quinta-feira, 20 de outubro de 2011

OS VENTOS DO DESERTO



Tão logo aflorou a notícia de que Muamar Kadhafi havia sido encontrado, arrastado e morto por uma multidão enfurecida, se espalhou rapidamente por todos os cantos do mundo uma estranha celebração como se com sua morte tivéssemos expungido todos os males da face da terra. Digo estranha porque há um ano atrás, se perguntássemos quem ele era, a maioria das pessoas sequer sabia de sua existência, quanto mais de sua história. Hoje, ele representava a face de todo o mal que nos aflige.

Em 1969 quando liderou um golpe militar que derrubou a monarquia pró-Ocidente da Líbia, comandada pelo rei Idris I, Kadhafi confiscou os bens das comunidades italianas e judaicas, nacionalizou empresas estrangeiras, estabeleceu o país no pan-arabismo e impôs uma filosofia anti-imperialista misturada com aspectos do Islã. O só fato de ele ter se insurgido contra aquele mesmo povo que havia patrocinado o golpe de estado no Brasil, fez com que eu e muitos outros jovens da época passássemos a admirá-lo tal qual já fazíamos com Che Guevara e Fidel Castro. Evidentemente, com o passar do tempo e de suas atitudes, essa admiração foi arrefecendo.

Acontece que as nações que foram contrariadas à época não se esqueceram e ficaram à espreita por mais de quarenta anos esperando o momento certo para buscarem a vingança. E com os ventos libertários que começaram a varrer o mundo árabe, elas sentiram chegar o momento de se livrarem do velho inimigo. Trouxeram-no novamente à tona, levando ao conhecimento de todos as pretensas barbaridades que ele teria cometido durante o tempo em que esteve no poder da Líbia, tal qual fizeram com Saddam Hussein e Bin Laden para legitimarem as suas mortes.

Através das diversas mídias ele instantaneamente foi demonizado ao extremo e pessoas que nunca haviam sequer ouvido falar dele, de repente, passaram a considera-lo o inimigo número um da humanidade. Para estes incautos, não havia outro caminho que não o da eliminação de Kadhafi para que fosse restabelecida a justiça e a paz no mundo.

Pobres tolos. Não sabem que estavam sendo manipulados por aqueles que são os verdadeiros algozes da humanidade, levando guerras a todos os cantos do mundo sob as eufemísticas alegações de estarem levando liberdade e democracia e combatendo o terrorismo. Na verdade, um véu para encobrir suas verdadeiras intenções de se adonarem do petróleo ou qualquer outra riqueza dos países invadidos.

Eu nunca escondi de ninguém que sou um anarquista congênito e um ateu convicto. Agora, me admira ver que os membros da denominada civilização judaico-cristã, com suas eternas pregações de amor ao próximo, vibram tanto com a visão da morte violenta de alguém. E não é uma vibração qualquer; ela chega às raias da volúpia, do sadismo e da perversidade. Será que na real todos nós somos justiceiros enrustidos?

Houve gente dando vivas e dizendo inocentemente que agora o povo líbio havia se libertado e passaria a trilhar seu caminho no rumo da democracia e da paz. Na realidade, agora está começando a se apresentar para ele uma nova dimensão do inferno. Afinal, o país está destruído, dividido e a briga pela poder irá começar. Naturalmente irá vencer aquela facção que aceitar ser manipulada pelas nações imperialistas que estarão sempre presentes, à espreita, sob a justificativa de levarem ajuda “humanitária”. Tudo indica que os rebeldes acabaram de depor um ditador líbio para entregarem o poder e o petróleo possivelmente para as nações estrangeiras.

Creio que estamos vendo surgir mais um arremedo de democracia no qual o mesmo povo que foi insuflado a se rebelar, continuará sua senda de submissão aos interesses dos adoradores do ouro negro. Será que existe motivo para celebração? Vamos ver para que lado sopram os ventos do deserto.

Jorge André Irion Jobim.



Publicado no Portal de Luis Nassif






Publicado no site Mídia Independente





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