sábado, 10 de outubro de 2009

CURATELA ESPECIAL E SEM INTERDIÇÃO

MEANDROS DA JUSTIÇA


Diante da necessidade de encontrar solução para o caso concreto de um senhor que precisava de alguém para cuidar de seus negócios, eis que, embora mantendo a lucidez, havia perdido a capacidade de se movimentar, encontrando limitações para o desempenho de suas atividades diárias, fui pesquisar na jurisprudência e descobri que a legislação civilista de 2002 contemplou uma nova espécie de curatela, chamada especial e sem interdição, que não se destina a declarar o indivíduo portador de doença física como incapaz. Ela está fundamentada no art. 1.780 do Código Civil.

O interessante é que isso evita o constrangimento dos familiares que não precisam mais pedir a interdição do parente em tal situação, pois isso pode ser feito pelo próprio enfermo ou portador de deficiência física, conforme prevê literalmente o art. 1780 do Código Civil:

“Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens”.

As pessoas referidas no art. 1.768 do Código Civil para o caso da impossibilidade do próprio interessado fazer o requerimento, são os mesmos que têm legitimidade para pedir a sua interdição, ou seja, os pais ou tutores, o cônjuge, qualquer parente ou até mesmo o Ministério Público. É claro que nesse caso, só poderão faze-lo com a aquiescência do interessado.

Vários casos análogos já foram enfrentados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, servindo de exemplo:

"APELAÇÃO CÍVEL. CURATELA. Dá-se curador ao portador de deficiência física, consistente em paralisia total do lado esquerdo do corpo, que o impede de locomover-se, a fim de que possa perceber o benefício previdenciário a que tem direito, devido a essa limitação (art. 1.780 do CC/2002). Apelação cível provida em parte. Unânime" (AC nº 70011048972, 8ª CCível, TJRS, Relª Drª Walda Maria Melo Pierro, j. 15/12/2005) .(grifei)

Sobre a hipótese, temos a doutrina de Arnaldo Rizzardo:

"Constitui uma inovação salutar, para resolver as situações em que a doença ou deficiência física dificulta ou impede a locomoção e o desempenho de atividades, especialmente se a pessoa está impossibilitada de se afastar da residência, ou é portadora de mal físico que lhe tira a disposição, como a paraplegia, a falta de membro inferior, a cegueira, a obesidade excessiva. Se a administração dos bens requerer a constante movimentação, viagens, esforço físico, contatos com pessoas, é conveniente a curatela para a estrita finalidade por meio da constituição de procurador, ou representante. Percebe-se que o doente ou portador de deficiência física tem as faculdades mentais perfeitamente normais, não se constatando qualquer falta de discernimento." (grifei)

Também nesse sentido, leciona Maria Berenice Dias:

"O portador de deficiência física ou o enfermo pode requerer que lhe seja nomeado curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens (art. 1.780). Cuida-se de curatela de menor extensão, até porque não se destina a um incapaz. O requerente é que definirá o âmbito de abrangência da curatela. Qualquer das pessoas legitimadas (art. 1.798) também podem requerer a curatela, mas esta só será concedida se houver a concordância do interditando."

"Estamos diante de nova modalidade de curatela, instituída pelo novo Código Civil, que não se destina, portanto, tipicamente a um incapaz, mas a alguém que não possui plenas condições físicas ou materiais para exercer seu papel negocial e cuidar de seus próprios interesses, nos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa (In Direito Civil, Vol. 6, 4ª ed., Atlas, São Paulo, 2004, p. 454).

"Adequado, portanto, que alguém, cuja responsabilidade será maior do que de um simples mandatário, seja nomeado para representar seus interesses, restando a curatela limitada à impossibilidade do curatelado.

"Ensina Zeno Veloso que o art. 1.780 é um caso especial de curatela sem interdição, tratando-se de uma inovação, suprindo uma lacuna de nossa legislação civil.
"Refere o citado mestre que:
"(...) Não se trata de uma curadoria ampla (cura persona et rei), como a dos absolutamente incapazes, mas se restringe a atos patrimoniais, de gestão econômica, relacionados aos negócios ou aos bens do enfermo ou deficiente físico" (In: CC Comentado, vol. XVII, Atlas, p. 227).
"O já referido art. 1.780 dispõe que, na impossibilidade de o próprio enfermo ou portador de deficiência física ajuizar a ação - o que, s.m.j., é o caso, na medida em que o demandado não pode locomover-se e, portanto, sair à procura de um advogado - , estão legitimados a fazê-lo as pessoas mencionadas no art. 1.768. Logo, a insurgente é parte legítima ad causam” (grifei);

A jurisprudência confirma tais assertivas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDIÇÃO. CURATELA PROVISÓRIA. Havendo demonstrativo de que o interditando encontra-se impossibilitado de caminhar, defere-se a curatela à agravante, sua esposa, devendo ser averiguado na ação principal se não é o caso de curatela especial sem interdição (art. 1.780 do CC/02). AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70014138630. OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TJ. DES. JOSÉ S. TRINDADE, RELATOR.(Grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDIÇÃO. ENFERMIDADE PSIQUIÁTRICA E PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. MODALIDADE ESPECIAL DE CURATELA. CURATELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. Em sendo a interditanda enferma e portadora de deficiência física, no caso, aplica-se a nova modalidade de curatela especial prevista no inc. I do art. 1.767 do Código Civil. RECURSO PROVIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70016457897. SÉTIMA CÂMARA CÍVEL DO TJRS. DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL, RELATOR.

Como se pode perceber, sempre que a pessoa necessitar de representação em virtude de limitação física porém tiver a capacidade mental preservada, poderá requerer a curatela especial, sendo-lhe nomeado curador cujo encargo fica limitado à sua vontade.

Se o curatelado é capaz de discernir o certo e o errado e assumir responsabilidade para os atos da vida civil e manter o diálogo coerente e entender situações que precisem da sua decisão, tendo perdido apenas a capacidade motora para se movimentar, ficando dependente de terceiros para alimentação, higiene e vestimenta por exemplo, possuindo apenas deficiência física e não mental, não cabe a instituição de curatela por qualquer das hipóteses mencionadas no art. 1.767 do CCB/02, por ausência ou redução da capacidade de discernimento, mesmo que temporária.

Conforme tivemos oportunidade de ler na doutrina de Maria Berenice Dias, o próprio portador de deficiência física ou o enfermo pode requerer que lhe seja nomeado curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens (art. 1.780), obtendo uma curatela de menor extensão, eis que o próprio requerente é que definirá o âmbito de sua abrangência.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Para acessar a um modelo de requerimento de curatela especial, clique aqui:

3 comentários:

RAFAEL OLIVEIRA PRIANTE disse...

Olá Jorge, parabéns pelo excelente post. Fiquei com uma dúvida somente, como seria esse modelo de requerimento feito pelo enfermo. É que estou com um caso em que o enfermo não tem condições de se locomover, mas, tem lucidez e quer nomear sua sobrinha como curadora, aí não sei se faço o requerimento pelo enfermo ou a interdição em nome da sobrinha. Se tiver um modelo deste requerimento eu agradeço. Parabéns pelo blog. abraço

Unknown disse...

Parabéns! Vou peticionar ao Juiz da minha cidade exatamente nestes termos para a minha vó e consegui tudo o que precisava para isso aqui no seu blog! Obrigada!

vanessa disse...

olá ,no meu caso é o contrário ,tenho um pai com deficiencia fisica por conta de um avc e ainda por cima é renal cronico ,porém somos em quatro irmãs e nenhuma delas quer cuidar dele ,o que faço ...como posso lutar legalmente pra que cadauma dels faça sua parte sem me sobrecarregar visto que eu ja tenho uma familia e 4 filhos pequenos ,por favor me ajude estou desesperada