Especialista
em Direito Digital explica como a lei brasileira enquadra esses crimes.
Crimes
digitais, antes vistos como episódios excepcionais, tornaram-se parte da rotina
do Judiciário e da vida social.
Entre
eles, destacam-se o catfishing - criação de perfis falsos ou manipulação de
identidades para enganar ou prejudicar terceiros - e a extorsão digital,
práticas que desafiam a aplicação das normas tradicionais do Direito Penal às
novas formas de interação em rede.
Dois
episódios recentes que "viralizaram" ilustram a gravidade do
problema.
Nos
Estados Unidos, um documentário da Netflix revelou um caso intrigante de
mensagens de ódio e ameaças anônimas a adolescentes. Em território
brasileiros, na cidade de Conceição de Alagoas/MG, uma jovem de 21 anos foi
presa por difamar moradores em perfil anônimo e exigir dinheiro para apagar as
postagens.
Para
compreender como o ordenamento jurídico brasileiro lida com esses fenômenos,
Migalhas ouviu o advogado Luiz Augusto D'Urso, especialista em Direito Digital
e Crimes Cibernéticos.
Veja
a entrevista:
Catfishing
O
documentário "Número Desconhecido: Catfishing na Escola" acompanha a
história de uma adolescente de 13 anos que, junto ao namorado, passou a receber
mensagens anônimas com ofensas e ameaças. Após meses de investigação, foi
descoberto quem estava por trás dos ataques - revelação que tornou o caso ainda
mais perturbador.
Segundo
o advogado Luiz Augusto D'Urso, se a conduta tivesse ocorrido no Brasil,
poderia ser enquadrada no art. 232 do ECA, que pune quem submete criança
ou adolescente a situação vexatória, com pena de até dois anos.
Também
caberia o crime de perseguição (stalking), previsto no art. 147-A do CP,
igualmente sujeito a pena máxima de dois anos.
Além
disso, explica o especialista, as condutas poderiam caracterizar crimes contra
a honra (calúnia, difamação e injúria - arts. 138 a 140 do CP), bem como
bullying e cyberbullying.
Extorsão
No
Brasil, em Conceição de Alagoas/MG, o caso ultrapassou a difamação online.
Uma
jovem de 21 anos mantinha perfil anônimo em que difundia boatos e acusações
contra moradores e instituições locais - envolvendo traições, gravidez e
agressões físicas.
Quando
confrontada pelas vítimas, exigia pagamentos entre R$ 200 e R$ 500 para remover
as postagens.
Segundo
D'Urso, nesse caso há também o uso do meio digital, mas a conduta ultrapassa a
esfera dos crimes contra a honra e configura extorsão:
"Nesse
absurdo caso que ocorreu em Minas Gerais, nós tínhamos uma situação mais
gravosa, que era após a publicação, quando as pessoas reclamavam pela remoção,
a autora exigiu um pagamento para que a publicação fosse retirada, vale dizer
cometendo um crime mais gravoso, que a pena pode chegar até 10 anos de prisão,
que é o crime de extorsão."
Arcabouço
jurídico
Apesar
das inovações tecnológicas, o especialista considera que o Brasil já dispõe de
um sistema jurídico apto a lidar com esses crimes.
"Não
há dúvida que hoje nós temos leis suficientes para enfrentar essas situações,
extorsão já está previsto no Código Penal, crime de perseguição, crime de
ameaças, crimes contra a honra, tudo isso já tem previsão legal e já são
condutas ilícitas no Brasil."
Responsabilidade
civil
As
consequências não se limitam à esfera penal. D'Urso ressalta que as vítimas
podem buscar reparação por danos morais:
"Hoje
nós temos diversos os processos que tramitam por danos morais, indenização por
dano moral, em razão desse desgaste público [...] e diante disso o judiciário
tem enfrentado essa situação, analisando inclusive esse alcance maior desse
desgaste à honra nas redes sociais e aplicando indenizações de multas severas.
Nós temos casos aí que a multa ficou entre R$100 mil e R$200 mil de
indenização", afirma.
Plataformas
digitais
Outro
aspecto central é a responsabilidade das empresas de tecnologia.
O
advogado recorda que o STF, ao julgar a constitucionalidade do art. 19 do marco
civil da internet (lei 12.965/14), alterou o regime jurídico das plataformas.
Antes,
a responsabilização só ocorria se a empresa descumprisse ordem judicial para
remoção do conteúdo, exceto em casos de nudez e pornografia, regulados pelo
art. 21.
Após
a decisão, qualquer ato ilícito, salvo crimes contra a honra, pode gerar
responsabilidade civil se a plataforma for notificada e não retirar o material.
"O
Supremo mudou isso e colocou como regra no artigo 19 que qualquer ato ilícito
que tenha a notificação, entregue a plataforma dizendo que o conteúdo está no
ar, ela poderia ser corresponsabilizada", observa D'Urso.
https://www.migalhas.com.br/quentes/440157/catfishing-na-escola-e-extorsao-no-instagram-entenda-casos-virais

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