Quem
nunca foi incomodado por algum vizinho? De acordo com matéria especial do STJ,
é bastante comum que a relação entre pessoas que moram em propriedades próximas
(não necessariamente contíguas) passe por momentos conflitantes. Isso porque,
muitas vezes, a satisfação do direito de um morador pode provocar restrições e
até mesmo violação dos direitos do seu vizinho. Veja o que a corte traz sobre o
tema.
Para
o ministro Sidnei Beneti, da 3ª turma do STJ, "a casa é, em princípio,
lugar de sossego e descanso, se o seu dono assim o desejar". Apesar disso,
interferências sempre haverá. Algumas dessas interferências precisam ser
toleradas para que o convívio entre vizinhos não vire uma guerra. Entretanto,
nem todos têm a noção de que, para viver bem em comunidade, é necessário agir
pensando no coletivo. De acordo com a ministra Nancy Andrighi, também da 3ª
turma, "nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no
exercício do direito, de modo a causar dano a outrem". Veja abaixo como o
STJ tem resolvido as disputas entre vizinhos.
Limitações
Para
determinar limitações ao uso da propriedade, o CC/02 estabeleceu os direitos de
vizinhança (artigos 1.277 a 1.313). De acordo com o professor universitário
Carlos Edison do Rêgo Monteiro, "o direito de vizinhança é o ramo do
direito civil que se ocupa dos conflitos de interesses causados pelas
recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas" (O Direito
de Vizinhança no Novo Código Civil).
Além
disso, ele explica que o direito de vizinhança não tem o objetivo de criar
vantagens para os proprietários, mas evitar prejuízos; ao contrário das
servidões, que visam a conferir mais vantagens para os proprietários.
"Procura-se, mediante as normas que compõem as relações de vizinhança,
coibir as interferências indevidas nos imóveis vizinhos", afirma o
professor.
Vista
panorâmica
Em
2008, a 3ª turma resolveu um conflito surgido pela construção de muro no limite
entre duas propriedades, localizadas no bairro do Leblon, no RJ. O casal dono
de um dos imóveis pretendia que o muro fosse derrubado, sob o argumento de que
estaria atrapalhando a vista panorâmica para a Lagoa Rodrigo de Freitas.
No
decorrer do processo, as partes celebraram acordo judicial, no qual fixaram
condições para preservação da vista, iluminação e ventilação, a partir de um
dos terrenos. A altura do muro foi reduzida, entretanto, foram plantadas
trepadeiras e árvores que acabaram tapando novamente a visão da lagoa.
O
juízo de 1º grau determinou que as árvores limítrofes fossem podadas, para que
não ultrapassassem a altura do muro divisório. Na apelação, o TJ/RJ reformou a
sentença, pois entendeu que o acordo firmado entre as partes não havia
garantido o direito à alegada "servidão de vista" – o que, segundo o
tribunal, nem existe no sistema brasileiro.
No
STJ, o relator do recurso especial, ministro Ari Pargendler, entendeu que o
acordo havia sido integralmente cumprido e, além disso, que não havia proibição
quanto ao plantio de árvores, "que é um direito assegurado ao
proprietário, dentro de seu terreno".
Legal
ou convencional
A
ministra Nancy Andrighi divergiu do entendimento do relator. Quanto à alegada
inexistência de servidão de vista, ela afirmou que o TJ/RJ fez confusão entre
servidão predial legal e convencional. A turma acompanhou o voto da ministra.
"As
servidões legais correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte
direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem
para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o
surgimento de conflitos entre os respectivos proprietários", explicou
Andrighi.
Segundo
a ministra, as servidões convencionais, ou servidões propriamente ditas, não
estão previstas em lei, decorrendo do consentimento das partes.
Ela
mencionou que, embora não houvesse informações no processo acerca do registro
do acordo em cartório, a transação poderia ser equiparada a uma servidão
convencional, que representa uma obrigação a ser respeitada pelas partes.
Ao
considerar a obrigação assumida, de preservação da vista da paisagem a partir
do terreno vizinho, Andrighi verificou que o direito ao plantio de árvores foi
exercido de forma abusiva, pois houve o descumprimento, ainda que
indiretamente, do acordo firmado. Para ela, os vizinhos foram sujeitados aos
mesmos transtornos causados pelo antigo muro de alvenaria (REsp 935.474).
Confusão
No
livro O Direito de Vizinhança, Aldemiro Rezende Dantas Júnior afirma que alguns
autores denominam os direitos de vizinhança como sendo servidões legais – o
entendimento da 3ª turma na decisão anterior foi nesse sentido. Segundo ele, a
nomenclatura é imprópria e a confusão decorre da influência do Código Civil
francês, que "foi copiado por grande parte das legislações modernas".
De
acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, "as servidões são direitos
reais sobre coisas alheias". Conforme a redação do artigo 695 do CC/16,
"por ela [servidão predial] perde o proprietário do prédio serviente o
exercício de alguns de seus direitos dominicais ou fica obrigado a tolerar que
dele se utilize, para certo fim, o dono do prédio dominante".
Para
o ministro, as servidões distinguem-se em inúmeros pontos dos direitos de
vizinhança, "visto que estes são limitações impostas por lei ao direito de
propriedade, restrições estas que são recíprocas e prescindem de
registro".
Parede
Em
2011, a 4ª turma analisou um caso relacionado à servidão predial. Os donos de
um imóvel construíram uma parede, que acabou por obstruir a ventilação e
iluminação naturais do prédio vizinho.
Na
ação demolitória ajuizada pelos vizinhos, o juízo de primeiro grau determinou o
desfazimento da parede erguida. O tribunal de 2ª instância manteve a decisão,
pois verificou que a parede construída obstruía janelas que tinham sido abertas
no prédio vizinho havia mais de 20 anos.
Nas
razões do recurso especial, os responsáveis pela construção da parede alegaram
violação aos artigos 573, parágrafo 2º, e 576 do CC/16. Entretanto, o ministro
Luis Felipe Salomão afirmou que os dispositivos mencionados regulam as relações
de vizinhança, não servindo para a solução de controvérsias relativas à
servidão predial. Diante disso, a turma negou provimento ao recurso especial
(REsp 207.738).
Infiltração
De
acordo com o ministro Sidnei Beneti, a jurisprudência do STJ tem caminhado no
sentido de que os aborrecimentos comuns do dia a dia, "os meros dissabores
normais e próprios do convívio social", não são suficientes para dar
origem a danos morais indenizáveis.
Há
precedentes do STJ que afirmam tratar-se a infiltração em apartamento de um
mero dissabor. Apesar disso, a 3ª turma julgou uma situação de grande
constrangimento, que perdurou durante muitos meses, como exceção à regra.
Em
2006, uma moradora ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais
contra a vizinha do apartamento acima do seu. Alegou que, cerca de um ano e
meio antes, começou uma infiltração na laje do teto da sua área de serviço,
proveniente do imóvel do andar de cima, que se alastrou por praticamente todo o
teto do apartamento.
Segundo
a autora, houve várias tentativas para solucionar amigavelmente o problema, mas
a vizinha não tomou nenhuma providência.
Danos
morais
Em
primeira instância, o juiz fixou indenização por danos morais no valor de R$
1.500. A autora apelou ao tribunal estadual para buscar a elevação da
indenização. A vizinha também apelou, alegando que não poderia ser condenada ao
pagamento de danos morais, já que, segundo ela, não tinha ciência das
infiltrações.
Para
o TJ/RJ, a conduta da vizinha não provocou lesão aos direitos de personalidade
da autora, de modo a justificar a pretendida reparação por danos morais.
No
STJ, o ministro Sidnei Beneti, relator do recurso especial, mencionou que o
constrangimento e os aborrecimentos pelos quais a mulher passou não poderiam
ser considerados de menos importância.
"A
situação descrita nos autos não caracteriza, portanto, um mero aborrecimento ou
dissabor comum das relações cotidianas. Na hipótese, tem-se verdadeiro dano a
direito de dignidade, passível de reparação por dano moral", afirmou (REsp
1.313.641).
Passagem
forçada
Para
se ter configurado o direito de passagem forçada – um dos temas do direito de
vizinhança, previsto no artigo 1.285 do CC/02 – é necessário que o imóvel
esteja encravado.
De
acordo com Lenine Nequete, na obra Da Passagem Forçada, para haver encravamento
é necessário: a) que o prédio não tenha saída para a via pública, nem possa
buscar-se uma, ou, podendo, somente a conseguiria mediante excessiva despesa ou
trabalhos desmesurados; b) ou que a saída de que disponha seja insuficiente e
não se possa adaptá-la ou ampliá-la – ou porque isso é impossível, ou porque os
reparos requereriam gastos ou trabalhos desproporcionados.
O
ministro Ari Pargendler, atualmente membro da 1ª turma, deu o conceito jurídico
de imóvel encravado. "Encravado é o imóvel cujo acesso por meios
terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra
a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será
indenizado pela só limitação do domínio".
Acidente
geográfico
O
dono da fazenda São José, situada em Rio Negro/MS, moveu ação de constituição
de passagem forçada contra os donos da fazenda vizinha, a Rancho Grande. Parte
de sua propriedade é separada do restante devido a um acidente geográfico. O
trecho encontra-se encravado.
A
perícia constatou que a área tinha duas saídas: uma passando pela fazenda
Rancho Grande e outra pelo próprio Rio Negro. Entretanto, para fazer a ligação
por terra, era preciso construir estrada que, devido aos acidentes geográficos
locais, seria muito dispendiosa e, para sair à via pública, percorreria cerca
de 30 quilômetros.
O
juízo de 1º grau julgou o pedido improcedente. A decisão foi mantida no
tribunal estadual, para o qual o encravamento do imóvel é relativo: por meio de
obras, embora dispendiosas, o autor poderia ter acesso à via pública.
Interesse
público
De
acordo com o ministro Ari Pargendler, relator do recurso especial, não existe
encravamento absoluto. "Numa era em que a técnica dominou a natureza, a
noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser
inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na
supremacia do interesse público", comentou.
Ele
considerou que o dono da fazenda São José tinha direito à passagem forçada,
visto que o trecho encravado não tem saída para a via pública e a comunicação
por via terrestre só seria possível se fosse construída estrada a custos
elevados. Além disso, o laudo pericial constatou que seria necessário construir
duas pontes, aterro e drenagem em alguns pontos.
Para
Pargendler, o reconhecimento de que o custo das obras seria elevado foi
suficiente para reconhecer o direito de passagem forçada. Entretanto, ele
lembrou que o vizinho que iria tolerar a passagem teria direito de receber
indenização, que poderia ser fixada em liquidação de sentença (REsp 316.336).
Ruídos
O
morador de uma quitinete, localizada em área comercial do Sudoeste, em
Brasília, ajuizou ação possessória contra o Condomínio do Edifício Avenida
Shopping. Alegou que sua vizinha, uma empresa comercial, instalou, sobre o teto
do edifício e acima de sua residência, equipamento que funcionava
ininterruptamente, produzindo vibrações e ruídos que afetavam sua qualidade de
vida.
Pediu
que a empresa fosse proibida de utilizar o equipamento, além de ressarcimento
pelos danos morais sofridos. O juízo de 1º grau verificou que a convenção de
condomínio estabelecia a finalidade exclusivamente comercial do edifício e que
só havia barulho acima do tolerável no período noturno.
O
morador recorreu ao TJ/DF, que deu parcial provimento ao recurso, para condenar
a empresa e o condomínio, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos
morais, no valor de R$ 15 mil. No curso do processo, o morador deixou o imóvel,
por isso, o outro pedido ficou prejudicado.
Imóvel
comercial
Inconformada,
a empresa interpôs recurso especial no STJ. Afirmou que o morador residia
irregularmente em imóvel comercial e que, por essa razão, não teria direito ao
sossego e silêncio típicos de área residencial.
Para
a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, o tribunal de justiça
superou as regras condominiais e reconheceu que, naquele edifício, havia uma
área de uso misto. Ela verificou que o imóvel tinha sido anunciado como uma
quitinete e, ainda, que a tarifa de luz e o IPTU cobrado levavam em conta o
caráter residencial do imóvel.
Verificou
ainda que o condomínio tolerou a utilização do edifício para fins diversos
daqueles estipulados em sua convenção. "Se os próprios construtores do
prédio anunciavam que certas unidades ali comercializadas poderiam destinar-se
à habitação, todos, condomínio, adquirentes e locatários, não poderiam ignorar
essa realidade", afirmou.
Andrighi
explicou que o artigo 187 do CC/02 reconhece que a violação da boa-fé objetiva
pode corresponder ao exercício inadmissível ou abusivo de posições jurídicas.
"Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou
exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho", mencionou.
A
3ª turma manteve a condenação em danos morais no valor arbitrado pelo tribunal
de segunda instância (REsp 1.096.639).
Uso
indevido
No
caso de imóvel alugado, o locador (proprietário) tem o dever de zelar pelo uso
adequado de sua propriedade, assegurando-se da correta destinação dada pelo
inquilino, principalmente no que se refere à higiene e limpeza da unidade
objeto da locação. Esse entendimento é da 3ª turma.
No
Condomínio Residencial Suite Service há uma regra que obriga os condôminos a
permitir o acesso às suas unidades para que sejam realizados serviços de
limpeza. Mesmo notificada dessa obrigação, uma locatária não permitiu que os
funcionários responsáveis pela limpeza entrassem em seu apartamento.
Diante
disso, o condomínio moveu ação cominatória contra a locatária. Sustentou que as
condições precárias de higiene da unidade afetaram os demais condôminos,
causando-lhes riscos à saúde e ao bem-estar no prédio.
Responsabilidade
O
juízo de 1º grau determinou a citação da locatária, mas verificou que ela
estava impossibilitada de comparecer, pois precisava passar por avaliação
médica antes. Diante disso, autorizou o pedido do condomínio, para incluir o
proprietário no polo passivo da demanda.
Após
ser citado, o proprietário apresentou contestação, na qual sustentou que não
havia responsabilidade solidária pelas obrigações condominiais entre locatário
e locador. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, ele interpôs
recurso especial perante o STJ.
De
acordo com o ministro Massami Uyeda, relator do recurso especial, "o
locador mantém a posse indireta do imóvel, entendida como o poder residual
concernente à vigilância, à conservação ou mesmo o aproveitamento de certas
vantagens da coisa, mesmo depois de transferir a outrem o direito de usar o bem
objeto da locação".
Ele
explicou que, tratando-se de direito de vizinhança, a obrigação decorre da
propriedade da coisa. "Por isso, o proprietário, com posse indireta, não
pode se eximir de responder pelos danos causados pelo uso indevido de sua
propriedade", afirmou.
A
3ª turma negou provimento ao recurso especial, pois concluiu que o proprietário
possui legitimidade para responder por eventuais danos relativos ao uso de sua
propriedade (REsp 1.125.153).
Subsolo
O
artigo 1.229 do CC/02 estabelece que a propriedade do solo abrange a do subsolo
correspondente. Contudo, a segunda parte do dispositivo limita o alcance desse
subsolo a uma profundidade útil ao seu aproveitamento. Com esse entendimento, a
Terceira Turma impediu que proprietários de um imóvel se opusessem às
atividades realizadas pelos vizinhos em seu subsolo.
Na
origem, um casal moveu ação indenizatória por danos materiais e morais contra
seus vizinhos. Alegaram que o seu imóvel havia sofrido danos decorrentes de
obras, principalmente escavações, realizadas em sua propriedade.
Em
1ª instância, o juiz determinou que os vizinhos pagassem indenização por danos
materiais e também que retirassem os tirantes utilizados na ancoragem da parede
de contenção erguida. Na apelação, o TJ/RS manteve a indenização, mas afastou a
determinação de remoção dos tirantes.
No
recurso especial, os proprietários alegaram violação aos artigos 1.229 e 1.299
do CC/02, que tratam, respectivamente, da propriedade do subsolo e do direito
de construir.
Utilidade
De
acordo com a ministra Nancy Andrighi, "o legislador adotou o critério da
utilidade como parâmetro definidor da propriedade do subsolo, limitando-a ao
proveito normal e atual que pode proporcionar, conforme as possibilidades
técnicas então existentes".
Ela
explicou que tal critério tem a ver com a proteção conferida pela Constituição
Federal à função social da propriedade, "incompatível com atos emulativos
ou mesquinhos do proprietário, desprovidos de interesse ou serventia",
afirmou.
A
relatora verificou no processo que não houve nenhum prejuízo ou restrição ao
direito de uso, gozo e fruição da propriedade e, ainda, que a parcela do
subsolo utilizada para a realização de obras (a quatro metros do nível do
subsolo) não devia ser considerada parte integrante da outra propriedade. A
turma negou provimento ao recurso especial (REsp 1.233.852).
Fonte:
STJ
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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