao longo
da vida. Então, estimamos que essa exposição através dos alimentos contaminados
e da água contaminada pode, sim, vir a desenvolver efeitos crônicos. Há uma
série de estudos relatados no Dossiê, estudos com animais de laboratório,
estudos realizados com pessoas expostas, mostrando que os agrotóxicos induzem a
alterações reprodutivas, hormonais e até ao câncer.
Por
que o glifosato ficou fora dessa análise?
Acredito
que a agência possa dar um depoimento sobre isso. Não sei ao certo se foi por
causa de alguma questão de metodologia, ou se não tem laboratório capacitado para
fazer a análise. De repente vale a pena fazer uma consulta à Anvisa para
entender o motivo.
Mas
você tem conhecimento de alguma justificativa para que os testes com glifosato
não tenham sido realizados? Ou não é possível realizar testes com glifosato?
É
possível fazer testes, porque a própria empresa, quando registra um agrotóxico,
tem a obrigação de repassar a tecnologia da metodologia para órgãos e
laboratórios públicos que irão fazer essa análise. Mas não sei se isso é
cobrado pela Anvisa, pelo Ministério da Agricultura, pelo Ibama, para que essa
metodologia seja repassada.
Desses
70% dos alimentos contaminados, segundo a Anvisa, 28% contêm substâncias não
autorizadas. Como esse tema é abordado na área da saúde e da vigilância?
De
fato essas substâncias não são autorizadas. O que acontece é que no momento do
registro da molécula ou, às vezes, depois que o produto entra no mercado, a
empresa pede para inserir novas culturas para aquele agrotóxico. Assim, o uso
não autorizado pode se dar por diversas razões: ou porque o agricultor comprou
um produto para uma cultura e irá aplicar em outra, ou às vezes ele está
plantando, mas o vizinho dele pulveriza agrotóxico por via aérea ou
tratorizada, e o vento carreia e contamina a cultura dele. Portanto, há diversas
razões para esse uso não autorizado. Entretanto, existem agrotóxicos que não
são autorizados no Brasil e, se eles são utilizados, entram no país por
contrabando, pelas fronteiras, de forma ilícita.
Um
ponto que reforçamos muito é de que o registro de agrotóxico no Brasil, assim
como também em outros países, tem limitações na esfera técnica e na esfera
política. Na esfera técnica — aí eu posso dizer com muita propriedade —, uma
empresa solicita o registro de agrotóxico através da apresentação de um dossiê,
com uma série de resultados de testes realizados com animais de laboratório,
juntamente com os resultados desses testes, contando quantos animais morreram,
quantos apresentaram efeitos no contato com diferentes doses de agrotóxicos. A
agência, a Anvisa, que avalia os agrotóxicos do ponto de vista da saúde, irá
avaliar esses resultados e informar se concorda ou não com os dados
apresentados, se os danos apontados no dossiê enviado pela empresa são ou não
aceitáveis, e se concede o registro ou não. Do mesmo modo, o Ministério do Meio
Ambiente irá fazer avaliação de acordo com os estudos ambientais.
Quando
a empresa apresenta esse dossiê para obter o registro, todos esses testes foram
realizados a partir da utilização de somente uma molécula, a qual a empresa
está querendo registrar. Mas, na prática, não ingerimos só aquele agrotóxico
autorizado, ingerimos uma série de agrotóxicos que são usados nos alimentos ou
que contaminam a água, usados diretamente ou que são fontes de outras
contaminações. Isso significa dizer que um determinado efeito que não se
manifestou no teste com um animal de laboratório, a partir de uma única
molécula, um único agrotóxico, na vida real, onde há misturas e onde um
agrotóxico pode potencializar o dano do outro, causará efeitos na saúde das
pessoas. Quando tomamos um medicamento, não podemos fazer misturas de
medicamentos com álcool, com outras substâncias, porque podem ocorrer efeitos
danosos, adversos e tóxicos à nossa saúde, e o mesmo ocorre com o agrotóxico.
Desse modo, essa limitação é uma limitação técnica do registro de agrotóxicos:
só avaliamos um único agrotóxico por vez, enquanto no campo, na vida real, as
pulverizações acontecem com misturas de agrotóxicos. Às vezes, em uma própria
formulação, um agrotóxico tem mais de um ingrediente ativo, só que aquela
formulação, ou seja, o produto final, não passa por todos os testes que seriam
necessários para investigar um potencial dano reprodutivo, hormonal ou mesmo
câncer, por testes mais relacionados à intoxicação aguda.
A
outra limitação, política, é que as agências que regulamentam os agrotóxicos,
tanto a Anvisa como o Ibama, são agências que têm um quadro de funcionários
muito pequeno. Enquanto nos Estados Unidos, para fazer o mesmo trabalho, há
centenas de pessoas, aqui são 20, 30 ou 40, que além de fazerem o registro são
responsáveis também por fazer a revisão do registro, o que é um outro problema
no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa a revisão do registro de uma
molécula deve ser feita a cada 10, 15 anos, no Brasil não existe esse tempo
limite. Dessa forma, uma molécula que está em uso desde a década de 1950, 1960,
ainda hoje é utilizada no Brasil, sem ter sido feita uma revisão dos estudos
realizados anos atrás. De lá para cá, a própria ciência, a própria toxicologia
avançou muito, alguns testes se tornaram mais rígidos, mas as moléculas não
foram retestadas frente a esse novo cenário científico. Então, o Brasil deveria
fazer, como alguns países fazem, essa revisão periódica dos agrotóxicos que
estão registrados.
A
Anvisa, às vezes, anuncia que vai fazer essa revisão de registro — que ela
chama de Reavaliação Toxicológica — mas, via de regra, quando tenta fazer isso,
as empresas entram com mandados de segurança e impedem a revisão. Tanto que
agência anunciou que iria revisar a cartela de agrotóxicos em 2008 e até hoje
não conseguiu finalizá-la. O número limitado de pessoas trabalhando na Agência
impede que se faça tanto a revisão de registro de forma mais protetora à saúde
como a própria avaliação para registrar moléculas novas. Essa, inclusive, é uma
grande crítica que a indústria faz à agência, porque ela demora muito tempo
para registrar novas moléculas, mas demora justamente porque tem poucas pessoas
para fazer esse trabalho.
Esse
processo de revisão que ocorre em outros países contribui em grande parte para
que agrotóxicos liberados no Brasil não sejam aceitos lá?
Sim,
essa é uma das razões. Embora desde 2009 a legislação da Europa esteja bem
próxima da brasileira. A lei brasileira, desde 1989, apresenta critérios
bastante restritos para registros de agrotóxicos. De acordo com a legislação,
se uma molécula apresenta um potencial de efeitos reprodutivos, efeitos
hormonais, má formação fetal ou câncer, ela não deve ser registrada. Isso não
ocorre em outros países, como Austrália, Estados Unidos, Canadá. Se eles
identificam esses efeitos, realizam um processo para avaliar a exposição e
verificar em que quantidade a molécula causa esse efeito. Claro que isso é
bastante aplicado nesses países, porque eles não têm todo esse apelo econômico
do setor agro-agrícola. Então, lá o uso de agrotóxicos é muito menor. Além
disso, as próprias condições climáticas fazem com que eles usem alguns
equipamentos de proteção, que sabemos que não são totalmente eficazes. Temos
muitos estudos, também, apontando que um equipamento de proteção individual não
protege 100% o trabalhador; protege 40%, 60%, às vezes até 70%.
Considerando
essa questão da legislação, era para termos muito mais agrotóxicos proibidos
aqui do que em outros países. A Europa, em 2009, passou a inserir esses
critérios de registro na sua legislação, ou seja, algo que
o
Brasil já havia feito 20 anos antes.
Como
é feito o diagnóstico de doenças provenientes de contaminação de agrotóxicos?
Isso
também é um problema. Temos notificados quase 100% de casos de intoxicação
aguda, os quais ocorrem logo após a exposição de agrotóxicos. Por isso, esse
diagnóstico acaba sendo mais fácil, porque a pessoa se sente mal depois de
pulverizar com agrotóxicos, vai ao serviço de saúde e o médico geral pergunta o
que aconteceu, o paciente conta e o médico faz o registro. Dessa forma, esses
casos são mais fáceis de serem identificados, mas ainda assim são
subnotificados, ou porque a pessoa ainda não vai ao serviço de saúde, ou às
vezes ela fica até com medo de contar que estava pulverizando, para não ter um
problema no emprego, ou às vezes o médico não sabe que tem que notificar, ou
então nem sabe fazer um diagnóstico; existem muitos profissionais que nem
perguntam a profissão da pessoa ao atendê-la.
Agora,
mais ocultos ainda são os casos de intoxicação crônica. Pessoas que moram
próximo de uma região de lavoura há 10, 20 anos, podem desenvolver um tipo de
câncer, um tipo de alteração reprodutiva, às vezes infertilidade, aborto e não
sabem o porquê. Quando vão ao médico, como irão atribuir a doença ao
agrotóxico? Como irão relatar que há 20 anos recebem exposição de agrotóxico? É
muito difícil fazer essa correlação através do que as pessoas irão relatar. Por
outro lado, podemos sofrer esse tipo de intoxicação a partir da ingestão de
alimentos contaminados. Desse modo, se nós a vida inteira comemos morango,
maçã, alimentos industrializados, alimentos de origem animal contaminados com
agrotóxico, como iremos fazer essa correlação de que um futuro problema de
saúde esteja associado com a nossa alimentação? É muito difícil fazer o
diagnóstico causal. Por isso temos que fazer uma avaliação de todo um contexto.
Temos
vários casos de estudos no país, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, no
Ceará, Pernambuco, onde pessoas têm se manifestado e pesquisadores têm
encontrado essa correlação de maior número de casos de câncer em regiões onde a
pulverização e a utilização de agrotóxicos é elevada. Apesar disso, uma coisa
que falta mesmo, e aí é uma carência do serviço público, é o treinamento dos
profissionais da saúde no sentido de serem possibilitados a fazerem esse
diagnóstico de intoxicação. Isso é importante tanto no meio rural, no campo —
onde o uso é mais intenso — quanto nas cidades.
Hoje
estamos vivendo um momento, por exemplo, de casos de epidemia de dengue, e
entre as medidas adotadas está a pulverização com Malathion, que também causa
intoxicação. O mesmo princípio ativo do agrotóxico de uso agrícola está
presente nesses produtos também. O inseticida que usamos dentro de casa é à
base de piretroide, o mesmo composto químico utilizado na agricultura. O uso
desses dois produtos ocasiona aquele tipo de mistura do qual falei no início.
Além da mistura do agrotóxico no alimento, temos a mistura do inseticida
doméstico, do inseticida usado nas campanhas de saúde pública, daquilo que é
usado, às vezes, nos animais de estimação, quer dizer, estamos expostos à
multiplicidade de agrotóxicos.
Como
é feita a vigilância sanitária e a avaliação toxicológica dos agrotóxicos?
Tanto
o município quanto o estado e o órgão federal têm essa obrigação. Claro que os
municípios e os estados têm uma obrigação maior, porque têm maior proximidade
com aquelas realidades, mas, por outro lado, sofrem mais pressão política
local. Às vezes alguns políticos também estão envolvidos nesses casos,
defendendo fazendeiro que defendem o uso de agrotóxicos. As três esferas têm
obrigação de fazer essa vigilância, de fazer diagnóstico, prevenção e
acompanhamento.
Considerando
os dados do dossiê da Abrasco, a contaminação dos alimentos por agrotóxicos já
é um problema de saúde pública?
Sim,
e há muitas décadas, infelizmente. O objetivo do Dossiê é justamente “fazer
barulho” com esses dados, porque o incentivo dado ao uso de agrotóxicos na
década de 1970, principalmente no Brasil, de lá para cá, só aumentou. E o
incentivo se dá também, por outro lado, pela questão da produção de commodities
agrícolas. Na verdade vemos uma inversão do que ocorre no mundo: enquanto o
mundo procura se capacitar e produzir produtos com valor agregado, nós estamos
voltando a nossa economia para o setor primário, reprimarizando a nossa
economia, produzindo commodities para exportação. Dessa forma, o impacto sobre
a saúde e o meio ambiente ocorre há muitas décadas. Alguns pesquisadores, ao
longo desses anos, tentaram divulgar seus estudos, como Sebastião Pinheiro, por
exemplo, que tentou fazer esse alerta nas décadas de 1980 e 1990. Mas quando os
grupos são isolados — porque esses pesquisadores são isolados —, em geral, são
atacados.
Acredito
que o valor do Dossiê é ter reunido pesquisadores renomados da área, ter
envolvido também pessoas expostas a agrotóxicos: na parte três do Dossiê há
relatos de pessoas expostas a agrotóxicos, de populações de municípios pequenos,
que vivem em pequenos sítios, e elas contam o que estão sentindo na pele. O
Dossiê reuniu tanto acadêmicos como movimentos sociais e pessoas expostas. O
objetivo do Dossiê era dar voz a essas pessoas, a esses efeitos, a esses
problemas de saúde que a população brasileira não tem acesso através da grande
mídia.
Muitos
dos agrotóxicos são liberados por conta do seu efeito em sementes transgênicas.
Como avalia esse “processo” casado entre agrotóxico e transgênico e, mais
recentemente, a proposta de retirar o símbolo “T” dos alimentos transgênicos?
Exatamente.
Desde 2005 a liberação de agrotóxicos vem crescendo. Muitas sementes são
resistentes ao glifosato. Isso significa que o agricultor planta a semente e
pode usar esse herbicida, porque aquela planta não irá morrer, pois é
resistente ao glifosato, e todas as outras plantas não desejáveis — a chamada
erva daninha — não crescem ali. Então a planta cresce em uma velocidade maior,
porque o objetivo é justamente produzir para exportar, aproveitar quando o
preço está alto no exterior. Há pouco tempo foi aprovada também a liberação da
semente resistente ao herbicida 2,4-D; essa molécula compunha o “agente
laranja”, que foi usado no Vietnã. Trata-se de uma mistura de 2,4-D e 2,4,5-T.
É uma molécula muito tóxica, sobretudo cronicamente, porque causa alterações
reprodutivas, alterações hormonais e câncer.
Existem
centenas de estudos comprovando isso, mas a CTNBio acabou de aprovar a semente
resistente ao 2,4-D. A partir dessa decisão, certamente o consumo do 2,4-D
também irá aumentar muito e acreditamos que os índices de implicações à saúde
serão muito piores no futuro. É importante ressaltar a liberação dessa molécula
2,4-D. Ela tem ainda outro problema: na sua própria formulação, no processo de
produção, é gerado um contaminante chamado dioxina; esse contaminante é
considerado a molécula sintética mais tóxica que o homem já criou, e é
produzido não intencionalmente, mas faz parte do processo da queima de material
com base orgânica, com base de carbono. Ela foi muito estudada após um acidente
em Sedesa, na Itália, na década de 1970, onde muitas pessoas foram intoxicadas
e até hoje estão sendo acompanhadas por causa de câncer e outras alterações.
A
CTNBio liberou essa semente, embora vários órgãos e instituições tenham
apresentado estudos apontando que o herbicida 2,4-D deveria ser proibido no
Brasil. Mas CTNBio desconsiderou esses estudos científicos, quer dizer, adotou
uma atitude anticientífica.
Em
relação à aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que sugere
retirar a obrigatoriedade da rotulagem do símbolo do transgênico nos alimentos,
considero que essa medida irá cassar um direito de escolha da população
brasileira. Esse é um tema ao qual temos de dar muita evidência, pois para que
o projeto seja aprovado falta somente aprovação do Senado e da Presidente
Dilma. Mas é importante que a população tome conhecimento do que está ocorrendo
no Congresso Nacional.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
http://www.mst.org.br/2015/05/14/a-uso-real-dos-agrotoxicos-e-muito-pior-do-que-os-testes-realizados-avalia-toxicologista.html
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